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sábado, 3 de julho de 2021

Lídia Jorge: «Pede-se à Igreja que os seus sacerdotes sejam cultos»

Lídia Jorge considera que entre vários padres subsiste uma ignorância em relação a criações elementares da arte e da cultura, que é preciso corrigir para aproximar a Igreja de mais pessoas, e constata que muitas homilias sobre o mesmo texto bíblico se repetem ao longo de décadas, indiferentes às mudanças no mundo.
«Pede-se à Igreja que os seus sacerdotes sejam cultos» e «tenham acesso a obras literárias, instrução do ponto de vista de gosto pela música, pelo teatro, pelas várias expressões da cultura», afirmou a escritora durante o 14.º Encontro Nacional de Referentes da Pastoral da Cultura, que decorreu pela internet nesta quarta-feira.
No encontro organizado pelo Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura, Lídia Jorge sublinhou que o desenvolvimento da sensibilidade para a cultura deve ser acompanhada pela «capacidade de dialogar com as pessoas».
«Muitas vezes» fala-se com sacerdotes «que não leram nada, a não ser obras fundamentais da teologia», mas «são incapazes de perceber o que a obra de James Joyce, ou outra, lhes pode dar», referiu.

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domingo, 20 de junho de 2021

As lágrimas de Pedro

Crónica de Bento Domingues 
no PÚBLICO



Todas estas três cartas exemplares ajudam, não apenas a uma nova visão da Igreja, mas ao seu exercício em actos e compromissos efectivos.

1. Há gestos, atitudes, acontecimentos que abrem um futuro de esperança, sem enterrar os crimes do passado e a responsabilidade actual de toda a Igreja. Não me vou referir às iniciativas e decisões corajosas e radicais do Papa Francisco, sobre a protecção de menores e pessoas vulneráveis na Igreja Católica, nem às resistências que têm encontrado na sua aplicação. Já existe muita informação disponível acerca dessa questão vergonhosa.
Vou limitar-me a três cartas exemplares: a justificação do pedido de renúncia do cardeal Reinhard Marx, arcebispo de Munique e Freising; o Papa, em vez de aceitar a renúncia, agradece a atitude do cardeal, confirma-o na sua missão e envolve toda a Igreja no pedido da graça da vergonha; o cardeal não resistiu à carta do Papa, que o comoveu.
Não vale a pena comentar essas cartas sem as conhecer. Como não podem ser apresentadas na íntegra, o melhor é dar a palavra aos intervenientes, no que julgo que têm de essencial. Todas elas ajudam, não apenas a uma nova visão da Igreja, mas ao seu exercício em actos, em tomadas de posição, em compromissos efectivos.
Comecemos pela carta do cardeal: “Na minha opinião, para assumir a responsabilidade, não basta reagir apenas quando os erros e omissões podem ser comprovados a partir dos autos dos processos. Em vez disso, como bispos, temos de deixar claro que nós também representamos a instituição da Igreja como um todo.

sexta-feira, 11 de junho de 2021

Bispo de Aveiro: a Igreja não é mais do que caminhar juntos

Solenidade do Sagrado Coração de Jesus

«Cada vez mais se torna necessário fazer um caminho em conjunto, em colegialidade, tal como referem as respostas ao inquérito feito aos sacerdotes. A nossa diocese não pode ficar alheia à exigência que o Santo Padre faz a toda a Igreja no sentido de prepararmos o próximo Sínodo dos Bispos, que tem como título “Por uma Igreja Sinodal: comunhão, participação e missão”», sublinhou o Bispo de Aveiro, D. António Moiteiro, na homilia da Solenidade do Sagrado Coração de Jesus, que se celebrou hoje na Sé aveirense.
Ao dirigir-se aos presbíteros, o nosso Bispo apontou a sinodalidade «como dimensão constitutiva da Igreja, frisando que «a Igreja não é mais do que este caminhar juntos, padres e leigos, ao encontro de Cristo Senhor».
Por outro lado, D. António Moiteiro disse que importa reconhecer «que depende de nós toda e qualquer renovação», ponto de partida «para um presbitério renovado».
D. António salientou que o ministério sacerdotal «exige que não nos conformemos a este mundo, mas que vivamos neste mundo», tendo em conta que somos «chamados a assumir uma atitude permanente de conversão pastoral». «Não é indiferente o que somos e o modo como vivemos. Entre o ser e o agir do ministério que assumimos deve existir sintonia, harmonia e coerência», referiu.
O Bispo de Aveiro disse que, para vivermos em comunhão, «é necessário conviver, concelebrar, aprender a trabalhar juntos, partilhar sucessos e fragilidades, nomeadamente com os colegas do arciprestado, para sermos o rosto fraterno Cristo». Para isso, é fundamental que o bispo, sacerdotes e diáconos suscitem a fraternidade «na construção da comunidade cristã». «É neste espírito de comunhão que, no dia 1 de dezembro, vamos realizar uma Assembleia de presbíteros, onde a presença de todos é imprescindível», adiantou.

