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sábado, 9 de agosto de 2025

PÁRA E PENSA - Onde está o Homem?

Crónicas semanal 
de Anselmo Borges

Onde está o Homem?


Perante os horrores do nosso mundo — só exemplos: Gaza, Ucrânia, Sudão, Myanmar... —, como a gente entende o clamor vertiginoso, infinito: Onde está Deus? Mas este grito não pode de modo nenhum dar ao esquecimento outro grito mais urgente, próximo e terrível: Onde está o Homem? Como é possível tanto horror, tanta monstruosidade!...
Sim, onde está o Homem?

Anselmo Borges

Padre e Professor de Filosofia

Sábado, 9 de Agosto de 2025

sábado, 19 de julho de 2025

PÁRA E PENSA - O CRISTO PENSADOR

Crónica semanal
de Anselmo Borges

Karl Rahner, talvez o maior teólogo católico do século XX — tenho a honra de ter sido seu aluno —, deixou escapar um dia, numa aula, uma daquelas observações que nunca mais se esquecem: na Igreja católica é obrigatório confessar os pecados graves e mortais, mas não estava a ver que algum bispo ou padre ou superior religioso, ministro ou professor católico se tenha confessado do pecado grave e, frequentemente, mortal, da ignorância culpada, da incompetência fatal, da inteligência irresponsavelmente menorizada.
Em geral, nas igrejas, faz-se muito pouco apelo à razão, à reflexão crítica, à pergunta. Como se a fé não tivesse de conviver com a inteligência, com a dúvida e com a pergunta. Os cristãos — mas isso acontece em todas as religiões — parece que ficam tolhidos na sua capacidade de perguntar. No entanto, Jesus morreu a rezar esta pergunta infinita que atravessa os séculos: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?” e, perto de nós, Martin Heidegger, um dos filósofos mais influentes do século XX, escreveu que “a pergunta é a piedade do pensamento”.

sábado, 5 de julho de 2025

PERIGO MAIOR

Crónica semanal
de Anselmo Borges
A  AGITAÇÃO PARALISANTE  
E A PARALISIA AGITANTE 

A questão que o ser humano é para si mesmo mostra-se paradoxal. Por um lado, é inevitável: o abismo insuperável entre o que espera e quer ser e o que realmente alcança, obriga-o a perguntar: o que sou?Que ser é esse que é entre ser e não ser e que nunca é plenamente? Por outro lado, a questão é insolúvel, porque, para conhecer-se, ele precisava de saltar para fora de si em ordem a poder ver-se de fora, objectivamente. Ora, precisamente este salto é impossível.
Depois, o ser humano vive-se a si mesmo em processo e em tensão. E são muitas as suas tensões. Lá está sempre a pulsão e a lógica, a afectividade e o pensamento, o inconsciente e o consciente, a emoção e o cálculo, o impulso e a razão. Aliás, essa tensão inscreve-se numa base neurofisiológica — há o cérebro que funciona holisticamente, mas com três níveis: o paleocérebro, o cérebro arcaico, reptiliano, o mesocéfalo, o cérebro da afectividade, e o córtex com o neocórtex, em conexão com as capacidades lógico-racionais. Não é sabido, até por experiência própria, que muitas vezes as respostas emocionais escapam ao controlo racional por causa do chamado “atalho neuronal” e do “sequestro emocional”, como mostrou Paul D. Mac Lean? De repente, demos uma resposta a alguém de que depois nos arrependemos, a pulsão sobrepôs-se à razão...

sábado, 7 de junho de 2025

PÁRA E PENSA - Babel e o Pentecostes

Crónica semanal 
de Anselmo Borges

Quando, este Domingo, se fala do Espírito Santo e do Pentecostes, é preciso tomaconsciência de que só se alcança a sua compreensão adequada, contrapondo o  Pentecostes a Babel e à sua Torre, esse acontecimento mítico tão conhecido, descrito no livro primeiro da Bíblia, o Génesis. É um mito, mas o mito transporta consigo uma verdade fundamental, dá que pensar, como escreveu o grande filósofo do século XX, Paul Ricoeur.
Diz a Bíblia que Javé, ao ver a maldade dos homens sobre a Terra, maldade que não deixava de crescer, se arrependeu de ter criado o Homen e se sentiu magoado no seu coração. Por isso, mandou o dilúvio, mas renovou a sua aliança com Noé e com a criação inteira, aliança figurada, ainda que de forma ingénua, no arco-íris, unindo o Céu e a Terra. Mas, um dia, continua a narrativa do Génesis, os homens disseram: construamos uma cidade e uma Torre cujo ápice penetre nos céus. 

