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sábado, 14 de junho de 2025

PÁRA E PENSA: Deus: O essencial

Crónica semanal
de Anselmo Borges

Deus: O essencial


Vivemos imersos em crises que nos desumanizam, mas a maior, no meu entender, é vivermos mergulhados no ter, no prazer, no poder pelo poder, nas redes sociais, nas tecnologias, no imediatismo, na vertigem da pressa, esquecendo o ser, o parar para pensar, a pergunta por Deus...
Enredamo-nos assim no sem sentido... Com razão, perguntava Karl Rahner, talvez o maior teólogo católico do século XX — tenho a honra de ter sido aluno: O que aconteceria, se a simples palavra “Deus” deixasse de existir? E respondia: “A morte absoluta da palavra ‘Deus’, uma morte que eliminasse até o seu passado, seria o sinal, já não ouvido por ninguém, de que o Homem morreu.” Václav Havel, o grande dramaturgo e político, pouco tempo antes de morrer, surpreendeu muitos ao declarar que “estamos a viver na primeira civilização global” e “também vivemos na primeira civilização ateia, numa civilização que perdeu a ligação com o infinito e a eternidade”, temendo, também por isso, que “caminhe para a catástrofe”.

sábado, 31 de maio de 2025

Optimismo-pessimismo: a ambiguidade do mundo

Crónica semanal
de Anselmo Borges

Foi Leibniz que, numa obra célebre – Teodiceia -, na qual, perante a existência do mal, queria defender e justificar Deus, se apresentou como arauto do optimismo. O nosso mundo é o melhor dos mundos possíveis.
Leibniz era um cristão convicto e, portanto, Deus, entre os mundos possíveis, tinha de ter criado o melhor. De facto, se este nosso mundo criado não fosse o melhor, haveria a possibilidade de outro melhor, o que significaria que ou Deus não tinha conhecido esse mundo melhor ou não o tinha querido ou não tinha podido criá-lo, o que contradiz a sua omnisciência, a sua bondade infinita e a sua omnipotência.
Veio o terramoto de Lisboa em 1755, que tornava impossível a manutenção de ideias optimistas. Voltaire escreveria o famoso “Poema sobre o desastre de Lisboa”, onde pede aos filósofos enganados que venham ver as mulheres e as crianças empilhadas umas sobre as outras, todos esses desgraçados enterrados debaixo dos seus tectos, terminando os seus dias no horror dos tormentos.
Voltaire escreveu também o Cândido, onde escalpeliza a ideia de que tudo contribui para o melhor. O optimismo de Pangloss e a candura de Cândido vêem-se confrontados com a realidade bruta do mal: as desgraças humanas causadas pelas catástrofes naturais, pela estupidez humana, pelas instituições, pelas guerras, pela avareza, pela superstição, pela escravatura, pela hipocrisia, pelo tédio, por todo o tipo de exploração…

sábado, 10 de maio de 2025

PÁRA E PENSA: As primeiras palavras de Leão XIV

Crónica semanal
de  Anselmo Borges 

As primeiras palavras do Papa Leão XIV
na sua primeira bênção Urbi et Orbi


A paz esteja com todos vós! Caríssimos irmãos e irmãs, esta é a primeira saudação de Cristo Ressuscitado, o Bom Pastor que deu a vida pelo rebanho de Deus. Eu também gostaria que esta saudação de paz entrasse nos vossos corações, chegasse às vossas famílias, a todas as pessoas, onde quer que estejam, a todos os povos, a toda a terra. A paz
esteja convosco! Esta é a paz de Cristo Ressuscitado, uma paz desarmada e uma paz desarmante, humilde e perseverante. Ela vem de Deus, Deus que nos ama a todos
incondicionalmente. Ainda conservamos nos nossos ouvidos aquela voz fraca, mas sempre corajosa, do Papa Francisco que abençoava Roma! O Papa que abençoava Roma concedia a sua bênção ao mundo, ao mundo inteiro, naquela manhã do dia de Páscoa.

sábado, 3 de maio de 2025

Homenagem a Francisco

Pára e Pensa

Um jornalista perguntou uma vez ao Papa Francisco: Como gostaria de ser recordado depois de morrer? E Francisco respondeu textualmente com estas palavras: “Era um bom homem e fez o que pôde.”
Estou convicto de que, agora que partiu, a melhor homenagem que se lhe poderia prestar seria cada um, cada uma, nas suas respectivas condições de vida, fazer sinceramente seu o mesmo desejo de recordação após a sua própria morte: “Era uma boa pessoa e fez o que pôde.”
Não haja dúvidas: o mundo seria diferente.

Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Sábado, 3 de Maio de 2025

sábado, 26 de abril de 2025

PÁRA E PENSA - Homenagem a Francisco

Crónica semanal de Anselmo Borges


A dívida para com as vítimas inocentes

Recordando Francisco, o Papa de uma Igreja aberta a todos e que até ao fim quis estar próximo dos últimos, fica aí este meu texto sobre a dívida incomensurável da História para com as vítimas inocentes.
Na sua encíclica sobre a esperança — Spe salvi (Salvos em esperança) —, Bento XVI, o Papa antecessor de Francisco, debruça-se sobre uma pergunta decisiva – “a pergunta fundamental da Filosofia” (Max Horkheimer) : o que podem esperar as incontáveis vítimas inocentes da História? Quem lhes fará justiça? As vítimas inocentes clamam, um grito sem fim e ensurdecedor percorre a História.
No mundo moderno, conduzido em grande parte pela ideia de progresso, ergueu-se, nos séculos XIX e XX, um ateísmo moral por causa das injustiças do mundo e da História. “Um mundo no qual há tanta injustiça, tanto sofrimento dos inocentes e tanto cinismo do poder, não pode ser obra de um Deus bom”.
Quase se poderia dizer que se é ateu ad majorem Dei gloriam, para a maior glória de Deus, como se, perante o horror do mundo, a justificação de Deus fosse não existir. É-se ateu por causa de Deus, que é preciso recusar por causa da moral.

sábado, 19 de abril de 2025

PÁRA E PENSA A Páscoa: não à opressão e à morte

Anselmo Borges
O famoso filósofo Johann G. Fichte tem um texto com perguntas que todo o ser humano, minimamente atento à vida, alguma vez fez, pois são perguntas que ele transporta consigo, melhor, que ele é. O filósofo alemão escreveu que o ser humano não deixará facilmente de resistir a uma vida que consista em “eu comer e beber para apenas logo a seguir voltar a ter fome e sede e poder de novo comer e beber até que se abra debaixo dos meus pés o sepulcro que me devore e seja eu próprio alimento que brota do solo”; como poderei aceitar a ideia de que tudo gira à volta de “gerar seres semelhantes a mim para que também eles comam e bebam e morram e deixem atrás de si outros seres que façam o mesmo que eu fiz? Para quê este círculo que gira sem cessar à volta de si?... Para quê este horror, que incessantemente se devora a si mesmo, para de novo poder gerar-se, gerando-se para poder de novo devorar-se?” Também Ernst Bloch, o filósofo ateu religioso, escreveu que o ser humano nunca há-de contentar-se com o cadáver.

sábado, 12 de abril de 2025

PÁRA E PENSA: Sexta-Feira Santa: O calvário do mundo

Crónica semanal
de Anselmo Borges

Jürgen Moltmann, o grande teólogo protestante com quem tive o privilégio de conversar mais de uma vez em Tubinga, que faleceu no ano transacto, escreveu que, na juventude, feito prisioneiro, na Segunda Guerra Mundial, embora não sendo particularmente crente e o que mais lhe apetecesse era comida, o que o capelão lhe ofereceu foi o Novo Testamento. Leu-o e, a partir da experiência dramática por que estava a passar por causa do Nazismo, percebeu que ou Deus não existe mesmo ou então o Deus verdadeiro é o que se revela em Jesus Cristo pregado na cruz para dar testemunho da verdade e do amor incondicional. E foi dessa experiência que partiu para o estudo da Teologia, tendo escrito obras que a marcaram no século XX: O Deus crucificado e Teologia da esperança, entre outras.
Com o terramoto de Lisboa, aconteceu um sismo no pensamento europeu, que abalou os grandes intelectuais. A famosa Teodiceia de Leibniz afundava-se. Como é que este podia ser o melhor dos mundos possíveis? E como pode a razão finita justificar Deus frente ao mal, pois é isso que pretende a teodiceia? O mal físico talvez seja explicável; mas como compreender o mal moral? Porque é que não somos sempre bons e, pelo contrário, criamos infernos de desumanidade? Há aquele enigma que amargurava São Paulo: “Ai de mim, que sou um homem desgraçado, pois faço o mal que não quero e não faço o bem que quero!”

