sábado, 14 de outubro de 2017

Ares de Outono – Nozes


Do lugar em que me encontro, voltado para o quintal, aprecio o relvado emoldurado por árvores, arbustos e flores. Os ares do outono estão bem patentes nas folhas secas que vão caindo naturalmente ou por força de qualquer ventinho. Mas hoje distingui da minha paisagem as nozes da nogueira enorme que nos refresca em dias de canícula com a sua sombra e nos sacia a fome de frutos secos, com garantias de ausência de inseticidas e outros produtos com algum grau de toxicidade. 
As nossas nozes, depois de libertadas da proteção natural que as envolve, são lavadas em várias águas, mas nunca com lixiviados ou produtos afins, e postas ao sol para completarem a maturação. São, realmente, nozes biológicas.

AVEIRO — Diálogos na Cidade


sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Moliceiro em agonia no canal de Mira


Passei, olhei e registei a agonia de um moliceiro no canal de Mira. Abandonado como cadáver inútil, como se abandona cão danado em qualquer canto. Não conheço a história deste moliceiro, mas admito que, pelo seu porte, talvez tenha participado em alguma regata dos moliceiros em dia de festa, com bandeiras coloridas e gente feliz, cantando e dançando. Também não é difícil acreditar que tenha andado na apanha do moliço ou no transporte de produtos das nossas terras ribeirinhas. Mas agora, que o fim da vida já não lhe dava forças para enfrentar as marés, por mais bonançosas que fossem, para ali ficou sem dó nem piedade. A vida é assim. 

Filarmónica Gafanhense celebra o 181.º aniversário


Daqui endereçamos as nossas mais vivas felicitações à Filarmónica Gafanhense, ao mesmo tempo que lhe desejamos os maiores sucessos na arte de ensinar e de executar notáveis partituras na nossa região, alargando-se, afinal, a todo o país. 

David Dinis — O relatório de Pedrógão põe o Governo em xeque


«Ao fim de três meses já sabemos o que aconteceu e quem é responsável. Só falta saber quando sai a ministra e alguém pede desculpa.
(...)
Os especialistas são claríssimos nisso: em Portugal combate-se o fogo com os pés. Ignoram-se os novos conhecimentos técnicos, despreza-se o conhecimento acumulado, afastam-se os competentes — para nomear os amigos —, não se profissionaliza os bombeiros, não se coordenam os meios, muda-se permanentemente o modo de governação do sistema.»

Ler mais no PÚBLICO 

Nota: Não vale a pena acrescentar nada, nem podemos perder tempo com mais considerações. Apenas digo que urge avançar o mais depressa possível, para não chegarmos ao próximo verão com projetos muito bonitos somente no papel. E os culpados que peçam desculpa, sem mais delongas.