sábado, 24 de maio de 2025

PÁRA E PENSA: O novo normal

Crónica semanal
de Anselmo Borges

1. Há dias, Ursula von der Leyen fez uma comunicação de abalo e despertar. Nela, referiu que “hoje aumentam as tensões geopolíticas. As regras comerciais estão a ser reescritas”, caindo-se numa guerra comercial global. “Acontecimentos climáticos extremos são cada vez mais frequentes, devido às mudanças climáticas. A mudança nas tecnologias é cada vez mais rápida”, apresentando o exemplo da IA (inteligência artificial), que está a evoluir mais rapidamente do que imaginaríamos há algum tempo...

2. Para rematar: “The ‘new’ normal is anything but ‘normal’.” O ‘novo normal é tudo menos ‘normal’.” Entretanto, uma boa amiga escreveu-me nestes termos: “Estou tão triste, meu amigo. Que mundo vamos deixar aos jovens? Que planeta? Que pessoas? Onde vamos buscar esperança?”

3. Ah! Se, nesta corrida vertiginosa e louca em que embarcámos, cada uma, cada um, parasse! Para pensar. Pensar vem do latim “pensare”, que quer dizer pesar razões e, portanto, reflectir, meditar..., para ir ao essencial.

Anselmo Borges

Padre e Professor de Filosofia

Sábado, 24 de Maio de 2025

sábado, 17 de maio de 2025

PÁRA E PENSA: Mudanças na Constituição da Igreja

Crónica semanal 
de Anselmo Borges

Estes dias desde a morte do Papa Francisco em que os meios de comunicação social estiveram concentrados no Vaticano, infelizmente muitas vezes nem sempre pelas melhores razões cristãs no sentido fundo da palavra, pois lembrava-se por vezes mais a pompa e o fausto das cortes imperiais dos antigos impérios, deveriam ter sido uma ocasião para reflectir de modo fundo sobre o cristianismo na sua profundidade essencial, a melhor mensagem que alguma vez chegou à Humanidade na sua História e, dessa reflexão, tirar necessárias e urgentes conclusões, para voltar precisamente ao essencial.
1. É confrangedor e mesmo horripilante saber que há ainda quem pregue e até ensine na catequese que Jesus veio ao mundo, enviado por Deus, para ser crucificado como vítima expiatória pelos pecados. Por causa do pecado dos primeiros pais, a Humanidade tinha uma dívida infinita para com Deus, que Jesus pagou na cruz, e assim Deus pôde aplacar a sua ira e reconciliar-se com a Humanidade.
Em relação a este Deus bárbaro e macabro, pior do que qualquer ser humano decente e que faz lembrar os deuses a quem as pessoas sacrificavam os seus filhos primogénitos como vítimas para os aplacar e implorar bens e graças, eu pessoalmente sou ateu.

sábado, 29 de março de 2025

PÁRA E PENSA : Cuidado e Saúde

Crónica de Anselmo Borges

Na crónica anterior, reflectimos sobre o cuidado. Ora, a saúde está intrinsecamente vinculada ao cuidado. Viver é ser cuidado, é ter cuidado, é cuidar. Cuidar de nós, cuidar dos outros — a solidão mata —, cuidar da natureza, dos amigos — a vida sem amigos não presta, já observou Aristóteles —, cuidar da natureza, cuidar do Sagrado, da Transcendência, do sentido, Sentido último... Significativamente, o étimo de saúde é salus, salutis, que está na base também de salvação... E também dizemos que alguém está são, utilizando a mesma palavra para santo — por exemplo São José.
Vamos, pois, continuar a reflexão, retomando reflexões anteriores e chamando, desde já, atenção para que, quando se fala de saúde, devemos fazê-lo no sentido holístico (do grego, hólon: todo enquanto mais do que a soma das partes). No inglês, saúde diz-se health e santo diz-se holy, provindo as duas palavras de the whole — de novo o todo enquanto mais do que a soma das partes
A saúde tem, portanto, um carácter pluridimensional. No sentido autenticamente humano inclui vários níveis:

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

O Homem: questão para si mesmo. 14

A morte e o intolerável


Conta-se que um dia um padre entrou na igreja e viu Deus a rezar. Terrivelmente perplexo, perguntava a si mesmo a quem é que Deus poderia rezar. Aproximou-se, e constatou, com espanto, que, Deus rezava ao homem: “Homem, se existes, mostra-te, aparece!” Mas Deus, o criador, devia saber que o homem existe - como é que perguntava por ele?! De qualquer modo, daí para diante, o padre anunciava por toda a parte que Deus existe: ele próprio tinha-o visto a rezar ao homem, a perguntar por ele...
Nesta história - ingénua? -, está presente aquela urgência em que consiste a questão de Deus, que Eduardo Lourenço traduziu assim: “Deus? O problema é saber se nós existimos para Deus.”
Afinal, porque é que perguntaríamos por Deus, se ele não estivesse presente em nós? Como é que o procuraríamos, se, como explicitaram concretamente Santo Agostinho e Pascal, o não tivéssemos já encontrado?
Deus está presente, pelo menos como questão aberta, essencialmente na pergunta irrecusável pelo sentido último. A existência humana é uma caminhada de sentido em sentido: tem sentido crescer e aumentar os conhecimentos, tem sentido casar, formar família, ter filhos, educá-los, procurar uma realização profissional, tem sentido bater-se pela Justiça, festejar, fazer investigação para aprofundar a compreensão do mundo e transformá-lo, sacrificar-se pela edificação de uma sociedade mais justa e feliz... Mas se, no fim, pela morte, tudo desembocasse no nada, então, em última análise, tudo apareceria sem sentido, precisamente porque a vida é essa caminhada de sentido em sentido, à procura do Sentido último, e, no final, era o nada. Precisamente esse nada é intolerável.

sábado, 15 de junho de 2024

O cómico e o riso no Vaticano

Crónica de Anselmo 
no Diário de Notícias

1. Este texto foi escrito antes da realização de um acontecimento que julgo muito significativo e que teria lugar no Vaticano no dia de ontem: o encontro do Papa Francisco com mais de 100 humoristas de todo o mundo, entre eles Joana Marques, Maria Rueff e Ricardo Araújo Pereira.
Um encontro organizado pelo Dicastério para a Cultura e a Educação e pelo Dicastério da Comunicação. O seu objectivo: “estabelecer um diálogo entre a Igreja Católica e os humoristas”. “Francisco reconhece o grande impacto que a arte da comédia tem no mundo da cultura contemporânea. Através do talento humorístico e do valor unificador do riso nos dias de hoje, são oferecidas reflexões únicas sobre a condição humana e a situação histórica. Além disso, a arte da comédia pode contribuir para um mundo mais empático e solidário”, referia o comunicado do Vaticano, acrescentando que “o encontro entre Francisco e os actores cómicos do mundo pretende celebrar a beleza da diversidade humana e promover uma mensagem de paz, amor e solidariedade, e promete ser um momento significativo de diálogo intercultural de partilha de alegria e esperança.

domingo, 2 de junho de 2024

A FESTA DO BANQUETE

Crónica de Anselmo Borges
no Diário de Notícias

Na festa do Corpo de Deus, há quem pergunte se os católicos acreditam na presença real de Cristo na Eucaristia. A resposta é sim. Mas é preciso distinguir entre a presença física e coisista e a presença real pessoal. Por exemplo, um homem e uma mulher, pela relação sexual, estão fisicamente presentes, mas, se não houver amor, estão realmente ausentes enquanto pessoas. Porém, até pode acontecer que, por qualquer motivo, tenham de estar fisicamente ausentes, mas se há amor, continua a presença real entre eles. Os católicos não crêem na presença físico-coisista de Cristo, mas na sua presença espiritual, dando o seu Espírito de Vida, de Amor, de Paz: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei.” Isso tem de ter consequências na vida.
Não é verdade que uma das alegrias grandes que podemos conceder-nos é oferecer um almoço ou um jantar, pelo simples prazer de estarmos juntos? Será possível imaginar uma festa - um casamento, um aniversário, um reencontro - sem um banquete, por mais simples que seja?

