sexta-feira, 29 de setembro de 2017

PORTUGAL - O terceiro país mais pacífico do mundo

Pombal
Torreira
Moliceiros
Santuário de Schoenstatt - Gafanha da Nazaré

Confesso que às vezes fico zangado com certas apreciações, pela negativa, feitas ao nosso país. Eu sei que há muita coisa errada a carecer de correção e de alguns saltos rumo a um futuro risonho para os portugueses, muitos dos quais sobrevivem com míseros ordenados e pensões de reforma que são uma vergonha para um país civilizado. Contudo, fico feliz, quando se diz que Portugal está em 3.º lugar na lista dos países mais pacíficos do mundo. Valha-nos isso.

Vi aqui 

Anselmo Borges — Francisco sobre: 2. O sexo e o casamento




Continuo com os diálogos do Papa Francisco e Dominique Wolton: Politique et société.
1. Francisco atira com a afirmação inesperada de João Paulo II: "O sexo é uma coisa boa e bela." E Wolton: "Reconhece que é complicado para leigos ouvir padres, que renunciaram ao amor físico, dizer que o amor físico, carnal, é belo." Francisco: "Renunciar à sexualidade e escolher o caminho da castidade é toda uma vida consagrada." Mas isso só vale se "este caminho levar à paternidade e à maternidade espiritual. Renunciar para estar ao serviço, para contemplar melhor. Um dos males da Igreja são os padres solteirões e as freiras solteironas. Porque estão cheios de azedume". Foi pena que, aqui, Wolton não tenha perguntado sobre o celibato opcional para os padres.

2. Francisco acrescenta: "Os pecados mais leves são os pecados da carne. Estes não são forçosamente (sempre) os mais graves. Porque a carne é fraca." Os pecados mais perigosos e graves são outros, de que se fala menos: "O ódio, a inveja, o orgulho, a vaidade, matar o outro, tirar a vida... Mas os padres tiveram a tentação - não todos, mas muitos - de se concentrar nos pecados da sexualidade: o que eu chamo a "moral da subcintura" (desculpe). Há alguns que, quando ouvem na confissão um pecado deste género, perguntam: "Como fizeste isso, e quando e quanto tempo e quantas vezes?" Fazem um "filme" na cabeça. Mas esses precisam de um psiquiatra."

Georgino Rocha — Pergunta Jesus: Qual dos dois faz a vontade ao pai?





Jesus recorre à pergunta fechada para envolver os que o seguiam e vigiavam e não os deixar apenas como ouvintes indiferentes ou críticos. Tem consigo a elite de Jerusalém que vivia do templo e para o templo, designadamente os sumos-sacerdotes, os escribas e os anciãos do povo. Estão também os discípulos e numerosa multidão de que faziam parte publicanos e prostitutas, marginalizados e proscritos. O contraste vai ser posto em realce na parábola dos dois filhos que respondem ao convite do Pai de modos diferentes, convite para irem trabalhar na vinha. O primeiro diz espontaneamente que não, mas depois pondera, arrepende-se e vai. O segundo, pelo contrário, mostra-se disponível e afirma que sim, mas não aparece, esquece a resposta dada, não é coerente nem honrado. Dois tipos de reacção que constituem um espelho muito actual para tantas situações.

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Museu de Aveiro é o 8.º nos 10 melhores de Portugal



A Tripadvisor revelou a lista dos 10 Melhores Museus do mundo, segundo a avaliação de milhões de viajantes, referente ao ano 2017. E no respeitante ao nosso país, o Museu de Aveiro ocupa um honroso 8.º lugar, como pode ser confirmado pela lista divulgada. 

1. Calouste Gulbenkian, Lisboa
2. Museu Nacional do Azulejo, Lisboa
3. Museu Coleção Berardo, Lisboa
4. Museu Nacional de Machado de Castro, Coimbra
5. Museu do Ar, Sintra
6. Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa
7. Navio Gil Eanes, Viana do Castelo
8. Museu de Aveiro, Aveiro
9. Museu Monográfico de Conímbriga, Condeixa-a-Nova
10. Museu Nacional dos Coches, Belém, Lisboa

É óbvio que todos nos devemos orgulhar com esta posição, estando ao nosso alcance contribuir para a sua divulgação junto de todas as camadas sociais, a começar pela nossa juventude. Hoje no 8.º lugar e, quem sabe, no futuro um pouco mais acima.