sábado, 22 de março de 2025

Cuidado! Cuidar

Crónicas PÁRA E PENSA

Anselmo Borges

Entre as grandes obras filosóficas do século XX, figura um do filósofo alemão Martin  Heidegger: Seinund Zeit (Ser e Tempo). Nela, retoma a célebre fábula sobre o Cuidado, de Higino, um escravo culto (64 a. C.-16 d. C.). Fica aí, traduzida literalmente. “Uma vez, ao atravessar um rio, Cuidado’ viu terra argilosa. Pensativo, tomou um pedaço de barro e começou a moldá-lo.
Enquanto contemplava o que tinha feito, apareceu Júpiter. ‘Cuidado’ pediu-lhe que insuflasse espírito naquela figura, o que Júpiter fez de bom grado. Mas, quando ‘Cuidado’ quis dar o próprio nome à criatura que havia formado, Júpiter proibiu-lho, exigindo que lhe fosse dado o seu. Enquanto ‘Cuidado’ e Júpiter discutiam, surgiu também a Terra (Tellus) e também ela quis conferir o seu nome à criatura, pois fora ela a dar-lhe um pedaço do seu corpo.

sábado, 15 de março de 2025

Hermenêutica feminista das religiões e seus textos

 Crónicas PÁRA E PENSA

Anselmo Borges

A religião/religiões só têm sentido se e na medida em que são factor de libertação/salvação. Ora, a gente fica tremendamente impressionado, quando observa o que de negativo tantas vezes as religiões e os seus textos dizem sobre as mulheres. Que é que isto quer dizer? É  essencial interpretar e não tomar de modo nenhum à letra. Aí ficam, pois, alguns princípios de hermenêutica feminista das religiões e seus textos.

Pressuposto essencial é evidentemente, a compreensão de que os textos sagrados não são ditados de Deus, tornando-se, pois, claro que, sem interpretação, eles se convertem inevitavelmente, em texto fundamentalistas. Os textos sagrados têm de ser lidos de modo crítico e situados no seu contexto histórico.
Um livro sagrado, por exemplo, a Bíblia, só tem validade última e só encontra a sua verdade adequada enquanto todo e na sua dinâmica global. A argumentação com fragmentos pode por vezes tornar-se inclusivamente ridícula. Assim, princípio hermenêutico essencial e decisivo das religiões e dos seus textos é o do sentido último da religião, que é a libertação e salvação. O Sagrado, Deus, referente último do religioso, apresenta-se como Mistério plenamente libertador e salvador. É, pois, à luz desta intenção última que as religiões e os seus textos têm de ser lidos, concluindo-se que não têm autoridade aqueles textos que, de uma forma ou outra, se apresenta como opressores e discriminatórios.

sábado, 8 de março de 2025

A MULHER NA IGREJA

Crónica de Anselmo Borges

1. Neste Dia Internacional da Mulher, solidarizando-me com todas as que lutam contra a misoginia da Igreja, retomo o que já aqui escrevi em 2011: “As mulheres têm motivo para estar zangadas com a Igreja, que as discrimina. Jesus, porém, não só não as discriminou como foi um autêntico revolucionário na sua dignificação, até ao escândalo.” Veja-se a estranheza dos discípulos ao encontrar Jesus com a samaritana, que tinha tudo contra ela: mulher, estrangeira, herética, com o sexto marido, mas foi a ela que se revelou como o Messias.
Condenou a desigualdade de tratamento de homens e mulheres quanto ao divórcio. Fez-se acompanhar — coisa inédita e mesmo escandalosa na época — por discípulos e discípulas. Acabou com o tabu da impureza ritual. Estabeleceu relações de verdadeira amizade com algumas.
Maria Madalena constitui um caso especial nessa amizade: ela acompanhou-o desde o início até à morte e foi ela que primeiro intuiu e fez a experiência avassaladora de fé de que o Jesus crucificado não foi entregue à morte para sempre, pois é o Vivente em Deus, como esperança e desafio para todos os que crêem nele, a ponto de Santo Tomás de Aquino e outros, apesar da sua misoginia, a declararem a “Apóstola dos Apóstolos”, precisamente por causa do seu papel fundamental na convocação dos outros discípulos para a fé na Ressurreição: na morte, não caímos no nada, pois entramos na plenitude da vida em Deus, Deus de vivos e não de mortos. Aliás, já São Paulo, na Carta aos Romanos, pede que saúdem Júnia, “Apóstola exímia”.