Anselmo Borges — Francisco sobre: 4. o diálogo ecuménico e inter-religioso




Anselmo Borges

Ainda os diálogos do Papa Francisco e de Dominique Wolton: Politique et société. Se há palavra que atravessa o livro todo é a palavra diálogo. "Como é que a Igreja poderia contribuir hoje para a mundialização?", pergunta Wolton. E Francisco: "Pelo diálogo. Penso que sem diálogo hoje não é possível. Mas um diálogo sincero, mesmo se for preciso dizer na cara coisas desagradáveis." Foi a avó que lhe abriu as portas da "diversidade ecuménica". Criança, viu umas senhoras do Exército da Salvação e perguntou: são freiras? "Não, são protestantes, mas são pessoas boas." De facto, marcou-o, pois, por exemplo, estamos a celebrar os 500 anos da Reforma e, pela primeira vez, isso acontece com católicos e protestantes, e, depois de tudo quanto na Igreja se tinha ouvido sobre Lutero - "os protestantes iam para o inferno" -, Francisco veio dizer que ele foi "um pioneiro religioso, uma testemunha do Evangelho e um mestre da fé... A intenção de Lutero foi renovar a Igreja, não dividi-la. Era um reformador. Havia corrupção na Igreja, mundanismo, obsessão pelo dinheiro, pelo poder". E encontrou--se com o patriarca de Constantinopla, pedindo-lhe a bênção, e com o de Moscovo.
O diálogo, e concretamente o diálogo inter-religioso, "não significa porem-se todos de acordo. Não. Significa caminhar juntos, cada um com a sua própria identidade". Wolton: "E, no diálogo com o islão, não seria necessário pedir um pouco de reciprocidade? Não há verdadeira liberdade para os cristãos na Arábia Saudita e nalguns países muçulmanos. É difícil para os cristãos. E os fundamentalistas islamistas assassinam em nome de Deus." Francisco: "Eles não aceitam o princípio da reciprocidade. Alguns países do Golfo também são abertos e ajudam-nos a construir igrejas. Porque é que são abertos? Porque têm trabalhadores filipinos, católicos, indianos... O problema na Arábia Saudita é uma questão de mentalidade. Todavia, com o islão, o diálogo avança bem, porque, não sei se sabe, o imã da Universidade de Al-Azhar, no Cairo, Ahmed Mohamed el-Tayeb, veio visitar-me e eu retribuí a visita. Penso que lhes faria bem a eles fazerem um estudo crítico do Alcorão, como nós fizemos com a nossa Bíblia. O método histórico e crítico de interpretação fá-los-á evoluir."

Francisco reconhece, portanto, que para o diálogo inter-religioso é fundamental não tomar os livros sagrados à letra: é necessária uma leitura histórico-crítica. Outro princípio essencial para a liberdade religiosa e a paz entre as religiões tem que ver com a laicidade do Estado, isto é, o Estado não pode ser confessional, o Estado deve ser laico. Para garantir a liberdade religiosa de todos: ter esta religião ou aquela, nenhuma, poder mudar de religião. Francisco: "O Estado laico é uma coisa sã. Há uma sã laicidade. Jesus disse-o: é preciso dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Somos todos iguais diante de Deus." Mas laicidade não é laicismo. Neste, constrói-se "um imaginário colectivo no qual as religiões são vistas como uma subcultura". É necessário "elevar" um pouco o nível da laicidade mediante "a abertura à transcendência". Que quer dizer "um Estado laico "aberto à transcendência"? Que as religiões fazem parte da cultura, que não são subculturas. Quando se diz que não se deve colocar cruzes visíveis ao pescoço ou que as mulheres não devem levar isto ou aquilo, é uma estupidez. Porque uma e outra atitude representam uma cultura. Um leva uma cruz, outro outra coisa, o rabino a kipa, o papa o solidéu" [risos]. "Esta é a sã laicidade. Há exageros, nomeadamente quando a laicidade é colocada acima das religiões. Porventura as religiões não fazem parte da cultura? Serão subculturas?"

Wolton pergunta como é possível chegar ao diálogo com os ateus e os não crentes. Francisco responde que fazem parte da realidade. Há pontos de vista diferentes, mas "a realidade é a verdade". As pontes são o nosso diálogo. Mas deve partir-se da realidade, não da teoria, e "procurar juntos, é um caminho de busca. Procurar". Wolton insiste: "Seja como for, que fazer? Os ateus fizeram muito pela libertação social, política, pela democracia desde o século XVIII. O que é que a Igreja faz? A Igreja diz muitas vezes que "os espera". Mas se são ateus não precisam da vossa espera. Então, como dialogar? Que fazer com os ateus? Porque a Igreja matou muitos..." Francisco: "Noutras épocas, alguns diziam: "Deixai-os tranquilos, irão para o inferno."" Wolton: "Claro" [risos]. Francisco: "Mas nunca devemos falar com adjectivos. A verdadeira comunicação faz-se com substantivos. Isto é, com uma pessoa. Essa pessoa pode ser agnóstica, ateia, católica, judia..., mas isso são adjectivos. Eu, eu falo com uma pessoa. É um homem, é uma mulher, como eu. Um jovem perguntou-me na Polónia: "Que dizer a um ateu?" Respondi-lhe: "A última coisa que deverás fazer é pregar a um ateu. Tu deves viver a tua vida, tu escuta-lo, mas não deves fazer apologia". O diálogo deve fazer-se com a experiência humana. Podemos falar de muitos temas que temos em comum: problemas éticos, coisas humanas. Do que pensamos, dos problemas humanos, como comportar-se... Podemos debater sobre o desenvolvimento humano. E quando se chega ao problema de Deus, cada um diz a sua escolha. Mas escutando o outro com respeito... Podemos falar sem medo - tu és ateu, eu não... mas falemos. Ambos acabaremos no mesmo lugar. Seremos ambos comidos pelos vermes!"

