Crónica de António Rego no "Correio da Manhã" - Folhas secas
Os livros são quase pessoas. Não ouvem, nem veem, nem falam. Mas têm alma quase mais forte que a vida que em nós palpita. Melhor que nós compõem a eternidade. Fio onde subtilmente corre o nosso pensamento, tornam-se mais velozes que nós próprios. Empilhados em estantes parecem fúnebres, sequência de campas em fila de cemitério. Atravessamos as suas ruas sem dizer nem escutar palavras, levantam uma poeira que nos faz arder os olhos e perturba as aparências do nada que compõem os enigmas que se escondem nas suas páginas. Mas são uma cátedra, um púlpito, uma vida, um recheio interminável de saber, um amontoado de gerações, um ventre sereno da arte e do saber. Uma estrada aberta, plantada de mil plantas.
É nos serenos silêncios
que se escrevem
os nossos melhores discursos
Se entro pela estrada do digital, não vejo cruzes, tropeço na ramagem quase mais ruidosa que as folhas de Novembro, que se enrolam nos pés à passagem nos corredores da floresta ressequida. E todavia sinto que também nesse percurso há um diálogo, parecido com o discurso, que tanto mais se sente quanto maior é o silêncio. Até por vezes me parece ouvir a folhagem a dizer nomes vivos e até expressar ideias que nunca me haviam ocorrido.