Ler toda a homilia 

sábado, 8 de maio de 2021

Jesus e a Igreja. 4

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias 

Na Igreja, haverá líderes no, com e para o Povo de Deus, para celebrar nas comunidades e com as comunidades a Eucaristia: a vida, a morte e a ressurreição de Jesus e da Humanidade inteira. A Eucaristia é memória da última Ceia e também de todas as refeições que Jesus tomou concretamente com pecadores e excluídos, precisamente para indicar a presença e a actuação do Reino de Deus. Esses banquetes tinham causado profunda impressão nos discípulos. Jesus aliás comparou a realidade do Reino de Deus a bodas e banquetes. Não se trata, pois, do padre-sacerdote do culto ritual-sacrificial. Jesus rejeitou o sacerdócio judaico e o culto sacrificial do seu tempo, e nada indica que quisesse instituir um novo culto sacrificial. Ele próprio não era "sacerdote" nem nenhum dos "Doze" nem Paulo. As suas relações com o Templo e o culto nele realizado pelos sacerdotes foram de ruptura, de tal modo que foi o sacerdócio judaico que o levou à cruz. No Novo Testamento, a palavra "sacerdote" no sentido sacrificial-cultual foi evitada. A concepção sacrificial da Eucaristia, que implica a introdução do sacerdote, é posterior, tendo na sua base sobretudo a vontade de impedir a acusação de ateísmo pelo facto de os cristãos se recusarem a prestar culto aos deuses e não oferecerem sacrifícios.

sábado, 1 de maio de 2021

Jesus e a Igreja. 3

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias 

Os baptizados formam um povo de profetas, reis e sacerdotes. A ruptura numa Igreja de irmãos deu-se com a ordenação sacerdotal, que originou duas classes: clero e leigos.
Todos os cristãos são sacerdotes: oferecem a sua vida a Deus e à sua causa, que é a causa dos seres humanos. Aqueles e aquelas que se reúnem convocados no baptismo pela pessoa de Jesus e o seu Reino formam a Igreja e são povo sacerdotal e sacramento de um mundo outro. Mas é necessário que haja homens e mulheres que dedicam a sua vida ao anúncio do Reino de Deus, conselheiros espirituais que despertam para a transcendência, animadores e coordenadores das comunidades...
Neste sentido, embora sem ordens sacras, continuará o ministério de padres, presbíteros, bispos, líderes das comunidades. Homens e mulheres, casados ou não, escolhidos pelas comunidades ou com a sua participação. Alguns temporariamente, outros de modo permanente. E para quê?

sábado, 24 de abril de 2021

Jesus e a Igreja. 2

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias



«Como poderá ser a Igreja Católica, se se deixar orientar pelo Evangelho, por aquilo que Jesus anunciou e queria?»