Wolton: "O que é mais difícil: o diálogo ecuménico ou o diálogo inter-religioso?" Francisco: "Segundo a minha experiência, diria que o inter-religioso foi mais fácil do que o ecuménico. Tive muitos diálogos ecuménicos e gosto muito. Mas, se compararmos, o inter--religioso foi mais fácil para mim. Porque se fala mais do homem..." Wolton: "Quando se está próximo, tudo é difícil. Quando se está afastado, é mais fácil. É estranho."


Anselmo Borges no Diário de Notícias 

Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

Georgino Rocha — Vinde tomar parte! A festa está preparada


Jesus prossegue o anúncio da novidade de que é portador: Deus é diferente do que imaginamos, o seu agir mostra claramente quem ele é. Visualiza o que quer transmitir com a parábola do rei que pretende fazer festa pelo casamento do filho. (Mt 22, 1-14). Envia os convites, prepara com requinte a ementa, espera pela resposta livre de cada um, não desiste perante a recusa nem altera o seu projecto, dirige-se a outros que aceitam prontamente, e o banquete realiza-se na alegria dos comensais que convivem em igualdade e se alimentam com as iguarias confeccionadas com primor e dignidade. A parábola é dirigida aos sumos-sacerdotes e anciãos do povo, isto é, aos responsáveis pela situação religiosa vivida e que desfigurava o rosto de Deus.

Mateus, hábil narrador, tem como “pano de fundo” os acontecimentos ocorridos em Jerusalém, pelos anos 70, aquando da destruição do Templo pelas tropas romanas. E realça a acção generosa do rei que selecciona cuidadosamente a lista dos convidados. Segundo a praxe, o convite é dirigido a amigos e a pessoas estimadas. São estas que projectam a sua imagem social, constituem como que o espelho da sua reputação, do reconhecimento público que lhe era dispensado, da gala de ilustres figuras que o rodeiam e acompanham. Estava em jogo o bom nome, a sua honorabilidade. 

O Papa Francisco ao comentar esta parábola afirma: “Pobre Rei que tinha bem presente cada um dos que desejava ver no seu palácio. Desejava com o seu coração abrir os braços e receber o seu hóspede esperado, mas este não quis vir, simplesmente assim: não quis, não soube, ou nem quis saber”. Pobre rei que, apesar da insistência, se vê recusado sem qualquer explicação e pelas mais diversas razões. Não lhe dão a menor atenção. Indiferentes, uns; violentos e agressivos, outros. Todos recusam entrar em comunhão fraterna com ele. Dir-se-ia que estavam bem na situação em que se encontravam. “Os que se negam a ir à boda, explica J. M. Castillo (La religión de Jesús, ciclo A, p. 422) são gente de alta posição social e de muito dinheiro. Têm terras e negócios. Os que entram na boda são gente que não tem nada, os vagabundos dos caminhos”. Aqueles estão satisfeitos, acomodados, com seus privilégios e distinções. Deus não os suporta mais. Os outros acabam por ser os preferidos. Isto os fariseus não aguentam e maquinam a trama final da vida de Jesus.

