sexta-feira, 1 de junho de 2007

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 26

O MILAGRE DAS ROSAS
Caríssima/o:
Por vezes, fica-nos apenas um rosto; ou então, um nome; de outras, nem isso, apenas o perfil de uma rua. Não é o caso aqui: em Coimbra, há nomes, rostos, ruas e até pedras que não mais esqueci... Quereis ver? A rua onde vivi os dois anos durante os quais fiz o meu curso, no Magistério, chama-se (ainda hoje) Couraça dos Apóstolos. Perto da Porta Férrea, da Cabra, do Museu Machado de Castro e também do Museu de História Natural; um pouco acima ficava uma República. As sés, a Velha e a Nova, a dois passos. E podíamos ir descendo ou para o Jardim Botânico, ou para Santa Cruz, ou para o Penedo da Saudade. Quem viveu em Coimbra não terá dificuldade em reviver esses caminhos e tantos outros onde gastámos as solas dos nossos sapatos; os que não tiveram essa sorte, até perguntarão pelo Choupal, Santa Clara, ... A cidade ainda é dos «doutores», principalmente, em tempo de «queima»... Mas em Coimbra encontra-se, em cada esquina, a figura da Rainha Santa que une os corações nas Festas da Cidade que têm o seu dia grande a 4 de Julho.
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«Correndo Janeiro, reconstruía-se o mosteiro de Santa Clara à conta da rainha D. Isabel de Aragão. Para além de custear as despesas, ela também obviava situações desgraçadas entre as famílias dos operários e dos que moravam naquela margem do Mondego. Rio manso, o Mondego, entrando o inverno, destruía quanto havia nas suas margens. Só conventos foram três ou quatro. Porém, a generosidade da rainha não era do agrado de alguns cortesãos de D. Dinis. A corte de Coimbra ficava cara e aquelas dádivas repercutiam-se no erário régio. Assim, nesse mesmo mês, um fidalgo dirigiu-se ao rei-poeta e começou com rodeios, tencionando dizer-lhe algo. O rei sacudiu-o para que falasse e ele pôs a situação em pratos limpos: a rainha gastava acima das possibilidades, pelo que importava que D. Dinis tomasse uma atitude. Enfurecido, D. Dinis mandou sair o seu cortesão e pensou no que fazer. Porém, antes do mais, reconheceu-lhe razão. Assim, passados dias, apercebendo-se que D. Isabel saíra do palácio, foi ao seu encontro. A esposa de D. Dinis ia acompanhada das suas damas e cavaleiros. Quanto tinha para distribuir o levava embrulhado no seu manto, preso ao regaço. Quando a rainha viu o marido, empalideceu e todo o seu séquito se retraiu, pois conheciam-lhe as cóleras. O que se passou naquele instante podemos ir sabê-lo em verso recorrendo a um testemunho real, eis os versos de Afonso Lopes Vieira: - Que levais aí, Senhora, Nesse regaço tamanho? - Eu levo cravos e rosas Que outras coisas não tenho! - Nem sequer há maravilhas, Menos cravos em Janeiro, Ou serão esmolas isso? Ou isso será dinheiro? A rainha não falou Só o regaço abriu E eram cravos e rosas Que dinheiro não se viu.

E o romance acaba assim:
A nossa Rainha Santa Outros milagres obrou: A uma cega deu vista, E outra, muda, falou. Outra que não tinha leite O seu filho aleitou. E com tamanhos milagres Santa bem santa ficou.» [Viale Moutinho, 79]
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Ainda hoje, mesmo longe de Coimbra, perdura o encantamento desta Rainha! Manuel
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NOTA: Aqui fica o TECENDO A VIDA... por dificuldades de encontrar Net disponível no domingo.

Dia da Criança – 1 de Junho


O MELHOR DO MUNDO
SÃO AS CRIANÇAS


O melhor do mundo são as crianças. Diz Fernando Pessoa e tem razão...


Quem não vê, nos seus olhos, o espelho do céu?
Quem não vê, nos seus sorrisos, a alegria de Deus?
Quem não vê, nas suas ingenuidades, a pureza do mundo?
Quem não vê, nas suas ternuras, o amor universal?
Quem não vê, nos seus silêncios, a paz entre os homens?
Quem não vê, nos seus cantares, a arte pura?
Quem não vê, nas suas tagarelices, a beleza da descoberta?
Quem não vê, nas suas correrias, a ânsia de sonhar?
Quem não vê, nas suas tristezas, a tristeza de tantos?
Quem não vê, nas suas felicidades, a felicidade que podemos dar?