A interpretação da Eucaristia como sacrifício teve várias consequências perniciosas. A maior foi a da ordenação sacra sacerdotal. Mas o Novo Testamento evitou a palavra hiereus - o sacerdote sacrificador de vítimas para oferecer à divindade e aplacá-la e pedir os seus favores. Jesus, que era leigo, foi vítima dos sacerdotes do Templo e, citando os profetas, colocou estas palavras na boca de Deus: "Ide aprender: eu quero justiça e misericórdia e não sacrifícios; os vossos sacrifícios aborrecem-me." Evidentemente, com a ordenação sacra, a mulher, ritualmente impura ficou excluída de presidir à Eucaristia.
O Novo Testamento diz que, pelo baptismo, todos formam um povo de sacerdotes, profetas e reis. Mas, com a ordenação sacerdotal, surgiu a distinção, essencial e não de grau, entre o "sacerdócio comum" dos fiéis e o "sacerdócio ordenado" e, com ela, o estabelecimento de duas classes na Igreja: o clero e os leigos. E entrou "a lepra do clericalismo", na expressão do Papa Francisco: de facto, a "hierarquia" (poder sacro) fica com todos os poderes - julgo que não se pensa suficientemente no que significou ser padre ou bispo, com o poder de "trazer Cristo à Terra, com a consagração", perdoar os pecados, decidindo da salvação eterna ou da condenação das pessoas... -, usando e abusando do poder..., até à tragédia da pedofilia, privilégios de toda a ordem...

sábado, 10 de abril de 2021

Jesus e a Igreja. 1

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias

1. Será preciso começar pela pergunta: Jesus fundou a Igreja, concretamente com a constituição com que hoje se apresenta? A resposta é inequívoca: "Não." De facto, por exemplo, na obra com o título em português A Igreja Católica ainda Tem Futuro? Em Defesa de Uma Nova Constituição para a Igreja Católica, na sequência de outras, o famoso exegeta Herbert Haag, da Universidade de Tubinga, com quem tive o privilégio de privar, renovou a tese segundo a qual é um dado seguro da nova investigação teológica e histórica que Jesus não fundou nem quis fundar uma Igreja (Jesus é o fundamento da Igreja, mas não o seu fundador, dizia o grande teólogo Karl Rahner) e, assim, muito menos pensou numa determinada constituição para ela. Também o Cardeal Walter Kasper, quando era professor da Universidade de Tubinga, perguntava nos exames aos estudantes se Jesus tinha fundado a Igreja, esperando uma resposta negativa.
Jesus não pregou a Igreja; anunciou o Reino de Deus. É bem conhecida a afirmação célebre de Alfred Loisy, em O Evangelho e a Igreja (1902), talvez a obra de teologia que mais polémica levantou no século XX: "Jesus anunciava o Reino e o que veio foi a Igreja."
Com a morte de Jesus na Cruz, o suplício próprio de escravos, os discípulos confusos fugiram, dispersaram-se, voltaram às suas tarefas normais, pois aparentemente tudo tinha terminado. Assim, o que é espantoso - o enigma do cristianismo, mesmo de um ponto de vista histórico, é precisamente esse - é que pouco tempo depois começaram a dizer que o tinham "visto", que Ele está vivo. Se tudo tivesse terminado na morte, o destino de Jesus teria sido o esquecimento. Os discípulos reuniram-se, pois, outra vez e formaram comunidades (ekklesiai) congregadas pela fé em que esse Jesus, o Messias de Deus, voltaria em breve para instaurar o Reino de Deus em plenitude. Portanto, também as primeiras comunidades cristãs viveram dessa profecia, dessa fé e dessa esperança da chegada iminente do Reino de Deus. Neste sentido, basta ler a Primeira Carta de São Paulo aos Tessalonicenses 4, 15-17: "Nós os que estamos vivos, quando vier o Senhor, não teremos preferência sobre os que morreram."

domingo, 10 de janeiro de 2021

Um mergulho no mar de Deus

Crónica de Bento Domingues
no PÚBLICO

O Cristianismo está confrontado com imensos desafios. Onde encontrar inspiração e energia para lhes fazer face?