sábado, 1 de março de 2025

O fundamentalismo religioso

Crónica semanal de Anselmo Borges

Na presente situação do mundo, impõe-se cada vez mais a urgência do diálogo inter- religioso. Dou hoje início a uma breve reflexão sobre a questão, mostrando a necessidade de acabar com o fundamentalismo. De modo geral, quando se fala em fundamentalismo, é no fundamentalismo religioso que se pensa. Há, porém, outras formas de fundamentalismo: o fundamentalismo político, o fundamentalismo cultural, o fundamentalismo económico, por exemplo.
Joseph Stiglitz, Prémio Nobel da Economia, referindo-se à política económica seguida pelo FMI no quadro da globalização, fala de “fundamentalismo neoliberal”.

sábado, 22 de fevereiro de 2025

A ditadura da imagem e a pobreza do símbolo


No século VIII, no contexto da ameaça militar e religiosa do islão a Bizâncio, a tradição cristã viu-se confrontada com a pureza radical do monoteísmo islâmico e a sua proibição das imagens. Os imperadores bizantinos mandaram destruir as imagens e os seus defensores foram perseguidos como idólatras. Embora esta luta dos iconoclastas tenha acabado com a vitória dos iconódulos (veneradores das imagens), pois Jesus Cristo é a imagem visível de Deus, nunca deveria esquecer-se que Deus é infinitamente transcendente e, se o Homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, Deus não é à imagem do Homem.
Diz-se perante certas imagens: vale mais uma imagem que milhares de palavras. Pense-se, por exemplo, naquelas imagens televisivas das crianças esfomeadas no mundo — pequenos andaimes de ossos a soçobrar, num olhar suplicante e quase morto —, e o soco que nos dão no estômago e na alma.

domingo, 30 de junho de 2024

Immanuel Kant: O Homem e Deus

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias

Neste tempo dominado por maquinarias de estupidificação, quando o que mais falta é, por isso mesmo, pensar criticamente, não podia deixar passar o terceiro centenário do seu nascimento sem uma brevíssima referência. Refiro-me a Immanuel Kant, que nasceu no dia 22 de Abril de 1724 em Königsberg, antiga Prússia, actualmente Kaliningrado, um enclave russo entre a Polónia e a Lituânia, e que morreu nessa mesma cidade no dia 12 de Fevereiro de 1804. É lá, na catedral de Kaliningrado, que se encontra uma lápide com a sua frase célebre: “Duas coisas enchem a mente de uma admiração e um respeito sempre novos e crescentes quanto mais frequentemente e com maior persistência delas se ocupa a reflexão: o céu estrelado sobre mim e a lei moral em mim”.

sábado, 18 de maio de 2024

O Diabo e o Pentecostes

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias 

Volto ao tema, porque permanentemente a questão está aí nos meios de comunicação social e há quem me telefona a perguntar o que é que eu penso. Um dos casos mais recentes tem a ver com um homem que envenenou os pais (felizmente sobreviveram) a mando de uma bruxa que lhe disse que eles tinham o diabo no corpo e era preciso matá-lo. Claro, o homem sofre de problemas psiquiátricos… E lá vêm os rituais satânicos... Depois, perante a tragédia do nosso mundo hoje, com horrores sem conta e à beira do abismo, ouvimos: “Isto é o diabo, um inferno...”.
O Papa Francisco refere-se-lhe com frequência, para que as pessoas estejam atentas e evitem o que é obra do Maligno: o mal, o ódio, a guerra, as intrigas… O padre G. Amorth, falecido em 2016, exorcista na Diocese de Roma e fundador da Associação Internacional de Exorcistas, que fez milhares de exorcismos, chegou a dizer que ele andava à solta no Vaticano e denunciou seitas satânicas instaladas na Cúria e servidas por membros da Igreja, incluindo “monsenhores e até cardeais”. Ele lá saberia do que estava a falar!...