Fernando Martins




NESTE DIA NÃO PODEMOS IGNORAR



Neste dia, e sempre, não podemos, no entanto, ignorar o sofrimento atroz de tantas crianças no mundo. Neste mundo com tantas coisas boas, mas também com tantas coisas más.
Se é verdade que o melhor do mundo são as crianças, como podemos olhar com indiferença tanta maldade que se exerce sobre elas? Tarados sexuais que as violam ou delas abusam sexualmente, sistematicamente; tarados que as exploram em acções ignóbeis de pornografia; tarados que as raptam aos seus familiares para alimentarem crimes hediondos praticados por redes pedófilas.
O mundo está cheio de crimes desses, que ultrapassam o pensar de gente de bem, gente que tem dificuldades em admitir que há no mundo pessoas tão perversas. Mas há.
Como a comunicação social no último mês tem divulgado profusamente, a propósito do caso da menina inglesa Madeleine, raptada no Algarve, há um sem-número de crianças em todo o mundo vítimas desses criminosos, que a Justiça não tem conseguido prender.
Este drama, que abalou o mundo civilizado, mereceu já do Papa uma atenção especial, ao receber, por curtos momentos, os pais daquela criança, símbolo de todas as outras, menos faladas, que foram apanhadas pelas garras diabólicas de criminosos à solta.
Importa, antes do mais, estar atentos, vigiando as crianças que nos estão próximas, para se evitarem situações terrivelmente dolorosas vividas por tantas famílias e amigos.
Mas a infelicidade das crianças não está somente nas que são raptadas. Está também nas que são violadas nas próprias famílias, por amigos e conhecidos, por vizinhos e desconhecidos. Ainda está nas que são escravizadas no mundo do trabalho, obrigadas a desempenharem tarefas próprias de adultos e sem tempo para serem meninos e meninas felizes, nas escolas e nas suas brincadeiras, nos parques infantis e na natureza, na família e nos ambientes especiais para as suas idades.
Que neste dia, Dia da Criança, todos saibamos olhar, com outros olhos, as crianças felizes e as crianças infelizes. Para contemplarmos as primeiras e ajudarmos as segundas. São os meus votos.

Fernando Martins

Sé de Aveiro vai entrar em obras



TRABALHOS ARRANCAM EM SETEMBRO


Quem frequenta a Sé de Aveiro sabe que as obras de restauro e conservação estão a tornar-se urgentes. O tempo não deixa de agir e quanto mais se demorar pior será.
Pela comunicação social já se sabe que os trabalhos vão iniciar-se em Setembro, incidindo no exterior do imóvel, que vem do século XV. A autarquia aveirense aprovou o projecto desta primeira fase, que importará em cerca de 300 mil euros. A segunda fase, que envolve trabalhos ao nível da azulejaria, pedra e talha dourada, fica adiada para depois.
Para a primeira fase, espera-se a comparticipação do Programa Operacional de Cultura, pelo que vai avançar-se com a respectiva candidatura. Para a segunda fase, conta-se com o apoio do Ippar (Instituto Português do Património Arquitectónico).
Como é compreensível, a paróquia da Glória, responsável pela Sé de Aveiro, espera a cooperação de todos os aveirenses e de quantos, mesmo não sendo de Aveiro (cidade), sentem a Sé como sua também, ou não estivesse nela a cátedra do Bispo diocesano.
Templo originário do século XV, em 1835 passou a ser a igreja matriz da paróquia da Glória. Com a restauração da Diocese de Aveiro, em 1938, o Papa elevou-a a Catedral da Diocese, sendo Bispo D. João Evangelista de Lima Vidal
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Plano Nacional de Leitura