1. É um prazer ler um texto político com a qualidade da Carta aberta, editada com o título: Convite aos cidadãos e líderes para um novo poder democrático europeu [1]. Espero que suscite um movimento de experiências, estudos e debates fecundos “para enfrentar os imensos desafios ecológicos, económicos, sociais, de saúde e de segurança que incumbem às nossas sociedades”. Desejo que este convite encontre um grande eco entre os cristãos, para que a Europa não ceda à tentação de levantar muralhas, mas de tecer pontes entre continentes. Sem a lucidez da ética da compaixão, a Europa perder-se-á na vontade de dominar e de excluir, tanto no interior de cada país, como na relação entre os membros da União e no acolhimento aos que fogem de guerras, da miséria e dos que procuram um futuro melhor para as suas famílias.
O grande teólogo protestante, W. Pannenberg, tocou, em 1994, num ponto que conserva, ainda hoje, toda a sua pertinência: a Europa não pode, sem mais nem menos, desembaraçar-se das suas origens cristãs, se pretende conservar o que é especificamente europeu na sua tradição cultural. Mas isso pressupõe que o Cristianismo não se apresente sectário, embora também não se possa dissolver na acomodação ao secularismo. Deve, antes, prosseguir no caminho de preservar, em si próprio, o melhor da herança da Antiguidade clássica – e assim a abertura à Razão –, mas também as verdadeiras conquistas da cultura moderna e contemporânea [2].

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

MULHERES NA BIBLIOTECA DOS PAPAS



Cardeal José Tolentino Mendonça assinala que «não é possível fazer a história da Biblioteca dos Papas sem iluminar o contributo das mulheres: mulheres escritoras, mulheres artistas, mulheres teólogas, mulheres protagonistas da vida da Igreja, mulheres mecenas, mulheres criadoras, mulheres de ciência e de cultura. E tudo é hoje assim. Basta pensar que mais da metade da comunidade de trabalho que faz funcionar a Biblioteca Apostólica do Vaticano é constituída por mulheres».

sábado, 18 de julho de 2020

Desconfinar a Igreja. 4

Crónica de Anselmo Borges 



1. Também se aplica à Igreja, e compreende-se que de modo particular à Igreja, tantas são as expectativas em relação a ela: dá-se eco, sobretudo nos média, ao que é negativo, aos erros, crimes, escândalos... Quem pode negar tudo isso? Mas o que a Igreja fez e faz de positivo é mais: promoção das pessoas, combates pela sua dignificação, infindáveis iniciativas de caridade e cultura... Também agora, nesta calamidade pandémica. Quantos políticos portugueses, se quiserem ser honestos, terão de estar de acordo com as palavras do alcaide de Madrid, José Luis Martínez Almeida: “A acção da Igreja foi fundamental, como o é na vida quotidiana.” 
Neste contexto, perdoe-se esta nota: quando a ecologia tem de ser um elemento essencial na viragem, o Vaticano dá o exemplo: instalou no edifício da Aula Paulo VI painéis solares, promove o uso de veículos eléctricos, eliminou o uso de pesticidas tóxicos nos jardins... 
Mas a dívida maior para com a Igreja, apesar da e no meio da sua história de miséria, é que através dela o Evangelho foi sendo anunciado, e o Evangelho está na base da tomada de consciência da dignidade inviolável da pessoa e foi fermento que levou à proclamação dos Direitos Humanos. 

sábado, 11 de julho de 2020

Desconfinar a Igreja. 3

Crónica de Anselmo Borges 



“Quando sairmos desta pandemia, não poderemos continuar a fazer o que fazíamos e como vínhamos a fazer. Não. Tudo será diferente.”

Papa Francisco 

1. A crise pandémica faz-nos tomar consciência de outras crises: crise económica, crise social, ecológica, crise moral... E, fala-se pouco dela, mas a crise mais profunda é a crise de Deus. Já Karl Rahner, um dos maiores teólogos do século XX, perguntava: O que aconteceria, se a simples palavra “Deus” deixasse de existir? E respondia: “A morte absoluta da palavra ‘Deus’, uma morte que eliminasse até o seu passado, seria o sinal, já não ouvido por ninguém, de que o Homem morreu.” Váklav Havel, o dramaturgo e político, pouco tempo antes de morrer, surpreendeu muitos ao declarar que “estamos a viver na primeira civilização global e também vivemos na primeira civilização ateia, numa civilização que perdeu a ligação com o infinito e a eternidade”, temendo, também por isso, que “caminhe para a catástrofe.” 
Citando G. Gusdorf, G. Minois conclui a sua História do ateísmo “com um quadro implacável e lúcido” da Humanidade do ano 2000: “Vive no Grande Interregno dos valores, condenada a uma travessia do deserto axiológico de que ninguém pode prever o fim.” Já nos finais do século XX, houve a tomada de consciência de “ao eclipsar-se, Deus levou consigo o sentido do mundo”. Continua: o futuro é imprevisível, porque o ateísmo e a fé enquanto compreensão global do mundo andaram sempre juntos. A ideia de Deus era um modo de apreender o universo na sua totalidade e dar-lhe, de forma teísta ou ateia, um sentido. Assim, a divisão hoje não está tanto entre crentes e descrentes como entre “aqueles que afirmam a possibilidade de pensar globalmente o mundo, de modo divino ou ateu, e os que se limitam a uma visão fragmentária em que predomina o aqui e agora, o imediato localizado. Se esta segunda atitude prevalecer, isso significa que a Humanidade abdica da sua procura de sentido.”

