Reflexão de Georgino Rocha
- Tende cuidado. Não vos deixeis enganar
“Colocando no centro os pobres ao inaugurar o seu Reino, Jesus quer-nos dizer precisamente isto: Ele inaugurou, mas confiou-nos, a nós seus discípulos, a tarefa de lhe dar seguimento, com a responsabilidade de dar esperança aos pobres. Sobretudo num período como o nosso, é preciso reanimar a esperança e restabelecer a confiança. É um programa que a comunidade cristã não pode subestimar. Disso depende a credibilidade do nosso anúncio e do testemunho dos cristãos”
Papa Francisco
Jesus está nas imediações do templo de Jerusalém. Vive os últimos dias, antes da sua paixão e morte. Conversa com alguns acompanhantes encantados com a majestade e a beleza do que vêem. Estão maravilhados e cheios de confiança. Contemplam o edifício e observam a afluência de pessoas devotas que vão lançar as suas ofertas nas caixas do tesouro. Sentem um orgulho compreensível pela história e funcionalidade do centro de peregrinação “nacional”, aonde todos acorrem. Lc 21, 5-19
Jesus, bom observador e insigne pedagogo, tem um outro olhar e faz uma outra avaliação, sentenciando: “Dias virão em que de tudo o que estais a ver não ficará pedra sobre pedra”. E acrescenta: “Tende cuidado; não vos deixeis enganar”. Como prevenção enumera alguns exemplos do que acontecerá: chegada de pretensos messias, anúncio de guerras e revoltas entre povos, fenómenos espantosos e outros grandes sinais. Exorta a que não tenham medo e aproveita este cenário para fazer um dos seus ensinamentos mais expressivos sobre o valor do tempo presente, numa perspectiva do futuro definitivo, sobre a atitude fundamental a cultivar na esperança activa e perseverante, sobre os comportamentos corajosos, alicerçados, não na fragilidade humana, mas na convicção consistente de que o Espírito de Jesus estará presente e actuante.
Lucas, o narrador do episódio, escreve o seu Evangelho passados cerca de quarenta anos. Muitos factos já tinham ocorrido e outros estão ainda a suceder hoje. O templo é pilhado e arruinado, aquando da invasão de Jerusalém, pelas tropas de Tito (pelos anos 70). A população é subjugada e muitos judeus são trucidados. A hostilidade para com os cristãos é crescente e converte-se em atitudes frontais que chegam à perseguição e à morte. Como se verifica ainda nos nossos dias em tão grande número e em tantos países. Infelizmente!
Jesus vê com um olhar desencantado e lúcido o fim próximo. “Tal como o templo (e o seu sistema de ofertas e de santificações), também todas as construções e realizações mais santas e espirituais do homem são caducas, finitas. Não são elas que devem prender o olhar e a atenção, mas o Senhor que vem e do qual elas querem apenas ser um sinal”. Manicardi.
“Tende cuidado; não vos deixeis enganar”. A aparência é diferente da realidade. Muitos se apresentam como defensores da verdade e anunciadores de um futuro sedutor, como amigos dos pobres e porta-vozes dos esquecidos e marginalizados, como devotos fervorosos e vistosos praticantes. Fazem brilhar a sua aparência. A realidade é bem diferente: propagação de meias verdades e de mentiras camufladas, exploradores de desamparados e de piedosos devotos. Tende cuidado. O engano é uma possibilidade real que confunde e desacredita. Desumaniza. “O espaço religioso e eclesial é também cenário de enganos e imposturas que se manifestam. Sobretudo, na pretensão de verdade absoluta e indiscutível. O cristão é chamado a dizer não: a ordem «Não os sigais» é tão forte como a ordem dada noutras vezes por Jesus: “Segui-me”, afirma Manicardi.
“Tende cuidado; não vos deixeis enganar”. A calamidade, por maior que seja, não anuncia o fim do mundo. Mostra a sua fragilidade precária e emite alertas de prevenção. O cristão está chamado a empreender a luta activa contra o medo e o poder paralisante do terror. “Não vos alarmeis”, diz o Senhor (Lc 21, 9); está chamado a ser humilde, a reconhecer que o seu tempo não é a totalidade do tempo nem a sua vida a totalidade da história; está chamado a ser perseverante e paciente, firme e resistente. “Queremos preservar para vós, jovens, para a nova geração, afirma Bonhoeffer a partir da prisão de Tegel, em 1944, a alma com cuja força devereis projectar, construir e modelar uma vida nova e melhor”.
Celebra-se neste penúltimo domingo do ano litúrgico o Dia Mundial do Pobre, iniciativa do Papa Francisco na sequência do Jubileu da Misericórdia. O último será dedicado a Jesus Cristo, Senhor do Universo. Pretende destacar a relação entre ambos, de Cristo e do Pobre e despertar a consciência humana, sobretudo cristã, para a sua responsabilidade de intervenção libertadora. Nesse sentido, o Papa dirige ao mundo e à Igreja uma mensagem cheia de realismo e de esperança, de que extraímos a seguinte passagem: “Colocando no centro os pobres ao inaugurar o seu Reino, Jesus quer-nos dizer precisamente isto: Ele inaugurou, mas confiou-nos, a nós seus discípulos, a tarefa de lhe dar seguimento, com a responsabilidade de dar esperança aos pobres. Sobretudo num período como o nosso, é preciso reanimar a esperança e restabelecer a confiança. É um programa que a comunidade cristã não pode subestimar. Disso depende a credibilidade do nosso anúncio e do testemunho dos cristãos”.
Georgino Rocha