TODOS PRECISAMOS
DE LER MAIS
O Plano Nacional de Leitura (PNL) completou ontem um ano. Liderado pela escritora e professora Isabel Alçada, conseguiu pôr um milhão de crianças a ler diariamente nas salas de aula, desde o ensino pré-escolar ao 2º ciclo. O projecto vai continuar, porque os jovens de outros graus de ensino também precisam de ser iniciados no gosto pela leitura. Jovens e menos jovens, porque todos precisamos de ler mais. É óbvio que nada disto seria nem será possível sem o contributo dos professores e da sociedade civil em geral, mas também sem o apoio das autarquias e demais instituições vocacionadas para a cultura. Penso que Isabel Alçada podia e devia descobrir animadores para todas as acções do PNL, devidamente credenciados. Animadores que, fundamentalmente, tivesses o prazer da leitura. Não acredito que alguém, sem hábitos de leitura, possa entusiasmar as nossas crianças e jovens pelo amor aos livros, pelo amor aos ensinos que os livros proporcionam. É um absurdo responsabilizar professores, por exemplo, para estas tarefas, se eles próprios não tiverem o costume de ler com regularidade. O PNL pretende colocar os níveis de literacia da população portuguesa a par da média europeia. Não será tarefa fácil, já que os portugueses são dos que menos lêem na UE. Mas não será impossível, se para tanto todos apostarmos em sensibilizar quantos nos rodeiam para o amor aos livros e à leitura.

MISSÕES

Almoço pelas Missões em Aveiro
A ORBIS, entidade de voluntariado missionário da diocese de Aveiro, promoveu no um almoço de confraternização e angariação de fundos. Mais de 250 pessoas estiveram na Quinta das Azenhas do Boco, em Vagos, e as receitas recolhidas reverterão para os projectos da organização. A associação vai lançar brevemente o seu website, através do qual será possível conhecer mais sobre a ORBIS - www.orbiscooperation.org Esta é uma Associação de vocação eminentemente humanitária para a Cooperação e o Desenvolvimento, que surge do crescimento do voluntariado missionário dinamizado pelo Secretariado Diocesano de Animação Missionária, na Diocese de Aveiro. A sua missão é realizada através dos seus membros e dos projectos que promove com competência junto das populações dos denominados países menos desenvolvidos, em especial, mas não em exclusividade, os países de expressão portuguesa. Fonte: Ecclesia

Um artigo de D. António Marcelino

ESTADO A MAIS
OU ESTADO A MENOS?
A ninguém, se anda com os pés no chão e está atento ao que se passa à sua volta, lhe passa despercebida a dificuldade de se exercer hoje a autoridade, em qualquer domínio da vida. Na família, na escola, na Igreja, na rua, no quartel, na autarquia, nos diversos órgãos do Estado de direito, o problema é sempre o mesmo: ânsia de liberdade sem limites, dificuldade em aceitar a mínima advertência, disputa em que cada um se afirma mais do que o outro, jogo de influências para conseguir o que se pretende, campanhas a perturbar os horizontes da sensatez, reacção imediata a quem quer que mande… Há, porém, sectores de autoridade mais decisivos nas relações sociais e maior influência nos comportamentos, nos ambientes em que se vive e na procura de melhor solução para os males de que todos se vão queixando. Não se pode negar que o modo como o Estado exerce a autoridade é importante para que, na vida em sociedade, as coisas se passem de modo positivo e construtivo. É pacífico julgar-se que o modo de agir público dos que fazem as leis, governam e julgam, constitua escola dos cidadãos. No espírito de gente responsável, ante problemas públicos que se avolumam com gravidade, basta abrir o jornal para o ver, surge a interrogação, pertinente e insistente, se temos, em Portugal, Estado a mais ou Estado a menos. Também partilho desta preocupação. Por isso mesmo, não me esquivo a opinar. No meu entender é ainda mais grave verificar que, em alguns aspectos da vida nacional, temos Estado a mais, e noutros, visivelmente, Estado a menos. A tentação clara de um poder centralizador, omnisciente e omnipotente, de pendor providencialista, que não admite críticas nem opiniões contrárias, nem dá razão do que faz e, por motivos próprios ou por pressões alheias, se fecha, para solucionar sozinho problemas em campo, calando ou ignorando possibilidades democráticas, existentes e legítimas, é uma manifestação evidente de Estado a mais.. Ora, esta atitude de sobranceria sente-se tanto no poder legislativo, como no executivo. Os males do judicial, que também não são poucos, andam por outros caminhos. Parece necessário a quem exerce o poder, dispor-se a frequentar um curso de ética social e política. Assim terá sempre no horizonte das suas acções e decisões, o bem comum com as suas exigências, como objectivo fundamental. Este bem não é a soma dos bens individuais e, muito menos, o atrelar de todos os cidadãos às soluções pensadas e decididas só para alguns. Reconhecer e garantir os direitos individuais, um dever do poder legislativo, não pode ter como caminho a subversão de instituições que constituem o tecido consistente de uma coesão social necessária. De modo mais claro: leis sobre o reconhecimento e protecção legal de opções homossexuais não é aceitável fazerem-se à custa da desvalorização e da destruição da família natural; protecção às mães que não querem nascidos os filhos que geraram, não é admissível que se faça em total ruptura com o direito à vida de um ser humano indefeso e já gerado; proporcionar educação pré-escolar gratuita a todas as crianças do país, um dever do Estado, não se admite que se marginalizem instituições particulares existentes ou negando-lhe o direito de serem consideradas ensino público gratuito, enriquecedor do sistema educativo. Os exemplos podem multiplicar-se. Haja clarividência no dever de servir a todos, sem ignorar, nem marginalizar a maior parte. As famílias normais, a maioria no nosso país, são agredidas e prejudicadas na sua missão e estabilidade, com resultados negativos à vista, por leis que já existem e por falta de outras que as respeitem. Estado a mais ou a menos é sempre carência de Estado. Não responde ao dever de servir, empobrece a comunidade, dá mau exemplo no exercício da autoridade, divide em vez de unir, torna-se obsessivo, em vez de reflexivo. Bom para alguns, mas mau para todos.