sábado, 27 de junho de 2020

Desconfinar a Igreja. 1

Crónica de Anselmo Borges 

Chegam-me vozes a cantar esperança no novo presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), José Ornelas, bispo de Setúbal. Eu próprio disse a Natália Faria, do Público, quando imediatamente a seguir à eleição me perguntou se a sua escolha constituía garantia de rejuvenescimento: “Neste momento em que, no meu entender, a Conferência Episcopal precisa de um novo impulso, ele será capaz de assegurar o rejuvenescimento necessário. Trata-se de uma figura destacada do ponto de vista intelectual, e, por outro lado, dedicado aos outros e à sociedade. E tem uma gigantesca experiência internacional.” Tendo vivido em Roma como superior-geral dos padres dehonianos, presentes em 38 países, conhece o que se passa também no Vaticano e, sobretudo, vive o espírito do Papa Francisco. Anima-o o desprendimento pessoal e uma “Igreja em saída”, em desconfinamento, no sentido do abandono de estruturas de poder medieval, como insiste Francisco. 
Quando se lê a sua primeira longa entrevista, ao jornal Público, as esperanças não são defraudadas. Pelo contrário. As suas declarações têm duas vertentes: uma ad intra, para dentro da própria Igreja; a outra ad extra, para fora, para a sociedade em geral, como voz político-moral. 
Declarações ad intra. 

domingo, 26 de abril de 2020

NÃO DEIXAR NINGUÉM PARA TRÁS

Crónica de Bento Domingues 
no PÚBLICO

«A nova prioridade vai ser a mais complicada. Será possível vencer a exuberância das manifestações recíprocas e espontâneas sem anestesiar a cordialidade?»

1. Certos acontecimentos pedem-nos disponibilidade para intervir e pensar o mundo de novo. Diz-se que os portugueses são repentinos perante desafios inesperados, mas pouco constantes em se manterem abertos aos problemas novos que acontecem na vida social, política, científica e cultural do nosso tempo.
Desconfio destas caracterizações algo aforísticas. Parece-me que os nossos decisores políticos, sem autoritarismo, foram acertando o passo para tentar um objectivo complexo sintetizado pelo primeiro-ministro: “A primeira prioridade foi conter a pandemia sem matar a economia. A nova prioridade que temos agora é a de reanimar a economia sem deixar descontrolar a pandemia. Há uma coisa que sabemos: não podemos morrer da cura.” [1]
A nova prioridade vai ser a mais complicada. Será possível vencer a exuberância das manifestações recíprocas e espontâneas sem anestesiar a cordialidade? Já teremos interiorizado que, à solta, continuamos a ser uma ameaça de contágio e de sermos contagiados, deitando a perder o que foi conseguido no isolamento?
Perante esse perigo não se pode obedecer apenas aos impulsos do sentimento e ao arbítrio individual. As orientações elaboradas, de forma convergente, pela DGS e pelas diversas instâncias dos poderes legítimos, devem merecer a nossa atenção. Dado que a liberdade de expressão, em Portugal, não está posta em causa, é sempre possível apontar o dedo aos abusos. Mas o mundo não se reduz a Portugal, à União Europeia, aos paraísos dos ricos, nem às ânsias das confissões religiosas – que têm manifestado um sentido exemplar da responsabilidade – em reabrir as suas portas.

domingo, 22 de dezembro de 2019

O Papa não pode fazer tudo sozinho

Crónica de Bento Domingues 
no PÚBLICO de hoje


«O que Bergoglio não faz, nem deve procurar fazer, é substituir-se às comunidades cristãs. É a elas que pertence garantir, por actos, palavras e iniciativas, a expressão fiel da presença actuante do Espírito de Cristo na complexidade do mundo contemporâneo.»