Ver aqui 

MaDonA — Dia Internacional do Direito ao Saber - 28 de setembro


Longe vão os tempos do obscurantismo, em que manter um povo analfabeto era condição sine qua non para manter o poder instituído e dar-lhe continuidade. Um povo iletrado não contesta, não reivindica não se queixa e aceita passivamente o status quo. 
Até meados do século XX, quando cheguei a este mundo, o ensino obrigatório era o ministrado, até à quarta classe, nas Escolas Primárias. A sua criação começou a ser regulamentada em 1835, pleno século XIX, mas muita gente ainda lhe escapava. 
Já em 1960, quando ingressei no LNA (Liceu Nacional de Aveiro) o prosseguimento de estudos contemplava uma faixa muito restrita da população, quer por razões económicas quer pelo número limitado de estabelecimentos de ensino públicos. A distância a que ficava a escola, apenas nas capitais de distrito era outro óbice. Graças a Deus e à visão larga do Zé da Rosa de dar um bom futuro aos filhos, eu fiz parte dessa minoria. O meu eterno agradecimento a ambos! 
Esta efeméride enaltece o direito de acesso à informação de toda a gente e as vantagens de um governo transparente. Promover a liberdade de informação como condição essencial para a democracia e para a boa governação foi um dos objetivos traçados em 2002, num encontro de organizações mundiais que trabalham com liberdade de informação, em Sófia, Bulgária. Deste encontro resultou o primeiro Dia Internacional do Direito ao Saber. 
Sendo um direito humano fundamental, neste dia, apela-se à partilha de informação governamental a todos os cidadãos. 
Todos os anos se realizam, nesta data, campanhas de sensibilização para o direito à informação e para conseguir sociedades abertas e democráticas onde o cidadão pode efetivamente participar. 
Realizam-se, neste dia, conferências, concertos, competições, peças de teatro, filmes, abertura de novos de sites, lançamento de livros, etc. Podem participar todos os cidadãos, com destaque para os jornalistas, os professores, os ativistas, os funcionários públicos, os membros de organizações não-governamentais e os membros das organizações civis. 
Neste âmbito, os mass media desempenham um papel de relevo na apresentação e divulgação da informação. 
A liberdade de expressão, como veículo da informação, foi uma das conquistas da Revolução de abril. Usemo-la com discernimento e não como arma de arremesso. 

MaDonA, 28 de setembro de 2017 

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

ELEIÇÕES: O futuro está sempre nas nossas mãos




O futuro está nas nossas mãos, mas nem sempre assumimos, com vontade firme e consciente, o direito de escolher quem deve governar o país, o concelho ou a freguesia. Ficarmos alheios na hora de decidir, por comodismo ou por não nos envolvermos no estudo das propostas que nos são feitas em nome dos diversos partidos, é atitude de má cidadania. Ficamos pela rama do que ouvimos aqui ou ali, também não será nada aconselhável. E depois, feitas as escolhas, muitos enveredam por acusações, ofensas, críticas e maledicências, como se tivessem moral para isso. Só têm moral para criticar e contestar as decisões dos eleitos os que tomaram parte ativa nas escolhas dos partidos e pessoas, com  estudo, busca de informação e reflexão. E com o voto depositado nas urnas!
Vem isto a propósito do ato eleitoral para as autarquias que está programado para o próximo dia 1 de outubro, em todo o país. Nesse dia, está nas nossas mãos o dever de votar, livre e conscientemente, nos partidos e nas pessoas que se apresentam a sufrágio. Eu vou votar e a partir daí não deixarei de estar atento às promessas eleitorais que tenho em mãos e que foram amplamente difundidas de porta-a-porta.