quarta-feira, 30 de maio de 2007

Os insubstituíveis

SABER SAIR A TEMPO
O espectáculo dado pelo BCP, com o fundador, Jardim Gonçalves, a querer dominar as situações mais importantes, inclusive a nomeação do Conselho de Administração, em detrimento da Assembleia-geral de Accionistas, veio mostrar à saciedade que há pessoas agarradas ao poder. O mundo está cheio de gente que não consegue sair pela porta grande, dando lugar aos mais novos ou a defensores de outras estratégias, quiçá mais modernas e mais adequadas aos tempos actuais. Falo deste caso, por ser paradigmático. Jardim Gonçalves foi, de facto, um banqueiro de visão, como sublinham os especialistas na matéria. Criou o maior banco privado português, mas não foi capaz de sair na hora certa, porque, pelos vistos, não sabe viver desligado do poder. Ora isto acontece noutras frentes: na política, na solidariedade social, na comunicação social, no desporto, nas empresas e na religião, entre muitas outras. Olhando à volta, vejo pessoas que foram extraordinárias em várias frentes ou naquelas em que mais se envolveram, mas incapazes de compreender que o seu tempo já passou. Estão convencidas que sem elas é o caos, o fim das instituições que lideraram muitos anos. Pensam que não há quem possa ocupar os seus lugares. Sentem-se senhoras e donas do que puseram de pé ou ajudaram a erguer. Caem em angústias só de pensar que os seus lugares possam vir a ser ocupados por outros. Não têm humildade suficiente para deixar o barco que timonaram anos e anos, retirando-se para o merecido descanso. Acham que têm o direito e a obrigação de trabalhar até morrer, sem perceberem que podem estar a prejudicar a própria comunidade. Se dúvidas tiverem, olhem, por favor, para o lado. Há pessoas destas por toda a parte.
Fernando Martins

Ares da Primavera



O VENTO IMPÕE A SUA LEI
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Se dúvidas houvesse, aqui está a prova de que o vento impõe as suas leis. Na Figueira da Foz, no Parque das Abadias, há árvores que vão indicando a quem passa os ventos dominantes na região. O mar, aqui ao lado, também ajuda, quer seja Verão ou Primavera. Mas também há, de vez em quando, tempos de calmarias. Hoje, para não variar, de há meses a esta parte, temos uma chuva miudinha, a quem muitos chamam de "molha tolos".

