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sábado, 11 de novembro de 2006

UM LIVRO DE FLANNERY O’CONNOR


"UM BOM HOMEM
É DIFÍCIL DE ENCONTRAR”

Confesso que não conhecia a escritora Flannery O’Connor, como não conheço, obviamente, muitas outras. Aliás, é impossível conhecer tantos e tantos escritores bons, cujas obras enchem os escaparates das livrarias e… das grandes superfícies comerciais. Esta escritora americana, falecida em 1964 com apenas 39 anos, foi-me revelada pelo padre e poeta José Tolentino Mendonça, em ensaio publicado no caderno “Mil Folhas”, do “PÚBLICO”, com tais encómios, que não pude deixar de comprar este livro, que agora foi editado pela editora Cavalo de Ferro. 
A tradução foi da bióloga e escritora Clara Pinto Correia, que afirmou, a propósito desta preciosidade: “Li as histórias todas, uma por uma, noite dentro, sempre a sentir-me quase na margem do rio por onde se navega para outra dimensão qualquer. Era incrível. Era hipnótico. Era impossível de interromper antes de chegar ao fim e depois eu apagava a luz e ficava a dar voltas na cama (…). 
A minha Flannery morreu em 1964. Descubram-na agora e cada um que julgue por si mesmo.” Senti o mesmo quando li os contos que Flannery criou para quem gosta mesmo de ler. O pormenor das descrições de uma época, cheia de contrastes, e o fascínio dos desfechos dos contos, mais a tranquilidade com que a escritora me envolveu, deixaram-me, realmente, fascinado. 
Na contracapa há uma transcrição do “New York Times”, que é mais um desafio a quem aprecia boa literatura. Diz assim: “Ela não era só a melhor escritora deste tempo e lugar: ela conseguiu expressar algo secreto sobre a América, algo chamado Sul, com um dom transcendente de expressar o espírito real de uma cultura que é transmitido por escritores que se tornam naquilo que vêem. Ela era um génio.”
Esta pode ser uma óptima aposta para um fim-de-semana mais calmo e mais rico. 

Fernando Martins

domingo, 22 de outubro de 2006

O SORTILÉGIO DA SERRA



24 HORAS
NA PAZ DA MONTANHA

Como homem do mar e da ria, pisando chão plano, sempre sonhei, desde menino, com a magia da serra. Anos e anos olhei para as silhuetas das montanhas, bem visíveis em dias claros, com sonhos de um dia sentir ao vivo a paz dos montes, rodeado do silêncio e da verdura da floresta virgem. Já crescido, recordo os meus primeiros contactos com a serra e senti muitas vezes, ao longo da vida, o sortilégio da montanha, onde vou quando posso. E o mais curioso é que, quando a visito, novas sensações me invadem a ponto de alimentar, nem sei porquê, projectos inviáveis de me fixar nos montes de vidas mais calmas e da tranquilidade absoluta que me aproxima de modo diferente do espiritual. 
Por 24 horas, fui mais uma vez ao Caramulo, onde há recantos aparentemente nunca vistos. Recantos que vamos descobrindo e redescobrindo em cada esquina, sobretudo em aldeias quase despovoadas, que estão carregados de história e de estórias que são, sem dúvida, riqueza que não pode continuar ignorada.
Dia de chuva, ora miudinha ora pesada e agressiva, com nuvens negras a indiciarem o Inverno que oficialmente ainda vem longe, as 24 horas que passei na serra proporcionaram-me uma paz interior que foi saboroso viver. 
Da janela da casa que me acolheu, fui contemplando a floresta que os fogos de Verão, felizmente, não têm mutilado nem nunca, ao que soube, transformaram em montanha de cadáveres hirtos e ressequidos. Nem carros acelerando e chiando nas cursas, que as há por ali, nem cães que ladram e gente que grita, nem altifalantes que anunciam aos berros arranhados a próxima festa, nem aviões em exercícios mecânicos e enfadonhos, nada perturbava o sossego da montanha que vivia, tranquilamente, a sua existência milenar. 
Dei comigo a prescindir da música armazenada para ouvir o silêncio apenas perturbado, docemente, pela chuva miudinha que teimava em cair, senti o prazer de conversar ignorando a caixa mágica que mudou e moldou o mundo, deliciei-me com a sesta reconfortante, apreciei um conto da escritora Flannery O’Connor que me deixou emocionado… Passeei por ruas tortuosas despidas de gente, olhei com curiosidade para a toponímia da terra, parei na fonte que corria ininterruptamente, decerto há séculos, admirei a vegetação espontânea que tudo cobre, ouvi estórias de gente que trabalhou e que sofreu, aprendendo na vida a vencer obstáculos e a ser feliz. 
As nuvens acompanharam-me neste andar e neste estar, alimentando, com as suas correrias mágicas, ao sabor do vento, os meus sonhos, que nunca me abandonaram, de um dia correr mundo, como elas... E tudo isto, e muito mais, graças a bons amigos que sabem muito dos meus sonhos e dos meus gostos.

 Fernando Martins