O retrato dos chefes interlocutores saía em relevo. Mas a narrativa continua com novos requintes. “A festa de casamento está pronta, mas os convidados não a mereceram. Portanto, ide à encruzilhada dos caminhos e convidai para a festa todos os que encontrardes”. E a sala ficou cheia. Quem imaginaria o palácio real ocupado por esta gente tão diversa e desprezada: os marginalizados e excluídos sociais e religiosos, os maltrapilhos e deformados, os esfomeados e sedentos, os sem-abrigo nem protecção. A sala coloriu-se com todos eles, que simbolizam os membros do novo povo de Deus. Os primeiros, os responsáveis religiosos dos Judeus recusam e vêem-se preteridos; os segundos aceitam e são contemplados com os bens messiânicos, os do banquete oferecido.

A parábola contém outros elementos de grande significado. Faz, como que em antecipação, o relato do que vai acontecer. O filho é Jesus que celebra a ceia de despedida com os discípulos antes da paixão e da morte que o elimina e abre a porta à sua ressurreição. Os enviados foram os profetas e agora são os cristãos animados pelo Espírito Santo congregados em Igreja e prontos para a missão. O rei é Deus que persiste em levar por diante o projecto de salvação, respeitando a liberdade humana, mas exigindo comportamentos responsáveis. O tempo coincide com a história que, em género de livro da vida, regista o percurso de cada um de nós. No fim será consumada a festa do banquete em que todos participam, uma vez que se apresentam com o traje do bem feito em obras de justiça, misericórdia e perdão, de graça e benevolência, sobretudo em favor dos que estavam nas encruzilhadas dos caminhos e nas bermas da sociedade e das religiões. (Apoc. 19, 8).

A festa está pronta. Vinde tomar parte. Ouvimos na celebração da Eucaristia: “Felizes os convidados para a ceia do Senhor”. Aceita o convite e prepara-te para comungar dignamente.

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Uma quadra de António Aleixo



Qu’ria que o mundo soubesse
que a dor que tortura a vida
é quase sempre sentida
por quem menos a merece.

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Ares de Outono — Um poema de Miguel Torga



Outono

Outono.
(A palavra é cansada…)
Tudo a cair de sono,
Como se a vida fosse assim, parada!

Nem o verde inquieto duma folha!
O próprio sol, sem força e sem altura,
Olha
Dum céu sem luz e levedura.

Fria,
A cor sem nome duma vinha morta
Vem carregada de melancolia
Bater-me à porta.

Miguel Torga


Leiria, 11 de outubro de 1940,
em “Poesia Completa”

terça-feira, 10 de outubro de 2017

Georgino Rocha - A Alegria do Amor dá novo impulso à Família



O apelo chega de Boston, Estados Unidos, onde o cardeal de Chicago, Blase Cupich, e o teólog jesuíta, James Keenan, promovem um Congresso sobre o novo impulso que a exortação do Papa Francisco “A Alegria do Amor” quer dar à Igreja e à sociedade. É mais uma iniciativa feliz que vem juntar-se a tantas outras que visam renovar as práticas pastorais em relação às famílias. E realiza-se num momento em que parece ser necessário fazer “o ponto da situação” à recepção deste documento pós-sinodal pelas dioceses e seus serviços, designadamente pelas paróquias, âmbitos eclesiais mais próximos às pessoas.

"Quando Amoris Laetitia foi divulgada, foi discutida brevemente... mas não houve um interesse geral da paróquia em ler o documento na íntegra", confessa um leigo participante no referido congresso. Confissão que, certamente, muitos outros podem subscrever. 

"É triste dizer que a maioria dos que responderam (a um inquérito lançado para auscultar a realidade) diz que houve pouco impacto", revelou Vanessa White, leiga teóloga da União Teológica Católica, dos Estados Unidos. Revelação que constata o que estará a acontecer, ainda agora, em outras comunidades.