Um artigo de António Rego

AUSCHWITZ CONSENTIDO
Temos direito a perguntar-nos se a justiça e a paz são acontecimentos com défice ou com excesso de informação. As imagens de violência despertam-nos para a urgência da paz ou dela nos desinteressam pela insensibilidade que geram face à exposição excessiva dos dramas humanos? E como lemos, para além da náusea ou do apego ao espectáculo, a relação da justiça com a paz, do desenvolvimento com a harmonização das diferenças, da pobreza com a destruição, do terror com as situações opressivas próximas ou longínquas de países, culturas, religiões, impérios de tirania, riquezas usurpadas aos mais fracos, esquecimentos geradores de revoltas, tensões próximas da explosão por excesso de silêncio e cumplicidade dos mais capazes de fazer funcionar uma justiça para todos? Não nos esqueçamos que o mundo já foi muito pior do que é hoje. Há passos gigantes já andados no debelar de enfermidades e carências extremas em tantos recantos da terra. Há sinais de pobrezas vencidas, com caminhos fraternos de desenvolvimento. Mesmo com o desequilíbrio do mapa Norte-Sul - um escândalo cuja vergonha deve ser repartida por todos - não podemos dispensar a justiça no julgamento do que já foi feito por uma melhor repartição de todos os bens essenciais a cada povo e a cada indivíduo. Mas a verdade é que o conforto de alguns – poucos - na casa comum que é a Terra, gera desleixos no olhar e no agir, no sentir e no lutar por uma repartição mais justa dos bens. Não se trata duma questão secundária do nosso tempo, nem duma fatalidade entregue às leis cegas do mercado. Não se trata duma questão de consciências mais sensíveis ou marcadas por escrúpulos religiosos. As manchas de pobreza e miséria, de esmagamento e humilhação de povos, culturas e religiões, são um Auschwitz consentido pelo mundo moderno teoricamente sensível a valores e direitos humanos, mas confuso na sua análise e tíbio na sua aplicação. Estamos perante uma questão de cidadania, pertença da humanidade, responsabilidade de todos e cada um, questão central na consciência do mundo de hoje. A cada um é colocada a dramática pergunta: “quantos pães tendes?” Neste terreno se moveu a Conferência da Comissão Nacional Justiça e Paz. E mais de uma dezena de organismos que reflecte estas questões com carácter de urgência do nosso tempo. O problema é fazer chegar esta sensibilidade a quem de direito. Ou seja a todos nós. E a cada um.