segunda-feira, 29 de abril de 2024

Declaração sobre a dignidade humana. 2

Crónica de  Anselmo Borges 
no Diário de Notícias

Como vimos, segundo Dignitas infinita (Dignidade infinita), Declaração aprovada pelo Papa Francisco, a dignidade humana é "ontológica", inalienável.
Infelizmente, essa dignidade nem sempre é respeitada. E o documento dá exemplos de "violações graves": "Tudo o que atenta contra a própria vida, como todo o tipo de homicídio, o genocídio, o aborto, a eutanásia e o próprio suicídio deliberado", tudo o que atenta contra a integridade da pessoa, como as mutilações, as torturas infligidas ao corpo e ao espírito, as coações psicológicas, as condições de vida infra-humana, as detenções arbitrárias, a deportação, a escravatura, a prostituição, "as condições laborais ignominiosas, nas quais os trabalhadores são tratados como meros instrumentos de lucro, e não como pessoas livres e responsáveis.", a pena de morte aqui, não posso deixar de lamentar que até muito recentemente o Catecismo da Igreja Católica a defendeu.

domingo, 24 de março de 2024

Jesus e o Reino de Deus

Crónica de Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Na fé, pergunta nuclear é em que Deus se acredita e no que é que, acreditando, muda na vida, na compreensão do ser humano e do mundo. Não seria digno da pessoa acreditar por medo, acreditar num deus que humilha o Homem, num deus que, na sua eternidade feliz, permanecesse indiferente à história humana enquanto um mundo de sofrimento.
Na tradição da experiência cristã, embora a relação com Deus se não esgote na ética, a salvação a partir de Deus é experienciada e vivida no meio do mundo, na relação inter-humana, tanto no amor face a face como na transformação política das estruturas e situações que impedem um mundo de rosto humano. Neste sentido, “fora do mundo não há salvação”, como sublinhava o teólogo E. Schillebeeckx.
Para os cristãos, Deus revelou-se de modo definitivo, embora não exclusivo, na figura histórica de Jesus de Nazaré. E o núcleo da mensagem de Jesus, na sua pessoa, nas suas palavras, na sua vida, na sua morte, é o Reino de Deus. E o Reino de Deus é o próprio Deus enquanto amor incondicional, amor soberanamente libertador dos homens, que fazem a sua vontade. E a vontade de Deus é o Homem digno e livre, o mundo d na paz, na alegria, as pessoas na justiça, no amor, num mundo fraterno, sem dominadores nem dominados.

domingo, 17 de março de 2024

A ética, as vítimas inocentes, Deus

Crónica de Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia


Pela tomada de consciência da finitude e da pergunta que constitutivamente lhe está associada — de pergunta em pergunta, o ser humano deparar-se-á com a pergunta pelo Fundamento último de tudo e pelo Sentido último —, Deus virá sempre à ideia.
A questão de Deus impõe-se igualmente por causa da ética, das vítimas inocentes e da esperança. Lá está sempre Immanuel Kant — celebra-se este ano o terceiro centenário do nascimento — com as suas perguntas, as de qualquer ser humano atento: “O que posso saber? O que devo fazer? O que é que me é permitido esperar?” A última está vinculada à religião: cumprindo o seu dever, o Homem torna-se digno da salvação de Deus.
A autonomia da razão prática, que vincula universalmente todos os homens, e para a qual Kant deu um contributo decisivo, é uma conquista definitiva da Humanidade: a moral é uma forma de auto-obrigação. Mas a questão ergue-se em todo o seu abismo, quando somos confrontados com a questão ética no seu limite. Edward Schillebeeckx apresenta precisamente o exemplo dramático do soldado que, numa ditadura e sob pena de morte, recebe a ordem de matar um inocente, só porque ele é judeu, comunista ou cristão. Por motivos de consciência, o soldado recusa executar a ordem, ficando assim numa situação que toca as raias do absurdo: de facto, ele próprio será morto e outro matará o inocente. Aparentemente, ninguém beneficiou desta acção ética absolutamente digna.

sábado, 2 de março de 2024

Na Igreja, o serviço realista e eficaz

Crónica de Anselmo  Borges 

Quando se fala em Igreja, é difícil não se ser confrontado com uma situação complexa. De facto, ela aparece frequentemente como uma hierarquia soberana e longínqua, que comanda, que proíbe, uma instituição de poder.