Fernando Martins

Museu Marítimo de Ílhavo — Homens e Navios do Bacalhau


Graças às novas tecnologias da comunicação, já temos à nossa disposição, em qualquer parte do mundo, a possibilidade de consultar, à distância de um clique, muito do que diz respeito a Homens e Navios do Bacalhau. O mesmo se diga de outras áreas. Hoje, ajudo quem consulta ou passa pelo meu blogue a pesquisar o que se refere a navios e homens da pesca do bacalhau . Veja aqui.

domingo, 24 de setembro de 2017

Faleceu um grande Bispo — Dom Manuel Martins


“Nascido em Matosinhos, no norte de Portugal, D. Manuel Martins sempre manteve a fidelidade aos princípios e valores distintivos daquela região do país: o sentido de serviço aos outros, a dedicação ao trabalho e a preocupação permanente com a justiça social”, escreve Marcelo Rebelo de Sousa, num texto divulgado pela Presidência da República.

Diz assim o registo do Presidente Marcelo:

«O senhor Dom Manuel Martins, representou, para a Igreja Portuguesa, a projeção da linhagem do senhor Dom António Ferreira Gomes no mundo do trabalho, em áreas sociais particularmente complexas, sempre atento à luta pela liberdade contra a opressão e pela igualdade contra a injustiça. Em homenagem ao princípio da dignidade da pessoa.
Como já referido na mensagem por ocasião dos seus 90 anos, o seu testemunho foi particularmente impressivo à frente da Diocese de Setúbal. Mas, ao dar vida aos princípios evangélicos, em tempos de crise e de enormes desafios comunitários, não serviu apenas a Igreja Católica, serviu Portugal.
O Presidente da República evoca, com saudosa e respeitosa amizade, uma personalidade singular, que tudo fez na sua vida para contribuir para um Portugal mais livre e mais justo, e, por isso, mais democrático»

Mais uma tristeza para todos os que defendem ou defenderam, ao longo dos tempos,  os valores da justiça social, da liberdade  e da paz. Disse um dia, D. Manuel Martins que o mundo era o verdadeiro altar da Igreja (estou a citar de cor),  onde sofre imensa gente que espera gestos de fraternidade. O Senhor de todos os dons já o tem junto de Si, como prémio pela frontalidade de um Bispo perante os poderosos deste mundo.
Paz à sua alma. 

FM

Bento Domingues — Um Deus distraído?



1. Não têm conta as vezes que me fizeram, e fazem, a pergunta do título desta crónica. Sei que não tenho o exclusivo.
Não escondo que me divertem as pessoas religiosas e teólogas que dão a ideia — pelo que dizem e escrevem, pelo que aconselham ou mandam — que conhecem a vontade de Deus e os seus misteriosos caminhos. A tudo dizem: foi a vontade de Deus, mesmo quando essa expressão, pretensamente piedosa, é o pior insulto que Lhe podem fazer.
Por outro lado, são, por vezes, as mesmas pessoas que, pelas suas repetidas e abundantes orações, supõem que Deus ande mal-informado. As chamadas orações dos fiéis nas Celebrações Eucarísticas, mais ou menos gemidas, tentam lembrar a Jesus a sua responsabilidade pela péssima situação mundial.
Parece que todas as religiões, ou a maioria, têm fórmulas e livros de orações. Basta ir ao Google e, a partir da palavra oração, podemos ficar minimamente referenciados acerca desse mundo, ora sublime ora ridículo.
A nossa ligação fervorosa a Deus deveria estar atenta à nossa radical ignorância. Nunca me posso esquecer que S. Tomás de Aquino, depois de expor a sua epistemologia teológica e de apresentar as razões que tinha para afirmar que Deus existe, empenhou-se em mostrar, imediatamente, que não podemos saber como é Deus. A teologia dele é, sobretudo, uma luta contra as idolatrias que se insinuam em todas as atitudes e discursos religiosos.
Julgo que a religião — embora seja uma palavra de origem latina — nasce da consciência, mais ou menos explicita, do ser humano como realidade limitada. Precisa do outro para nascer, para crescer, para viver e para morrer. Não é auto-suficiente. É, por natureza, carente de cultura e de afectos. É uma realidade em permanente processo. Vai sendo através dos mil contactos cultivados ao longo da vida. É, estruturalmente, um ser aberto. Neste mundo multicultural e multirreligioso desenvolve-se bem ou mal, na recusa ou na aceitação. Quando se fecha aos outros, perde-se e afoga-se em si mesmo.
As boas relações humanas são as de acolhimento e cooperação. As más são as de dominação psicológica, económica, política e religiosa. Por isso, a pergunta mais sagrada, mais religiosa, em todas as situações, talvez seja esta: em que posso ajudar?
Não é por acaso que a primeira grande pergunta que Deus faz, logo no Génesis [1], seja esta: que fizeste ao teu irmão, e seja também a última que julgará a nossa história, segundo o Evangelho de S. Mateus [2].
Mas, então, devemos ou não rezar?