Catalunha em espera para ser independente


Se a moda pega, tenho para mim que haverá hipóteses de outras nações lutarem pela independência. Um povo com caraterísticas próprias, com um linguajar típico, com tradições que pretendem preservar, com economia sustentável, entre outros requisitos, também terá direito a seguir uma vida independente. Para já, não estou a pensar em nada de concreto, mas a hipótese mantém-se. No entanto...
Imaginem que a Galiza também sonha como a Catalunha, desejando unir-se a Portugal com quem tem tantas afinidades? E o País Basco que tanta guerra fez, há anos, para se libertar da Espanha? E a nossa Madeira também não navegou por essas águas? E os Açores? E fico-me por aqui, embora me apetecesse falar de outros casos. Estou a brincar... mas quantas vezes a brincar se dizem coisas certas. Cá para nós, para longe vá o agoiro, mas se o povo quiser... Não é o povo quem mais ordena?


segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Georgino Rocha — João Almiro de Melo Meneses e Castro



João Almiro de Melo Meneses e Castro (de agora em diante João Almiro) nasce no seio de uma família cristã, a 24 de Junho de 1926, em Canas de Santa Maria, Tondela. Tem vários irmãos. O pai era médico e exercia uma grande influência no filho João que pretendia seguir-lhe os passos. Mas foi dissuadido por ele, pois já havia na família “médicos suficientes”. Em Coimbra especializa-se em farmácia, exercendo a profissão de farmacêutico durante muitos anos com entusiasmo e competência. Casa catolicamente e tem sete filhos. Na relação com eles, aprende a ser pai e, levado pelo coração, alarga o amor a quem a vida não bafeja nem sorri, aos excluídos sociais, por tendências desviantes, por influências negativas ou por pressão de condições desumanas envolventes.

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domingo, 8 de outubro de 2017

Bento Domingues — Tranquilizar ou desassossegar Fátima? (2)



1. Um amigo, depois de ler o meu texto do domingo passado, pediu-me para deixar Fátima em paz. Depois da intoxicação mediática em torno do centenário, é saudável deixar arrefecer essas alucinações. Lembrei-lhe que ainda não se fez uma avaliação deste ano, pois ainda estão em curso preparações de novos congressos. A avaliação que já deveria ter sido feita é a da vinda do Papa Francisco a Fátima.
Paulo VI foi o primeiro Papa que veio a Fátima em circunstâncias que já foram analisadas de diversos pontos de vista. João Paulo II foi à Cova da Iria mais do que uma vez. Bento XVI presidiu à peregrinação de 12 e 13 de Maio de 2010. Como Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé já tinha serenado, do ponto de vista teológico, o empirismo que dominava a discussão sobre as aparições/visões.
O Papa Francisco veio como peregrino, a 12 e 13 de Maio 2017. Não trouxe uma rosa de ouro, não foi agredido nem miraculado em Fátima, não se ocupou com as narrativas sobre o inferno, o purgatório, a Rússia e a devoção dos primeiros sábados. Não teve de fazer nenhuma das consagrações pedidas à Lúcia por N. Senhora. As consagrações que Ela exigiu, tantas vezes ensaiadas, já estavam finalmente aprovadas. Também não havia mais nenhum segredo a revelar. A devoção ao rosário, em 1917, já tinha séculos. A canonização da Jacinta e do Francisco tanto poderiam ter sido feitas na Cova da Iria como na Praça de S. Pedro. Então não veio cá fazer nada?
Em duas breves homilias virou tudo do avesso. Em Fátima, a grande preocupação eram os sofrimentos de Deus, dos corações de Jesus e de Maria por causa dos nossos pecados. Era preciso multiplicar os sacrifícios para reparar o Céu ofendido. O Papa conhecia esse mundo que não é o dele. De que se lembrou? Escolheu, das várias narrativas locais, uma que lhe permitiu introduzir um novo horizonte. “Não vês tanta estrada, tantos caminhos e campos cheios de gente, a chorar com fome, e não tem nada para comer? E o Santo Padre numa Igreja, diante do Imaculado Coração de Maria, a rezar? E tanta gente a rezar com ele?”
Voltou-se, então, para os seus companheiros de peregrinação: “Irmãos e irmãs, obrigado por me terem acompanhado! Não podia deixar de vir aqui venerar a Virgem Mãe e confiar-lhe os seus filhos e filhas. Sob o seu manto, não se perdem; dos seus braços, virá a esperança e a paz que necessitam e que suplico para todos os meus irmãos no Baptismo e em humanidade, de modo especial para os doentes e pessoas com deficiência, os presos e desempregados, os pobres e abandonados.”
Não se pode confundir esta passagem com mais uma beatice mariana. Bergoglio desvia o olhar dos peregrinos para a terra de todos os irmãos no Baptismo que envolve católicos, protestantes, membros das Igrejas Orientais e todos os que se reconhecem no Espírito de Jesus Cristo. Não são apenas os que vão a Fátima! Mas não fica por aí. Quem reconhecesse como irmãos apenas os que se dizem cristãos era um traidor ao Evangelho, um anti-ecuménico. Por isso, o Papa acrescenta: e de todos os irmãos em humanidade! Este universalismo podia ficar numa abstracção. Mas ele concretiza: os nossos irmãos em humanidade que mais precisam de cuidados especiais são os doentes e pessoas com deficiência, os presos e desempregados, os pobres e abandonados.
Importa meditar nesta redobrada tentativa de evangelizar a chamada espiritualidade de Fátima. Muito se repetiu que Fátima não era mais do que o Evangelho. Essa repetição servia, precisamente, para o esquecer. A peregrinação do Papa Francisco foi intencionalmente missionária: procurar evangelizar Fátima, para que ela se transforme num foco de evangelização. Repare-se neste texto de antologia:
“Queridos irmãos, rezamos a Deus com a esperança de que nos escutem os homens e dirigimo-nos aos homens com a certeza de que é Deus quem nos vale. Pois Ele criou-nos como uma esperança para os outros, uma esperança real e realizável segundo o estado de vida de cada um. Ao ‘pedir’ e ‘exigir’ o cumprimento dos nossos deveres de estado (carta da Irmã Lúcia, 28/II/1943), o Céu desencadeia aqui uma verdadeira mobilização geral contra esta indiferença que nos gela o coração e agrava a miopia do olhar. Não queiramos ser uma esperança abortada! A vida só pode sobreviver graças à generosidade de outra vida [...]”.
“Sob a protecção de Maria, sejamos, no mundo, sentinelas da madrugada que sabem contemplar o verdadeiro rosto de Jesus Salvador, aquele que brilha na Páscoa, e descobrir novamente o rosto jovem e belo da Igreja, que brilha quando é missionária, acolhedora, livre, fiel, pobre de meios e rica no amor.”