Num primeiro momento, a Igreja pode até surgir como uma hiperorganização, tendo à frente um monarca (o Papa), com os seus ministros (cardeais da Cúria romana), e também altos funcionários (núncios ou embaixadores do Vaticano, espalhados pelo mundo, e bispos) e ainda médios e pequenos funcionários (cónegos, padres).
Será assim? Vejamos. A palavra igreja em português (iglesia em castelhano, église em francês) vem do grego Ekklesía. Ora, a Ekklesía era a assembleia do povo. No alemão (Kirche), no inglês (Church), etc, a origem é outra: Kyrike (forma popular bizantina), com o significado de “pertencente ao Senhor” (Kyrios, em grego) e, por extensão, “casa ou comunidade do Senhor”. De qualquer modo, na dupla etimologia, a Igreja, no Novo Testamento, significa a assembleia daqueles que acreditam em Jesus, que crêem nele como o Messias e se tornaram seus discípulos, querendo segui-lo, fazendo durante a vida o que ele fez e confiando nele na própria morte, esperando também a ressurreição. A Igreja desde o início considerou-se a si mesma como a assembleia dos fiéis a Cristo, dos que pertencem ao Senhor: o sinal dessa pertença é o baptismo e reuniam-se, celebrando, na Ceia, a sua memória, “até que ele venha”.

sábado, 24 de fevereiro de 2024

Livres. Para onde queremos ir?

Anselmo Borges 
no Diário de Notícias

Aparentemente, não há nada que o ser humano tanto preze como a liberdade. Mas, tendo de optar entre a segurança — intelectual, espiritual, social, política, religiosa... — e a liberdade, não se sabe quantos ficariam do lado da liberdade e não da segurança.
Dostoiévski disse-o de modo ácido e também sublime num texto em que também se critica a Igreja de Roma. Fá-lo em Os Irmãos Karamázov, no poema de Ivan com o nome O Grande Inquisidor.
A história passa-se em Espanha, em Sevilha, nos tempos terríveis da Inquisição, precisamente no dia a seguir a um “magnificente auto-de-fé” em que foram queimados de uma assentada, na presença do rei, da corte, dos cardeais e das damas mais encantadoras da corte e da numerosa população de Sevilha, quase uma centena de hereges. Cristo “apareceu, devagarinho, sem querer dar nas vistas e... coisa estranha, toda a gente O reconhece.” Mas o cardeal inquisidor aponta o dedo e manda que os guardas O prendam. E é num calabouço do Santo Ofício que lhe diz que no dia seguinte O queima na fogueira como ao pior dos hereges. E a razão é que a liberdade de fé tinha sido para Cristo a coisa mais preciosa. Não foi Ele que disse tantas vezes: “Quero tornar-vos livres?”

sábado, 20 de janeiro de 2024

Essencial também é parar para viver

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias

Olhamos e perguntamos: “Que anda esta gente toda a fazer?” A resposta é simples, sempre a mesma: “A viver.” É isso: a viver.

O problema é este: são tantas as vezes em que se não dá por isso: o milagre que é viver! Assim, numa sociedade na qual o perigo maior é a alienação - viver no fora de si -, quando a política se tornou um espectáculo tantas vezes indecoroso, quando a mentira e a corrupção imperam, quando Deus foi substituído pelo Dinheiro e o mundo se tornou globalmente perigoso, com a Terceira Guerra Mundial em curso, embora ainda só “aos pedaços”, como diz Francisco, é essencial parar, fazer uma pausa. Porquê e para quê? Como disse Juan Ramón Jiménez: “Devagar, não tenhas pressa, porque aonde tens de ir é a ti mesmo.”

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