1. O Papa fez, no passado dia 17, 83 anos. Não precisa nada dos meus parabéns. Sou eu, como membro da Igreja Católica, que preciso de lhe exprimir, publicamente, o agradecimento por ele estar a realizar, na linha de João XXIII e do Vaticano II, uma viragem, espantosa a muitos títulos, no pontificado romano. Tão admirável que eu nunca supus chegar a ver antes de morrer.
Há quem diga que os seus desejos de reformas nunca se concretizam, em modificações reais, quanto à orientação e às práticas efectivas no governo da Igreja Católica. Não partilho nada essa opinião. Não é só pelas muitas medidas, como agora esta da abolição do abominável “segredo pontifício” a que o PÚBLICO deu o devido destaque [1]. A sua intervenção destina-se a criar condições que tornem irreversível o próprio processo de reformas e não se extinga com o seu pontificado.
O que Bergoglio não faz, nem deve procurar fazer, é substituir-se às comunidades cristãs. É a elas que pertence garantir, por actos, palavras e iniciativas, a expressão fiel da presença actuante do Espírito de Cristo na complexidade do mundo contemporâneo.
Não se pode deixar tudo para o Papa como se ele não tivesse, desde o começo, recusado continuar um regime de monarquia absoluta! Mas, quem está disposto a participar na mobilização multifacetada de voluntárias e voluntários preocupados com a revitalização das comunidades cristãs, sobretudo quando parecem ressequidas ou estéreis? Sem convocatórias locais, é difícil criar movimentos que suscitem uma nova cultura de serviço que substitua as muitas artes de dominação económica, política e religiosa, cujas redes são cada vez mais abrangentes.
Se existem cegos que não reconhecem as inovações de Bergoglio, também não faltam os indignados poderosos por ele já ter ido longe demais. A verdade é que abriu uma grande clareira, destapou o horizonte e abriu um caminho à liberdade criadora, tantas vezes impedida, mesmo num passado recente.

sábado, 14 de dezembro de 2019

Até onde irá o Papa Francisco?

Crónica de Natália Faria no PÚBLICO


Pôs a Igreja a discutir a homossexualidade, o aborto, o fim do celibato, a ordenação de mulheres, criticou o carreirismo eclesial, a “economia que mata”, forçou o clero a encarar os abusos sexuais. Ao fim de oito anos de pontificado, porém, o Papa Francisco não mexeu na doutrina da Igreja. Será agora?

Foi capa da Time e da Rolling Stone, alimentou quilómetros de notícias por, já na qualidade de Papa, se ter escapulido do Vaticano para comprar óculos e sapatos, por ter trocado a limusina por um carro utilitário, por ter renunciado ao luxuoso apartamento papal para residir com os funcionários da Santa Sé na Casa de Santa Marta. O argentino Jorge Mario Bergoglio é, quase oito anos depois de ter sido eleito Papa, um dos maiores ícones políticos da actualidade. E o mínimo que dele se pode dizer é que, mesmo que não consiga mudar o mundo, está seguramente a reinventar a Igreja Católica, implodindo o conservadorismo de milénios e chamando para a mesa discussões tidas como impossíveis, das excepções ao celibato à ordenação de mulheres, passando pelos divórcios e pela homossexualidade.
Quando, no dia 13 de Março de 2013, se anunciou ao mundo como a escolha dos 115 cardeais reunidos em conclave, ao fim de 26 horas e de cinco votações, nada do que se passaria a seguir se adivinhava. Mas os sinais do desprezo pelos velhos símbolos do poder eclesial estavam todos lá. Naquele início de noite frio e chuvoso, o jesuíta de 76 anos mostrou-se sorridente, afável, vindo do “fim do mundo”, despojado da costumeira parafernália papal, como recordam os jornalistas Joaquim Franco e António Marujo, no livro Papa Francisco – Uma Revolução Imparável. Em vez dos famosos sapatos vermelhos, uns velhos sapatos pretos. Desprezou o discurso em latim que lhe tinham preparado para a sua primeira missa e, em vez disso, proferiu uma homilia simples, directa, e em italiano. Logo depois do habemus papam, fizera questão de ir pessoalmente pagar a conta do albergue onde se hospedara nos dias anteriores. 