2. Não faltam, mesmo no Novo Testamento, recomendações de que devemos rezar sempre e em toda a parte. Não de qualquer maneira. Nem foi a primeira preocupação de Jesus. Consta, no Evangelho de S. Lucas, que os discípulos se sentiam um grupo um bocado abandonado, nesse aspecto. “Estando [Jesus] num certo lugar a rezar, ao terminar, um dos seus discípulos pediu-lhe: Senhor, ensina-nos a orar como João ensinou aos seus discípulos.” [3] Daí, resultou uma longa conversa e uma parábola que termina de forma paradoxal: a única coisa garantida é que o Pai dos Céus dará o seu Espírito aos que o pedirem. S. Mateus põe na boca de Jesus a recomendação: “Nas vossas orações não useis de vãs repetições, como fazem os gentios, porque entendem que é pelo palavreado excessivo que serão ouvidos. Não sejais como eles, porque o vosso Pai sabe do que tendes necessidade, antes de lho pedirdes.” De facto, deixou-nos apenas pistas muito gerais, no Pai-Nosso [4].
Estas indicações básicas atribuídas a Jesus deveriam merecer mais atenção. A Liturgia das Horas, rezadas em coro em muitas congregações religiosas, serve-se da recitação dos Salmos do Antigo Testamento. É precisa uma grande dose de paciência para aguentar a divisão entre o povo de Deus e os outros povos que não sabemos de quem são, geralmente inimigos. Esse Deus tem o encargo de defender e ajudar o seu povo e de atacar os outros povos. É um mundo pouco edificante de amigos e inimigos. É preciso, depois de Jesus Cristo, estar sempre a fazer descontos na oração.
Fazem parte de cenários em que se põe na boca do Senhor, Deus de Israel, uma narrativa na qual, depois de muitas bem-feitorias ao seu povo, que, finalmente, atravessou o Jordão e chegou a Jericó, faz esta declaração fantástica, coroa de muitas outras: “Combateram contra vós os que dominavam a cidade — os amorreus e os perezeus, os cananeus e os ititas, os girgasitas, os hevitas e os jebuseus — mas Eu entreguei-os nas vossas mãos. [...] Não foi com a vossa espada nem com o vosso arco que tudo isto foi feito. Dei-vos uma terra que não cultivastes, cidades que não construístes e onde agora habitais, vinhas e olivais que não plantastes e de que vos alimentais.” [5]
Pode um cristão rezar a um Deus destes?

3. Anda o Papa Francisco a dizer que não se pode matar em nome de Deus e, depois, louvá-Lo por ser um terrorista, porque eterno é o seu amor?
O diálogo inter-religioso, para não ser um teatro de mau-gosto, deve incluir a crítica das expressões religiosas que ofendem a Divindade maltratando os seres humanos.
Em Assis, já diversas vezes, os representantes de diferentes religiões foram rezar juntos. Nenhum tem o direito de criticar a forma de rezar dos outros, mas todos se deveriam sentir responsabilizados a contribuir, no âmbito da sua religião, para reverem as respectivas formas de rezar.
Por outro lado, se o ser humano é religioso pela interpretação que faz do seu limite, tem de cuidar de não transpor para Deus a sua responsabilidade. Quando se diz, de forma metafórica, que Deus criou o ser humano à sua imagem e semelhança, isso significa que o ser humano, por ser livre, é responsável pelo seu mundo, pela casa comum.
O Papa Francisco não se cansa de repetir que já estamos, de modo fragmentado, na terceira guerra mundial. Existem sistemas económicos que devem fazer a guerra para sobreviver. Ao fabricar e vender armas sacrificam, nos balanços económicos, o ser humano no altar do deus dinheiro.
Gosto da sua forma de rezar: Queridas irmãs e irmãos, eleva-se de todos os lugares da terra, de cada povo, de cada coração e dos movimentos populares, o grito da paz: guerra, nunca mais! [6]
Não é a um Deus distraído que ele reza. Reza para diminuir o mundo dos distraídos.