sábado, 6 de abril de 2024

O Deus solidário com as vítimas

Crónica de Anselmo Borges
para este fim-de-semana

Comunidades cristãs vivas estão assentes em três núcleos ou pilares, que se interpenetram e exigem mutuamente.
Evidentemente, tudo se baseia na fé em Jesus Cristo e no seu Evangelho — Deus é bom, Pai e Mãe — como determinantes na vida e na morte e a celebração fraterna e bela dessa fé.
O outro núcleo é o da prática da justiça e do amor, o do combate lúcido e eficaz pela dignidade livre de todos os homens e mulheres, a começar pelos mais pobres, pelos humilhados e excluídos, no seguimento de Jesus, do que Ele fez e como fez. Não há religião verdadeira sem justiça e solidariedade. Mas isto implica que a justiça e o respeito pelos direitos humanos têm de começar pelo interior da própria Igreja. Na Igreja, Jesus queria mais do que uma democracia, pois o que Ele propunha era uma filadélfia, isto é, comunidades de amigos e irmãos (lê-se no Evangelho de S. João: “Já não vos chamo servos, mas amigos”).
O terceiro núcleo, que pode ser o primeiro, é o da pastoral da pergunta, da interrogação, e tem a ver com dar razões da dúvida e razões da fé e da esperança. Lá está a Primeira Carta de São Pedro, capítulo 3, versículo 15: “No íntimo do vosso coração, confessai Cristo como Senhor, sempre dispostos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que vo-la peça.” Isto significa que a fé não pode encerrar-se nas muralhas de um dogmatismo fixo e morto, tem de abrir-se ao diálogo e à razão crítica.

sábado, 30 de março de 2024

Sexta-Feira Santa, Sábado Santo, Páscoa

Crónica Semanal de Anselmo Borges
Padre e professor de Filosofia

Deus é radicalmente questionado quando se é confrontado com a realidade brutal dos holocaustos da História e concretamente com a tortura e a morte dos inocentes. Neste domínio, é sempre incontornável a passagem célebre de Os Irmãos Karamázov, de Dostoiévski, em que Ivan Karamázov refere precisamente a crueldade exercida sobre as criança inocentes. "A ciência toda não vale as lágrimas das crianças", proclama. O que faremos com o sofrimento dos inocentes? Como se pode alguma vez justificar o injustificável? É tal a revolta de Ivan Karamázov que ele devolve respeitosamente a Deus o bilhete de entrada na harmonia final da história do mundo.
Em última análise, é o sofrimento e a morte que nos obrigam a pensar. Mas precisamente o sofrimento e a morte são o que a razão nunca entenderá, concretamente quando se trata do sofrimento e da morte das vítimas inocentes. É por isso que Miguel de Unamuno escreveu: "O mais santo de um templo é que é o lugar onde se vai chorar em comum". E acrescentava de modo dramático: "Um Miserere cantado em comum por uma multidão, açoitada pelo destino, vale tanto como uma filosofia."
O paradoxo é este: face ao calvário do mundo, Deus comparece perante o tribunal da razão. Por outro lado, para haver salvação, também e sobretudo para as vítimas inocentes, ela só pode vir de Deus. Deus tem de justificar-se, e, ao mesmo tempo, só ele pode justificar, isto é, salvar.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Jesus: o poder e a autoridade

Cronica de Anselmo Borges
no Diário de Notícias

Terminada a festa do Carnaval, os cristãos entram na Quaresma: 40 dias de mais profunda meditação, de mais intensa conversão, de amor mais vivo e perfeito, em ordem a poder celebrar com mais dignidade a Páscoa do Senhor enquanto passagem da escravidão à liberdade, da morte à vida.
Logo na quarta-feira de cinzas, é dita a cada um, a cada uma, ao mesmo tempo que lhe é colocada cinza na cabeça em sinal de humildade e exigência de reflexão, aquela palavra de Jesus no início da sua pregação: “Convertei-vos e acreditai no Evangelho”, a Boa Nova, notícia boa e felicitante.
De modo significativo, no primeiro Domingo da Quaresma, lê-se a passagem do Evangelho referente às tentações de Jesus. Ora, é importante que se diga que as três tentações estão todas referidas ao poder: poder económico, poder político, poder religioso. Jesus, antes de iniciar a sua vida pública, foi para o deserto rezar, meditar, e tinha de decidir se queria ser um Messias político, do poder, ou um Messias do amor, do serviço. Foi por esta segunda alternativa que seguiu: “Eu não vim para ser servido, mas para servir”, e servir até dar a vida.

