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domingo, 14 de junho de 2020

Desconfinados e desmascarados. 2

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias

Na crónica anterior, tentei reflectir sobre o desconfinamento. A crónica de hoje, que não põe de modo nenhum em causa a importância do uso da máscara no contexto da pandemia, tenta ser uma breve reflexão sobre outras máscaras e a necessidade do desmascaramento, outro desmascaramento. Não se dedica a um estudo aprofundado sobre a história e a riqueza cultural da máscara, desde as máscaras das divindades e dos guerreiros, passando pelo teatro, até aos bailes de máscaras e aos carnavais. Aqui, é aquela máscara que colocamos, umas vezes inconscientemente outras conscientemente, para parecermos o que realmente não somos, enganarmos os outros e enganarmo-nos a nós próprios. Temos medo e vergonha de nós, do que verdadeiramente somos? O desmascaramento é particularmente urgente numa sociedade como a nossa: sociedade do parecer, da pós-verdade, do espectáculo e, por isso, da mentira e da ilusão.
Quem esperava esta pandemia? Um vírus invisível chegou e invadiu o planeta e atingiu a Humanidade inteira. E foi preciso fazer uma pausa, e tudo o que parecia inadiável ficou parado, para depois, para quando for possível. Afinal, quais são as prioridades? Foi e é preciso colocar uma máscara, porque a covid-19 nos desmascarou quanto à nossa pretensa omnipotência. Afinal, não somos omnipotentes nem imortais. Fomos desmascarados. Como disse o filósofo Nicolas Grimaldi, "trata-se de um acontecimento natural como pode sê-lo um tremor de terra. Isso teria interessado a Pascal: como é que um infinitamente pequeno como um vírus pode produzir efeitos tão imensos? A Humanidade toma consciência da sua universalidade ao tomar consciência da sua mortalidade, da sua precariedade, em toda a parte no mundo, no mesmo momento. De repente, é-nos lembrado: é igual em toda a parte, porque vamos morrer." E fomos obrigados, inevitavelmente, a pensar. Porque é a morte, o impensável, que obriga a pensar no essencial: o que é morrer?, o que é estar morto?, para onde vão os mortos?, "onde estarei quando deixar de existir?" (Tolstoi), "que morto serei para os que me sobreviverem?" (Paul Ricoeur), o que é existir autenticamente, porque é que há algo e não nada?, para quê tudo?, qual é o sentido último da minha vida?, o que sou?, quem sou?, o que é que quero verdadeiramente ser?, o que é que autenticamente vale?

domingo, 7 de junho de 2020

Desconfinados e desmascarados

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias

Claro que precisamos da devida “distância social” e do confinamento apropriado e, evidentemente, também e sobretudo, da máscara. Para preservarmos a saúde, a nossa e a dos outros. Podemos contagiar-nos uns aos outros e somos responsáveis uns pelos outros. Quem é cristão tem uma razão suplementar para isso: segundo os Evangelhos, um dos interesses e preocupações maiores de Jesus foi a saúde das pessoas. Por isso, não entendo aquele debate à volta da comunhão na mão ou na boca, havendo quem invoque razões para a comunhão na boca. Sempre fui contra a comunhão na boca, pois só damos de comer na boca às crianças. Agora, ainda mais se impõe a comunhão na mão, por causa da preservação da saúde. Ah!, e para quem continua a propugnar a comunhão na boca: não é verdade que provavelmente há línguas mais sujas do que as mãos? 
Mas não foi este tema que me motivou hoje. A questão é mais funda. O que provoca a minha reflexão de hoje são outros confinamentos e outras máscaras, ficando a crónica de hoje para os desconfinamentos e a da próxima semana para os desmascaramentos. Desconfinados e desmascarados. 

1. Como a gente se sente mal no confinamento! Mas, ao contrário do que pensamos, andamos e somos demasiado confinados, no sentido de auto-centrados, e, por isso, pobres, se não paupérrimos. Afinal, na contradição de nós. Vejamos. 
Uma vez, uma antiga aluna pediu-me para ir à escola onde agora lecciona, para fazer uma palestra sobre o umbigo, esperando ela que fosse falar sobre o egoísmo, o individualismo. Cheguei lá e fui mostrando aos jovens que é verdade que essa expressão de “voltado, voltada para o seu umbigo” é vulgarmente usada com esse sentido. Mas em contradição com o próprio umbigo. De facto, o umbigo é em nós a marca biológica de que não vimos de nós, vimos de uma relação, não somos a nossa origem. 
Outra vez, uma outra estudante queria uma nota melhor. Para isso, até escreveu um trabalho sobre ética. Na defesa, perguntei-lhe: “Se houvesse uma única pessoa no mundo, como seria um tratado de ética?”. E ela: “Nem sequer se punha a questão ética, porque essa ‘pessoa’ não sabia que era ser humano.” E teve a boa nota que queria.