Frei Bento Domingues no PÚBLICO

[1] Gn 4, 1-15
[2] Mt 25, 31-46
[3] Lc 11, 1-13
[4] Mt 6, 5-15
[5] Cf. Js 24, 1-13
[6] Politique et société, du Pape François (Rencontres avec Dominique Wolton), Editions de L’Observatoire/Humensis, 2017, p. 11.

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

No Outono da vida



Estamos no outono da vida sem cansaços nem desânimos. A vida continua em nós e irradia, indelevelmente, para os que nos cercam. A primavera e o verão deram-nos o aconchego necessário para mantermos o sorriso da felicidade vivida com esperança de continuidade. Eis-nos no outono do calendário com a mesma disposição de sempre, de espírito aberto a quem nos ouve e quer bem. Também a tantos com quem nos cruzamos nas inquietudes dos tempos incertos, porém enriquecidos pelos encantos que a natureza se encarrega de matizar os nossos dias. Não há nem pode haver pessimismos entre nós. O otimismo é norma de vida constante.
A natureza dá-nos lições extraordinárias que nem sempre captamos com a pressa dos dias. Floresce na primavera, frutifica no verão, fica depenada no outono e adormece em sono semelhante ao da morte no inverno. E depois, como que por milagre, salta para a luz do dia... 
Os seres vivos são assim. Nascem, crescem, reproduzem-se, envelhecem e morrem. Os humanos, contudo, preservam memórias e deixam rastos de luz ou de sombras nos que lhes sucedem. Bom seria que todos deixássemos apenas luz. 
No outono da vida os humanos têm a sua riqueza: revivem o passado, sentem-se membros ativos da família e da sociedade, oferecem experiências, partilham saberes e sabores, recomendam atitudes benfazejas, estabelecem uniões, constroem pontes, dão e recebem amor. E esperam pacientemente o inverno, com a grata certeza de que fizeram o melhor que souberam e puderam durante a longa existência. 
Bom outono para todos.

Fernando Martins

Anselmo Borges — Francisco sobre: 1. si próprio


Quem é e o que pensa e quer verdadeiramente o Papa Francisco para a Igreja e para a humanidade?
Durante mais de um ano, na discrição, Dominique Wolton, um intelectual francês, laico, director de investigação no CNRS (Centro Nacional de Investigação Científica), especialista em comunicação, e o Papa Francisco encontraram-se 12 vezes para diálogos sobre os temas mais candentes do nosso tempo e da existência humana: a paz e a guerra, a política e as religiões, a Europa e os imigrantes, a mundialização e a diversidade cultural, os fundamentalismos e a laicidade, a ecologia, as desigualdades, o ecumenismo e o diálogo inter-religioso, a alteridade, a família, a ideologia do género, o tempo, a alegria. Desses encontros resultou uma obra inédita e surpreendente. Acaba de ser publicada com o título: Politique et Société e a que dedicarei algumas crónicas. Hoje, a primeira, precisamente sobre Francisco, que se confessa.

O que é que mais o marca? "Há algo que, mesmo quando era criança, sempre me fez sofrer. É o ódio, a guerra." O que é que mais o comove? "Os actos de ternura fazem-me sempre bem, a compreensão, o perdão... Mas não só no campo religioso. Em toda a parte. A ternura é qualquer coisa que me traz muita paz." Por isso, fala do "analfabetismo afectivo". O que é que lhe provoca cólera? "A injustiça. As pessoas egoístas. E eu próprio, quando estou nessa situação. Preciso de muito tempo para convencer-me de que o Senhor me perdoou, depois pedir perdão à pessoa e fazer alguma coisa para reparar essa injustiça. Mas há o irreparável." O seu maior defeito? "É um pouco o oposto do que se julga de mim. Tenho uma certa tendência para a facilidade e para a preguiça." E a qualidade principal? "A qualidade... eu diria simplesmente que gosto de escutar os outros. Porque descubro que cada vida é diferente. E que cada pessoa tem o seu caminho." É feliz? "Sim. Sou feliz. Eu sou feliz. Não por ser Papa, mas o Senhor deu-me isto e rezo para não cometer asneiras... Mas cometo."