Um artigo de Alexandre Cruz

Aliança das Civilizações
1. Alianças, pontes estratégicas para encontros comuns, parcerias que fortaleçam os laços de unidade, são dinamismos sempre bem vindos pois correspondem ao essencial da nossa comum dignidade humana: nascemos para viver juntos, mas muito mais que isso, para ser felizes uns com os outros. Precederam-nos séculos de buscas e procuras tantas vezes intolerantes, em que os muros levantados espelhavam a não aceitação das diferenças de pensamento e acção (ainda que muitas destas culturalmente saudáveis na base da dignidade humana); chamaram-se muitos nomes “em vão” acentuando-se mais os pormenores das diferenças que a unidade do essencial, o que representou factor gerador de “choques” demonstrativos da incapacidade de coexistir com o outro. O tempo que vivemos (e sempre que a velocidade comunicacional agitou a vida para novos mundos tal se verificou), será a época da nova síntese construída pelos líderes que, acolhendo a autêntica liberdade (responsável), sabem integrar a pluralidade de forma criativa. Só haverá “aliança” na reciprocidade de projectos e compromissos; e só com sensibilidade e bom senso a reciprocidade ajudará uns e outros a tornarem relativos os pormenores e darem importância ao que merece esse patamar. Felizmente vamo-nos abrindo à totalidade, pelo menos no campo das ideias, e reconhecendo que falar de identidade não é dizer um igualitarismo clonado mas que no nosso próprio ser inscreve-se uma “identidade como diferença”. No fundo, todos neste mundo somos filhos da pluralidade, a noção de diferença construiu-nos, até nas grandes mensagens existenciais históricas; porque é que por vezes preferimos o “choque” à “aliança”? 2. Na percepção feliz do eixo determinante da aproximação dos povos em globalização, o então secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, lançou (em 14.07.2005) a “Aliança das Civilizações”. Este lançamento sublinha que na nossa condição humana de pessoas as grandes questões da humanidade não se resolvem à pressa, on-line, ou tecnologicamente longe do “outro”; um novo entendimento, a partir das próprias feridas que atravessam os povos, quererá reinterpretar o nosso tempo. Na base da interdependência entre todas as nações neste mundo global, a Aliança das Civilizações apresenta-se, na sua origem, como plataforma quererá combater os preconceitos e incompreensões entre as culturas, nomeadamente islâmicas e ocidentais. Sublinhava-se na altura, segundo o porta-voz de Kofin Annan, Stephane Dujarric, que «os acontecimentos deste últimos anos acentuaram a impressão de um fosso crescente e de uma falta de compreensão entre as sociedades islâmicas e ocidentais, um ambiente que foi explorado e exacerbado por extremistas em todas estas sociedades». Neste contexto, afirma o comunicado fundacional, «a Aliança das Civilizações entende-se como uma coligação contra estas forças, como um movimento para promover o respeito mútuo pelas crenças e tradições religiosas e como uma reafirmação da interdependência crescente da humanidade em todos os domínios.» 3. Tendo sido o processo desta aliança iniciado pela Espanha e pela Turquia em 2004, ideia depois acolhida e integrada nas Nações Unidas (que a criaram em 2006), será de realçar que presentemente é um cidadão português que preside a este Alto Comissariado. Nomeado a 26 de Abril de 2007, Jorge Sampaio considera que as suas primeiras linhas de acção vão passar por dar «especial atenção à clivagem entre as sociedades ditas ocidentais e muçulmanas, bem como no seio das sociedades ocidentais ao aumento da intolerância, da xenofobia e do extremismo.» É inegável e incontornável que a construção da paz mundial, da liberdade como desenvolvimento humano e do próprio salvamento ecológico do planeta, exigirão o máximo esforço de se conjugar em aliança todas as sinergias positivas e estimulantes. Este também poderá ser um modo de diluir os riscos sempre dramáticos do pensamento extremista. Se as comunicações globais de hoje colocam-nos à mesa uns com os outros todos os dias, será essencial que esse encontro se revista sempre mais de espírito de aliança em cooperação parceira. É tarefa que é missão real (que quererá mesmo iluminar de sentido a comunidade virtual); é missão pessoal e global que exigirá de cada cidadão a entrega diária no aliar o rigor dedicado à sensibilidade para com cada outro… Só nesta vi(d)a aberta e plural haverá futuro com futuro!... (Toda a cega intolerância uniformista, venha de que fonte vier, é regresso ao pior do passado.) Assim seja tão fácil construir pontes de entendimento humano entre os povos como erguer pontes de betão!...

segunda-feira, 28 de maio de 2007

Ausente, mas sempre presente

Problemas técnicos, desde ontem e até não sei quando, im-pedem-me de estar, com alguma regularidade, com os meus amigos. Também vou estar ausente, por uns dias, para férias. Mas aqui voltarei, sempre que puder, se para tanto encontrar, por aí, uma porta aberta. Não será difícil, pois o mundo, agora, cabe todo numa palma da mão...

domingo, 27 de maio de 2007

Ares da Primavera



ONDE PARAM
AS SALINEIRAS DE AVEIRO?
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Quando passo pelas Pontes, em Aveiro, não deixo de apreciar as quatro estátuas que a autarquia ali pôs, uma a cada canto. Para os aveirenses verem, e recordarem, e para os visitantes ficarem com uma ideia, mesmo pálida, do que foram as gentes que trabalharam na Ria e nas salinas. Que me perdoem os artistas, mas eu acho que as estátuas poderiam ser um pouco maiores. Assim, dá a impressão que os aveirenses são de "roda baixa", como se dizia na minha meninice, quando afinal são gente possante e a puxar para o alto. Que o digam os que se lembram dos nossos remadores do Galitos, que há décadas andaram pelas Olimpíadas, mostrando como se rema.
Hoje e aqui fica a salineira, com a sua canastra a tiracolo, bem à moda de levar o sal da eira da marinha para os barcos saleiros e destes para os armazéns. Da marinha para as eiras, onde iam construindo, canastra a canastra, os célebres montes, que emprestavam à ria um colorido raro, essa tarefa era de homens, possantes, sofredores.
As salineiras, essas desapareceram praticamente do mapa de Aveiro e sua região. Para que não caiam no esquecimento, aqui fica um pouco da nossa memória aveirense.