2. O que nunca se poderia esperar que um dia viesse a ser proclamado em Fátima, por um Papa, aconteceu numa homilia de completo desassossego das untuosas orações e invocações do costume. Maria, a subversiva do Magnificat, que Maurras agradecia que fosse cantado em latim para que ninguém o pudesse entender, apareceu, finalmente, em Fátima:
“Peregrinos com Maria... Qual Maria? Uma ‘Mestra de vida espiritual’, a primeira que seguiu Cristo pelo caminho ‘estreito’ da cruz dando-nos o exemplo, ou então uma Senhora ‘inatingível’ e, consequentemente, inimitável? A ‘Bendita por ter acreditado’ (cf. Lc 1, 42.45) sempre e em todas as circunstâncias nas palavras divinas, ou então uma ‘Santinha’ a quem se recorre para obter favores a baixo preço? A Virgem Maria do Evangelho, venerada pela Igreja orante, ou uma esboçada por sensibilidades subjectivas que A vêem segurando o braço justiceiro de Deus pronto a castigar: uma Maria melhor do que Cristo, visto como Juiz impiedoso; mais misericordiosa que o Cordeiro imolado por nós? Grande injustiça fazemos a Deus e à sua graça, quando se afirma, em primeiro lugar, que os pecados são punidos pelo seu julgamento, sem antepor — como mostra o Evangelho — que são perdoados pela sua misericórdia! Devemos antepor a misericórdia ao julgamento e, em todo o caso, o julgamento de Deus será sempre feito à luz da sua misericórdia”.

