OS FINADOS
Anselmo Borges
Característica essencial do nosso tempo é fazer da morte tabu, talvez o último tabu. Nunca tinha acontecido na história da humanidade.
De qualquer modo, as nossas sociedades ainda mantêm dois dias por ano (1 e 2 de Novembro) em que permitem a visita dos mortos. Os cemitérios enchem-se e as pessoas ali estão ou por ali andam, numa recordação, talvez numa prece, num choro íntimo ou exteriorizado, e interrogando-se sobre o mistério da morte, esse mistério absolutamente opaco e laminante.
A morte põe-nos em confronto com o nada e abala-nos desde e até à raiz. Martin Heidegger foi o filósofo do século XX que levou mais fundo o pensamento sobre a morte. O homem é o ser da possibilidade, o existente para quem no seu ser a questão é esse mesmo ser, isto é, a quem o seu ser é dado como tarefa, como poder ser. Ora, a morte é a sua possibilidade "mais própria", pois é a que mais o caracteriza, "irreferível", pois corta a relação com tudo o resto, remetendo-o para si próprio, "intranscendível", pois, enquanto possibilidade da impossibilidade, é a possibilidade extrema, a que se não pode escapar. A tentação permanente é distrair-se e não assumir a morte como essa possibilidade mais própria, irreferível e intranscendível, escapando-lhe pelo palavreado, pelo recurso ao "toda a gente morre", mas não propriamente eu. O homem cai então no esquecimento de si mesmo e perde-se numa existência inautêntica.
Frente à morte, debatemo-nos com paradoxos, que o filósofo Gabriel Amengual sintetizou.