Para comunicar humanamente, é preciso "baixar-se, colocar-se ao nível do outro. Baixar-se, não porque o outro é inferior, mas por humildade..., trata-se de um acto que consiste em "ir à casa do outro". Sou eu que devo ir lá."
Em casa ouvia-se ópera e "comecei a falar de música tinha eu 15, 16 anos... Pus-me a sonhar como gostaria de ser chefe de orquestra".

E o papel das mulheres na sua vida? "Agradeço pessoalmente a Deus por ter conhecido verdadeiras mulheres na minha vida. As minhas duas avós eram muito diferentes, mas ambas verdadeiras mulheres... Depois, a minha mãe. A minha mãe. Era uma mulher, uma mãe. Depois, as irmãs. É importante para um homem ter irmãs, muito importante... Depois, houve as amigas da adolescência, as "namoraditas"... Estar sempre em relação com as mulheres enriqueceu-me. Aprendi, mesmo na idade adulta, que as mulheres vêem as coisas de um modo diferente do dos homens. Porque, perante uma decisão a tomar, perante um problema, é importante escutar os dois."

Depois da adolescência houve alguma mulher que o tenha marcado particularmente? "Sim. Houve uma que me ensinou a pensar a realidade política. Era comunista. Foi morta durante a ditadura. Era química, chefe do departamento onde eu trabalhava, no laboratório de bromatologia. Esther Ballestrino de Careaga. Deu-me livros, todos comunistas, mas ensinou-me a pensar a política. Devo tanto a essa mulher."

Qual o lugar das mulheres na Igreja? "É muito importante. Com a reforma da Cúria, haverá muitas mulheres que terão um poder de decisão, não apenas de aconselhamento." Qual é o problema da reforma da Cúria? "O poder." Vai conseguir? "Sim... ouvi um velho cardeal dizer-me: "Não desanimes, porque o caminho da reforma da Cúria é difícil. E que a Cúria não deve ser reformada, ela deve ser suprimida [risos]. No gozo, evidentemente. É impensável, a Cúria é indispensável."

E consultou uma psicanalista. "A um dado momento da minha vida em que tive necessidade de consultar. E consultei uma psicanalista judia. Durante seis meses fui a casa dela uma vez por semana para esclarecer certas coisas. Ela foi muito boa. Muito profissional como médica e psicanalista. Manteve-se sempre no seu lugar. Depois, quando estava já para morrer, chamou-me. Não para os sacramentos, pois era judia, mas para um diálogo espiritual. Durante seis meses, ajudou-me muito, tinha eu na altura 42 anos."

Bem-aventurada a pessoa que, como Francisco, pode dizer: "Sou livre. Sinto-me livre. Isso não quer dizer que faço o que quero, não. Mas não me sinto prisioneiro, na gaiola. Na gaiola aqui, no Vaticano, sim, mas não espiritualmente. Não sei se é assim... A mim nada me mete medo. Talvez seja inconsciência ou imaturidade! Sim, as coisas são assim, faz-se o que se pode, as coisas assumem-se como são, algumas andam para a frente, outras não... Talvez seja superficialidade, não sei. Não sei como chamar a isso. Sinto-me como um peixe na água."

P.S. Quando foi nomeado para bispo do Porto, escrevi aqui que até no nome era Francisco: António Francisco dos Santos. Um homem humilde, afável, próximo, discreto. Um cristão. Há prioridades, alertou, aquando da sua entrada na diocese: "Os pobres não podem esperar." Contou-me como uma vez, após uma missa pontifical, lhe apareceu um sem-abrigo a pedir dinheiro para comer. Convidou-o para almoçar com ele no paço episcopal. No fim, também lhe pediu dinheiro para cortar o cabelo. Mandou-o ao barbeiro dele, um conterrâneo, que um dia lhe telefonou: "Está aqui um mendigo a dizer que foste tu que lhe disseste para vir aqui, que tu pagavas..." "É verdade, faz como se fosse para mim!" Morreu inesperadamente, também por causa da sua inexcedível bondade incompreendida e não correspondida.

Anselmo Borges no DN 

Arquivo do blogue

Arquivo do blogue

ETIQUETAS