3. Como essas homilias do Papa são textos e proclamações de desassossego, o método para que fique tudo como dantes, na tranquilidade de quem desvia os olhos da terra, é preciso não as ler, não as meditar, não as propor. Fazer de conta que foram desabafos de um simples peregrino habituado a ter os olhos abertos para todas as periferias existenciais.
Este Papa é um pouco estranho. Parece não acreditar que as viagens de uma imagem peregrina de N. Senhora possam substituir uma Igreja de saída. Para ele tem de ser um hospital de campanha, pronto a socorrer os que a indiferença deixou abandonados nas valetas da vida. E para nós?

Frei Bento Domingues, no Público 

A nossa gente: Mestre Vareta


Neste mês de outubro, em que se assinala o 16.º Aniversário da Ampliação e Remodelação do Museu Marítimo de Ílhavo, dedicamos a rubrica “A Nossa Gente” a José Rodrigues Vareta, também conhecido por “Mestre Vareta”.
Nascido na Gafanha da Nazaré, a 24 de outubro de 1930, o Mestre Vareta estudou na Escola Primária da Chave, onde estudou até à 4.ª classe. Com apenas 14 anos de idade, começou a trabalhar como ajudante de Carpinteiro Naval nos antigos Estaleiros Mónica, empresa de referência na construção de navios da frota bacalhoeira nacional.
Tornou-se, depois, Carpinteiro Oficial passando pelas suas mãos navios como o “Condestável”, o “Lutador” ou o “Inácio Cunha”, destacando o “Celeste Maria” e o “Ilhavense” como muito especiais. Tempos bons aqueles em que via partir os navios para a Faina Maior, a pesca do bacalhau à linha praticada por homens e navios portugueses durante os séculos XIX e XX, regressando meses mais tarde, abastecidos de bacalhau, ao Cais dos Bacalhoeiros, na Gafanha da Nazaré, onde, sempre que podia, os ia apreciar.
Reformado desde os 65 anos, passou a dedicar-se à construção de miniaturas de barcos e outros apetrechos de madeira, autênticas réplicas de navios bacalhoeiros, dos seus dóris e de diversos utensílios usados pelos pescadores, como o foquim ou a bilha
O Mestre Vareta estará para sempre ligado à Sala da Faina Maior Capitão Francisco Marques do Museu Marítimo de Ílhavo: fez parte do grupo que construiu, em tamanho real, o belo iate da pesca do bacalhau que se encontra no centro daquela sala, representando um navio típico das primeiras décadas do século XX.
Talhado a meia água ou pelo limite inferior do convés, permite aos visitantes ir a bordo e tocar todos os elementos materiais que faziam parte da grande faina. Foi um desafio lançado pelo Capitão Francisco Marques que José Vareta aceitou com muito orgulho, recordando o antigo Diretor do Museu Marítimo de Ílhavo como “um homem com muitos conhecimentos, muito saber e muito simples”.
Com quase 87 anos de uma vida preenchida, o Mestre Vareta continua a fazer aquilo que mais gosta, laborar minuciosamente a madeira, imprimindo arte e amor nas suas peças e recordando, com saudade, histórias da sua vida profissional, tendo sempre como premissa manter-se ativo e útil.

Fonte: Agenda "Viver em..." da CMI, mês de outubro.

Nota: Congratulo-me com a distinção atribuída a Mestre Vareta, que conheço desde sempre. Era eu jovem, quando o mestre veio residir para bem perto da minha família. Sempre o vi e apreciei como um homem sereno, trabalhar e respeitado por toda a gente. O  mesmo fazia ele em relação a todos. 
A vida dá sempre muitas voltas e o Mestre José Vareta mudou-se para o lugar da Chave, onde ainda vive. E reformado, não descurou a seu gosto pela carpintaria naval, construindo agora miniaturas, como refere a agenda "Viver em..." da CMI. Entrevistei-o há meses e gostei de o ver como sempre o vi: feliz com a vida que Deus lhe tem dado. Ele merece. Um abraço de parabéns.

Ler a entrevista que ele me concedeu aqui 

Fernando Martins

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