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 25




O MOINHO
DOS TRASGOS
E A MOURA


Caríssima/o:

Gostaria de aproveitar para saudar todos os Parentes que tiveram suas raízes em Vimioso e, para nós, em Argoselo, hoje Vila. De lá vieram os Ataíde Fernandes; com vice-reis da Índia ou sem eles, a nossa geração aí está também ela pelos quatro cantos do Mundo (olá Artur!) e outros pela Gafanha (Viva Óscar! Como estás Humberto!), ainda alguns por terras de Bragança (Ei, Domingos!) não contando os que já vivem no Reino (Cravo da Rocha, estamos contigo!), isto sem esquecer a todos os outros que a todos envio o meu trasgo.

«O Moinho dos Trasgos fica no sítio do Caniço, na margem esquerda do ribeiro de Riaduros, afluente do Carvalhal. Bem, o que lá está são apenas ruínas. Não se demorem lá muito porque também o moleiro que o trabalhava o abandonou. É que, certa noite, quando ele assava um bocado de carne, um trasgo juntou-se-lhe para assar uma espetada de lagartixas. E não é que o trasgo queria pingar a gordura exactamente no pão em que o moleiro aparava o bocado de carne?!! O moleiro conseguiu que o trasgo se fosse embora, mas verdade é que ele deixou de trabalhar ali e ninguém se apresentou para tomar conta do moinho. Ah, mas esquecia de dizer o que são trasgos! Pois, ainda que o dicionário da Academia os não inclua, trasgos, conforme a crença popular, são espíritos irrequietos, muito movimentados, que pregam sustos mas não incomodam muito...

Agora vá o leitor a Algoso e lá que o levem à Fonte de S. João. Escolha a véspera do dia de S. João, ponha-se à coca. Sabe o que verá? Pois o mesmo que um rapaz dessa aldeia, que se apaixonou pela lenda. Pois à meia-noite, lá no abrigo em que se encontrava, viu uma enorme serpente que se dirigiu para a fonte. O ar estava que nem num sonho, vindo belos aromas de um roseiral ali perto. Pois a serpe mergulhou três vezes nas águas e transformou-se numa linda moura de cabelos dourados. Saltando para o chão de terra batida, a menina sentou-se na borda da fonte a cantar e a pentear-se. Apareceu então uma corça, procedente de uma mata próxima. A moura fez-lhe festas e o animal lambeu-lhe as babuchas. A moura depois inclinou-se para a fonte e chorou copiosamente. Então, o leitor, tal como o rapaz da lenda, ficará de boca aberta e fará um movimento qualquer, no qual se quebrará um ramo seco e o encanto, baixando uma névoa sobre a Fonte de S. João. Gostaram da perspectiva?
Bem, falta o leitor saber o porquê da ida à fonte. É que no tempo em que ainda havia mouros por Trás-os-Montes, na aldeia de Algoso, havia um mouro que tinha costela de bruxo. Sabia o passado e o futuro de toda a gente menos do seu próprio. De toda a parte iam lá consultá-lo. E de todas as classes. E assim foi juntando o seu tesouro.
Um dia, correu a notícia de que tropas cristãs se aproximavam de Algoso. O homem, que já ia entrado na idade, pegou no baú das suas jóias e andou em busca de sítio para o esconder. E andou, andou, andou, até chegar à Fonte de S. João de Algoso. Verificou que ninguém o estava a espiar e, logo por baixo da fonte, afastando os ramos de um chorão, aí meteu o seu tesouro. Mas quando acabou de o esconder, ergueu os olhos e deu com uma menina moura e julgou que ela o observava. Teria, na verdade, visto onde ele escondera o tesouro?
Pelo sim e pelo não, com um gesto mágico e uma oração secreta, lá fez desaparecer a moura. Pode ser que o leitor a conheça quando lá for...»

[Viale Moutinho, pg. 304]

A moura terá desaparecido, mas será que o tesouro ainda lá está ou minha Avó o trouxe para a Gafanha?