sábado, 27 de janeiro de 2024

As condições do urgente diálogo inter-religioso

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias

Tanta gente que foi morta ao longo dos séculos, vítima do ódio e de interesses económicos, políticos, geoestratégicos, imperativos de monopólio religioso, e em nome de Deus!... Haverá coisa mais abjecta e absurda? É evidente que o deus em nome do qual arbitrariamente se torturou, se assassinou, se vandalizou, não existe. Não passa de um ídolo execrável, que serviu de legitimação a interesses brutais, sujos, selváticos. Escusado será dizer que esse deus idolátrico produz, e tem de produzir inevitavelmente, ateísmo. Matar, mandar matar está nos antípodas do santo nome do Deus vivo.
E hoje essa tragédia continua. E porque entre nós não se fala disso, quero (entre parêntesis) apresentar alguns números sobre a perseguição dos cristãos, sabendo-se que o cristianismo é hoje a religião mais perseguida no mundo. Não é a única, evidentemente - pense-se, por exemplo, nos rohinga, adeptos da religião muçulmana, e na sua perseguição brutal em Myanmar, país maioritariamente budista. Segundo a ONG Puertas Abiertas, no seu relatório de 2024 referente à perseguição dos cristãos, acabado de ser publicado, entre 1 de Outubro de 2022 e 30 de Setembro de 2023, 14 766 lugares de culto foram destruídos ou encerrados e 4998 cristãos foram assassinados.

domingo, 12 de novembro de 2023

Sínodo: tentativa de balanço

Crónica de Anselmo Borges
no Diário de Notícias


O Papa Francisco ficará na História por muitos bons motivos, mas estou convicto de que a razão principal tem a ver com a tentativa de avançar para uma "Igreja sinodal", uma Igreja na qual todos caminham juntos. Percebe-se a revolução que pode constituir, quando se lê este texto do Papa Pio X, que até foi canonizado, na encíclica Vehementer Nos: "A Igreja é por natureza uma sociedade desigual. É uma sociedade composta por uma dupla ordem de pessoas: os pastores e o rebanho, os que têm um posto nos diferentes graus da hierarquia e a multidão (plebs, plebe) dos fiéis. As categorias são de tal modo diferentes umas das outras que só na hierarquia residem a autoridade e o direito necessários para mover e dirigir os membros para o fim da sociedade, enquanto a multidão não tem outro dever senão o de aceitar ser governada e cumprir com submissão as ordens dos seus pastores."

sábado, 29 de julho de 2023

Notas sobre a Igreja Católica em Portugal

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias

A poucos dias do início da Jornada Mundial da Juventude, deixo aí, também a partir de perguntas de jornalistas, inclusivamente estrangeiros, algumas notas dispersas sobre a Igreja em Portugal.

Genericamente, diria que o seu estado geral é um pouco estagnado, falta dinamismo. Entre os pontos mais positivos, parece-me que é de justiça sublinhar, disso ninguém duvidará, o papel social que a Igreja presta aos mais vulneráveis, nomeadamente através das IPSS (instituições particulares de solidariedade social), um papel insubstituível, mas também através de outras instituições como o Banco Alimentar, as conferências vicentinas de São Vicente de Paulo... A Igreja desempenha também um papel importante, decisivo, na salvaguarda de valores essenciais, como a família, a dignidade humana, a solidariedade...

