O alarme chega de Dublin. Uma linha SOS-emergência foi pedida por uma associação de padres na Irlanda. A notícia adianta algumas razões do pedido, destacando o risco de crises graves que podem ser fatais. Crises a que não serão alheias situações como depressão, stress saturante, sobrecarga de responsabilidades, desproporção de recursos humanos face aos desafios a enfrentar, experiências de inadaptação às linguagens e culturas de hoje, sensação de inutilidade eclesial e de insignificância social. Entre outras, claro.
O alarme disparou numa altura em que estava a acompanhar a informação de nomeações canónicas para novos serviços pastorais feitas em várias dioceses da Igreja portuguesa. A impressão mais marcante que me veio à memória e agita a consciência é a de que muitos padres estão disponíveis para o exercício do ministério, para a mudança de funções, para o “morrer no seu posto”. Atitude admirável em que a beleza do ministério brilha na fragilidade humana! Espelho de Igreja que precisa de manter nos seus “postos de trabalho” aqueles que dão sinais claros de envelhecimento e desgaste, de inadaptação aos “novos tempos” e de desajuste emocional; aqueles que têm de assumir responsabilidades em áreas de grande exposição pública sem especial iniciação nem acompanhamento conveniente ou que, após anos de serviço generoso, sentem o peso da “meia-idade”, da vida em rotina, da solidão progressiva.
A par destes sinais facilmente verificáveis, há a outra face da realidade pastoral a merecer igual atenção: A situação dos leigos e das religiosas, pessoalmente e em associações e movimentos ou comunidades. À generosidade comprovada em muitos locais de missão, fruto dos dons do Espírito Santo e da acção de padres e diáconos, soma-se o desajuste de capacidades e ritmos, a deficiente valorização de habilitações específicas e de reconhecimento na Igreja e na sociedade.
“O futuro da Igreja depende dos leigos e esse futuro começa já”, defende o cardeal Kevin Farrell, responsável do Dicastério para «os Leigos, a Família e a Vida» que está convencido de que “este é o momento na vida da Igreja em que realmente podemos tentar implementar aquilo de que já falava o Vaticano II: o papel dos leigos”. E adianta o seu testemunho pessoal enquanto bispo de Dallas, nos Estados Unidos da América: “Sempre senti a necessidade de promover os leigos dentro da Igreja e dentro da sua organização”.
A apregoada hora dos leigos, feita aquando do concílio, parece que parou no tempo e, em alguns casos, os ponteiros do relógio estão a atrasar visivelmente. No entanto, não faltam vozes a clamar por um acerto com o ritmo da história, com a urgência da missão, com o reconhecimento efectivo e comprovado das funções de cada um e de todos na Igreja comunhão de diversidades articuladas na caridade, de modo razoável e fraterno.
Aludindo ao papel da mulher na Igreja o Cardeal Reinhard Marx declarou ao jornal francês La Croix: “Seríamos loucos se não utilizássemos os talentos das mulheres. De facto, seria um verdadeiro absurdo”. O arcebispo de Munique expressa o seu pensamento por ocasião de um encontro recente de mulheres líderes da sua diocese. E prosseguiu: “Precisamos de uma nova imagem do que a Igreja deve ser: uma Igreja mundial liderada por homens e mulheres de todas as culturas trabalhando juntos”. Conclui lembrando que, embora, o sacerdócio seja exclusivamente masculino, isto “não queira dizer que só os homens podem mandar na Igreja”.
Em resumo, o imperativo desta hora de “crise” manifesta-se na necessidade de trabalhar juntos, em espírito sinodal, dando e recebendo, articulando funções e ministérios, crescendo na verdade por meio da caridade, tendo sempre presente a fidelidade ao Evangelho de Jesus e a urgência missionária da Igreja.
“Não somos chamados a fazer «tudo», a salvar o mundo (que já foi salvo por Jesus Cristo)”, afirma Francesco Cosentino ao reflectir sobre a figura e o papel do sacerdote hoje, em artigo publicado por Settimana News, 14-07-2017. E o autor, que é membro da Congregação para o Clero e professor da Pontifícia Universidade Gregoriana, continua: O padre “não é e não deveria ser o centro, a fonte e o ápice da comunidade e da ação pastoral”. E de forma interrogativa, adverte: “Não será que muitas frustrações, sofrimentos e depressões dependem também de nos termos superestimado a nós mesmos e feito exigências excessivas (ou ao menos em número) para o nosso ministério?”
A beleza do ministério brilha na fragilidade do padre. E toma o rosto humano de cada um, o sentido do serviço que cultiva e da espiritualidade que vive, da arte pastoral, alimentada na escola do Bom Pastor, que desenvolve no convívio com as pessoas e na animação da comunidade que “preside” para que se promovam e insiram as diversidades legítimas na harmonia da caridade missionária. À maneira da celebração da eucaristia (correctamente entendida). Gerir razoável e eficazmente a fragilidade é fruto também de saber definir e observar prioridades, de fazer uma boa gestão do tempo, de pautar o trabalho por objectivos acessíveis, de respeitar ritmos e valorizar os passos dados no rumo certo, de cultivar o realismo sadio e a esperança firme de que a paciência de Deus abre sempre horizontes novos aos nossos esforços positivos.