Manuel

Um artigo de Anselmo Borges, no DN


BABEL E PENTECOSTES:
A FAVOR DE UM MUNDO MESTIÇO




No Génesis, primeiro livro da Bíblia, narra-se o mito de Babel. Os homens disseram: "Vamos construir uma cidade e uma torre, cujo cimo atinja os céus. Assim havemos de tornar-nos famosos para evitar que nos dispersemos por toda a superfície da Terra." O Senhor, porém, disse: "Vamos descer e confundir de tal modo a linguagem deles que não consigam compreender-se uns aos outros." E o Senhor dispersou-os por toda a superfície da Terra.
Babel deriva do verbo balal, que significa "misturar", "confundir", e, por assonância, remete para Babilónia.
É um mito de uma actualidade dramática. Note-se que em capítulos anteriores do Génesis se fala do plano de Deus que quer que a humanidade cresça e se multiplique em "povos que se dispersaram por países e línguas, por famílias e nações". Assim, o que está em causa não é a dispersão pela Terra nem a variedade das línguas. O mito da Torre de Babel põe a nu e denuncia o imperialismo dominador de um povo sobre todos os outros, na incapacidade do descentramento de si para colocar-se no lugar do outro e, no respeito pela alteridade insuprimível, entrar em diálogo.
Ironia das ironias, o mito alude à Babilónia, no actual Iraque, onde um novo imperialismo quer impor um desígnio de dominação.
Noutro livro da Bíblia, Actos dos Apóstolos, narra-se, em contraponto, a descida do Espírito Santo, no dia do Pentecostes. "De repente, ressoou, vindo do céu, um som comparável ao de forte rajada de vento, que encheu toda a casa. Viram então aparecer umas línguas, à maneira de fogo, que se iam dividindo, e poisou uma sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar outras línguas, conforme o Espírito lhes inspirava que se exprimissem."
Ao ouvir o ruído, a multidão acorreu e todos ficaram estupefactos, "pois cada um os ouvia falar na sua própria língua". Atónitos e maravilhados, diziam: "Esses que estão a falar não são todos galileus? Que se passa então, para que cada um de nós os oiça falar na nossa língua materna? Partos, medos, elamitas, habitantes da Mesopotâmia, da Judeia e da Capadócia, do Ponto e da Ásia, da Frígia e da Panfília, do Egipto e das regiões da Líbia cirenaica, colonos de Roma, judeus e prosélitos, cretenses e árabes ouvimo-los anunciar, nas nossas línguas, as maravilhas de Deus!"
No Pentecostes, restabelece-se a unidade desfeita com Babel. Trata-se, porém, da unidade na diferença e da diferença na unidade. A arrogância imperial de Babel anula a diferença. O amor do Pentecostes une diferenças, sem uniformizar.
Na actual situação do mundo globalizado, mas em que a globalização tem sido sobretudo tecnológica e económico-financeira no quadro do neoliberalismo, é urgência maior pensar uma governança mundial, para que o império da força da lei ponha limites ao império da lei da força do mais forte, e, neste contexto, pensar também o multiculturalismo no horizonte da mestiçagem.
Afinal, todos somos mestiços. Se não há raças puras - algures houve cruzamentos -, a mestiçagem torna-se inegável, sobretudo no campo de uma sociedade nómada multicultural, de tal modo que a questão é a da identidade no quadro de pertenças múltiplas. Como salvaguardar, no contexto de identidades inevitavelmente compósitas, o equilíbrio tensional entre a universalidade e a singularidade, sem rupturas nem esquizofrenias, sem rigidez nem fixismo, sem trair as origens nem enregelar nelas?
Como escreveu João Maria André, a mestiçagem "não se pode confundir com qualquer tipo de hibridismo amorfo, sincretismo difuso ou relativismo total." Ela não é "mera justaposição de formas e figuras diferentes" nem "um labirinto axiológico" ou "mescla pura e simples de expressões culturais de diversas origens e proveniências". Mestiço é "um tecido, o que supõe criação, assimilação, elaboração a partir de fios ou materiais diferentes", mas um tecido nunca "plenamente conseguido", pois "está sempre em movimento".
A cultura da paz supõe a sinfonia das nações em contraponto, aberta à Transcendência e, assim, sempre incompleta.

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Picasso - Um génio

Picasso, um dos maiores génios da pintura universal, nasceu neste 1881, em Málaga, Espanha. Faleceu em 1973. Foi um génio. O quadro, foto do...