terça-feira, 29 de outubro de 2019

A Igreja move-se


"Para muitos, quiçá para uma maioria, a Igreja Católica, com os seus 1,2 milhões de fiéis, não se move ou quando o faz é com imensa lentidão. Mas a história já demonstrou por várias vezes que tal não é inteiramente verdade, e o Papa Francisco tem feito um esforço de atualização e adequação da Igreja aos tempos que vivemos. O Sínodo da Amazónia, que, entre 6 de outubro e este domingo, reuniu no Vaticano quase três centenas de participantes, é um acontecimento de grande relevância. Convocado por Francisco para debater a ecologia e a depredação que assola a Amazónia, e as dificuldades de evangelização numa das mais vastas áreas do planeta, os olhares da discussão acabaram por se centrar na questão da ordenação de casados. O tema causa divisões dentro da Igreja e a todos os níveis, entre os sectores mais conservadores e os mais progressistas, mas é hoje incontornável e é bom que haja capacidade de o colocar em cima da mesa, mesmo que as conclusões finais possam não vir a agradar aos mais reformistas."

Li no  EXPRESSO

sábado, 26 de outubro de 2019

Atavios e honrarias com cheiro a profano


"Roupagens da história, coladas ao corpo eclesial, nada consonantes com uma Igreja Serva e Pobre, Mãe e Mestra, cuja missão é testemunhar Jesus Cristo. Uma Igreja de irmãos, luz para todas as gentes, aberta ao diálogo salvador hoje e sempre. Os atavios profanos e as honrarias com cheiro profano só complicam, dificultam e dividem, dando da Igreja de Cristo uma imagem do que ela não é, nem pode querer ser."

António Marcelino

Publicado no "Correio do Vouga" e transcrito no meu blogue em outubro de 2009

NOTA: Fala-se muito, presentemente, de luxos, vaidades, residências e carros de luxo, ao lado de honrarias na Igreja que são uma ofensa à mensagem evangélica. Hoje, numa passagem pelo meu blogue, descobri esta denúncia de D. António Marcelino, com data de há 10 anos.  Afinal, pouco ou nada mudou. 

sexta-feira, 26 de julho de 2019

Georgino Rocha - Jesus ensina-nos a rezar



A resposta de Jesus abre novas dimensões ao pedido que o seu discípulo lhe faz para ensinar o grupo a rezar. São dimensões familiares que manifestam o ser de Deus, na sua relação connosco, que o fazem presente nas entranhas filiais de cada humano, que o definem e tornam reconhecido como a fonte de vida comum que gera “um nós” inconfundível e original. Constituem, por isso, a verdade que nos identifica e consolida na existência e a realidade performativa que nos impele a viver, cada vez mais, de acordo com a matriz do nosso ser humano.
O pedido do discípulo surge após a oração de Jesus. Lc 11, 1-13. Que haveria de especial, neste gesto de Jesus, para ele se sentir tão desejoso e impressionado? É certo que os mestres ensinavam os discípulos a rezar, transmitindo-lhes o resumo da mensagem que pretendiam difundir. Jesus praticava a oração, com normalidade, no decorrer do dia e das festas, sozinho e em família, com o grupo de acompanhantes, em lugares silenciosos, nos espaços públicos, na sinagoga, no templo. O grupo sabia-o e podia testemunhá-lo.
A novidade está, sem dúvida, na relação filial que manifesta ao dirigir-se a Deus como Abba, Papá querido, e consequentemente em “reconfigurar” o rosto de Deus no coração humano, em condensar o seu projecto de salvação em preces e atitudes vividas por ele e transmitidas aos discípulos, seus fiéis seguidores.
O desejo expresso pelo discípulo desvenda o melhor do ser humano: ser chamado a conhecer as suas capacidades e limitações, a ultrapassar-se a si mesmo – a sua vocação é Deus, a plenitude que Jesus nos revela -, a crescer na relação solidária, fruto da irmandade comum, a cuidar e apreciar tudo o que é humano como dom recebido a transmitir.