sábado, 6 de maio de 2023

A pessoa em tensão

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias

O Homem vive-se a si mesmo numa tensão insuperável. Por um lado, o corpo é o seu peso, a sua limitação - parece que, se fôssemos espírito puro, poderíamos, por exemplo, estar em todo o lado. Com o tempo, o corpo decai, envelhece e, aparentemente, envilece-nos. Referindo-se ao nascimento, Santo Agostinho, nada exaltado, tem estas palavras cruas: "inter faeces et urinam nascimur", que não traduzo, por ser desnecessário. Adoecemos e desmoronamo-nos. Depois, com a morte, o que resta do corpo é lixo biológico e coisa que apodrece.
Por outro lado, será sempre misterioso um corpo que fala: produz sons que encarnam e transmitem sentido. Um olhar é sempre a visita do infinito. Um corpo humano canta, ora, sorri, produz obras de arte, que param o tempo e visibilizam a transcendência.

sábado, 29 de abril de 2023

O enigma da pessoa humana

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias 

"Nunca trates os seres humanos como coisas, mas sempre como sujeitos e pessoas."

Com as biotecnologias, um dos novos continentes científicos é o cérebro, e a pergunta é se, com os avanços neste domínio, o enigma do ser humano será finalmente superado ou se, pelo contrário, ele permanecerá. Grandes debates se travam entre as neurociências e a filosofia, precisamente por causa de temas candentes e incendiários, como a subjectividade, a autodeterminação, a vontade livre.
Sobre estas questões, o filósofo e professor da Universidade de Tubinga Manfred Frank deu há algum tempo uma longa entrevista ao alemão Die Zeit. O que aí fica reflecte esse debate.
A questão da subjectividade pertence ao núcleo da reflexão humana. Embora algumas correntes filosóficas falem da sua dissolução, penso que o sujeito é ineliminável. Argumento, mostrando que a condição de possibilidade de objectivar -- no caso do Homem, de objectivar-se -- é o sujeito, de tal modo que, por mais que objective de si mesmo, nunca se objectivará completamente, já que continuará a ser o sujeito que (se) objectiva.

sábado, 8 de abril de 2023

"Pára e pensa". A Última Palavra

Crónica de Anselmo Borges 
no Diário de Notícias

Nunca tivemos tanto acesso à informação. Também nunca houve tantos meios de acesso, a ponto de aquilo que é um benefício poder tornar-se um verdadeiro desastre, como muitos especialistas chamam a atenção.
Por exemplo, no seu recente livro El arte de la felicidad, o médico e teólogo Alfred Sonnenfeld, escreve que nesta "era da distracção" corremos o risco de saltar de uma informação para outra sem reflectirmos nos conteúdos. Vivemos na sociedade do "ruído mental", com bombardeamentos constantes de informações e publicidade, e tudo isto nos impõe um "estilo de vida no qual faltam a atenção e a concentração". Se não houver capacidade de distanciamento, o risco é "perdermos as capacidades mais valiosas do pensamento humano: a criatividade, a reflexão e o pensamento crítico". O neurocientista Michel Desmurget, no seu recente livro A fábrica de cretinos digitais, mostra inclusivamente que, por causa da cultura do ecrã e do dedar constante, se está a registar uma diminuição do Quociente de Inteligência (QI).

sábado, 28 de janeiro de 2023

BENTO XVI MORREU. E AGORA, FRANCISCO?

Crónica de Anselmo Borges
no Diário de Notícias

Bento XVI morreu no passado dia 31 de Dezembro. As suas últimas palavras foram: "Senhor, eu amo-te." Não há dúvida de que o seu grande legado para a História foi a renúncia, sinal de humildade e dessacralizando o papado. Para lá disso, fica também, como sublinhou José Manuel Vidal, "o milagre da coabitação e da transição tranquila". Francisco punha fim a uma Igreja piramidal, clerical, carreirista, autorreferencial, e, agora, a caminho de uma Igreja sinodal, circular, "hospital de campanha". E podemos imaginar o sofrimento de BentoXVI ao "ver como a sua obra era derrubada" ao mesmo tempo que era "duro para o Papa Francisco este trabalho de desmontagem perante os olhos de Bento XVI... No entanto, de modo geral, a convivência durante quase dez anos foi delicada e até fraternal". Seja como for, não se deve de modo nenhum ignorar a diferença entre Bento XVI e Francisco, bem clara ao ler a obra póstuma de Bento XVI, Che cos"è il Cristianesimo (O que é o cristianismo), onde, por exemplo, defende uma ligação, dir-se-ia intrínseca, entre a ordenação sacerdotal e a obrigação do celibato.