
Assim ele tinha a paixão dos objectos,
conchas, rodas, ramos secos, utensílios,
coisas aparentemente desmembradas e soltas,
que encontrava ao acaso em ferros-velhos,
pequenas lojas escuras, vãos de porta, recantos poeirentos,
ou apanhava do chão quando passava,
entre vagos montões de sucata ou de lixo,
e depois se transformavam
quando ele lhes encontrava na casa um local certo,
porque conhecia a sua identidade profunda,
o rosto oculto que elas não revelavam facilmente.
Deixava-as vir devagar à superfície de si próprias,
as suas mãos eram sempre pacientes com as coisas,
e também o olhar que descobria a sua intimidade
e a partir delas as combinava,
porque nem todas se entendiam entre si,
era preciso estar atento às suas afinidades ou
disparidades, mesmo às menos evidentes.
Mas ele tinha o segredo da harmonia.
Teolinda Gersão (n. 1940)