quinta-feira, 11 de agosto de 2022

José Régio - Toada de Portalegre



Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros,
Morei numa casa velha,
Velha, grande, tosca e bela,
À qual quis como se fora
Feita para eu morar nela...
Cheia dos maus e bons cheiros
Das casas que têm história,
Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória
De antigas gentes e traças,
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,
Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos,
– Quis-lhe bem como se fora
Tão feita ao gosto de outrora
Como ao do meu aconchego.
Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De montes e de oliveiras
Do vento soão queimada
(Lá vem o vento soão!,
Que enche o sono de pavores,
Faz febre, esfarela os ossos,
E atira aos desesperados
A corda com que se enforcam
Na trave de algum desvão...)
Em Portalegre, dizia,
Cidade onde então sofria
Coisas que terei pudor
De contar seja a quem for,
Na tal casa tosca e bela
À qual quis como se fora
Feita para eu morar nela,
Tinha, então,
Por única diversão,
Uma pequena varanda
Diante de uma janela.
Toda aberta ao sol que abrasa,
Ao frio que tolhe, gela,
E ao vento que anda, desanda,
E sarabanda, e ciranda
De redor da minha casa,
Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos e sobreiros,
Era uma bela varanda,
Naquela bela janela!
Serras deitadas nas nuvens,
Vagas e azuis da distância,
Azuis, cinzentas, lilases,
Já roxas quando mais perto,
Campos verdes e amarelos,
Salpicados de oliveiras,
E que o frio, ao vir, despia,
Rasava, unia
Num mesmo ar de deserto
Ou de longínquas geleiras,
Céus que lá em cima, estrelados,
Boiando em lua, ou fechados
Nos seus turbilhões de trevas,
Pareciam engolir-me
Quando, fitando-os suspenso
Daquele silêncio imenso,
Eu sentia o chão a fugir-me,
– Se abriam diante dela
Daquela
Bela
Varanda
Daquela
Minha
Janela,

Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros,
Na casa em que morei, velha,
Cheia dos maus e bons cheiros
Das casas que têm história,
Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória
De antigas gentes e traças,
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,
Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos,
À qual quis como se fora
Tão feita ao gosto de outrora
Como ao do meu aconchego...
Ora agora,
Que havia o vento soão
Que enche o sono de pavores,
Faz febre, esfarela os ossos,
Dói nos peitos sufocados,
E atira aos desesperados
A corda com que se enforcam
Na trave de algum desvão,
Que havia o vento soão
De se lembrar de fazer?
Em Portalegre, dizia,
Cidade onde então sofria
Coisas que terei pudor
De contar seja a quem for,
Que havia o vento soão
De fazer,
Senão trazer
Àquela
Minha
Varanda
Daquela
Minha
Janela,

O testemunho maior
De que Deus
É protector
Dos seus
Que mais faz sofrer?
Lá num craveiro, que eu tinha,
Onde uma cepa cansada
Mal dava cravos sem vida,
Poisou qualquer sementinha
Que o vento que anda, desanda,
E sarabanda, e ciranda,
Achara no ar perdida,
Errando entre terra e céus...,
E, louvado seja Deus!,
Eis que uma folha miudinha
Rompeu, cresceu, recortada,
Furando a cepa cansada
Que dava cravos sem vida
Naquela
Bela
Varanda
Daquela
Minha
Janela

Da tal casa tosca e bela
À qual quis como se fora
Feita para eu morar nela...
Como é que o vento soão
Que enche o sono de pavores,
Faz febre, esfarela os ossos,
Dói nos peitos sufocados,
E atira aos desesperados
A corda com que se enforcam
Na trave de algum desvão,
Me trouxe a mim que, dizia,
Em Portalegre sofria
Coisas que terei pudor
De contar seja a quem for,
Me trouxe a mim essa esmola,
Esse pedido de paz
Dum Deus que fere ... e consola
Com o próprio mal que faz?
Coisas que terei pudor
De contar seja a quem for
Me davam então tal vida
Em Portalegre; cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros,
Me davam então tal vida
– Não vivida!, mas morrida
No tédio e no desespero,
No espanto e na solidão,
Que a corda dos derradeiros
Desejos dos desgraçados
Por noites do tal soão
Já várias vezes tentara
Meus dedos verdes suados...
Senão quando o amor de Deus
Ao vento que anda, desanda,
E sarabanda, e ciranda,
Confia uma sementinha
Perdida entre terra e céus,
E o vento a traz à varanda ~
Daquela
Minha
Janela

Da tal casa tosca e bela
À qual quis como se fora
Feita para eu morar nela!
Lá no craveiro que eu tinha,
Onde uma cepa cansada
Mal dava cravos sem vida,
Nasceu essa acaciazinha
Que depois foi transplantada
E cresceu; dom do meu Deus!,
Aos pés lá da estranha casa
Do largo do cemitério,
Frente aos ciprestes que em frente
Mostram os céus,
Como dedos apontados
De gigantes enterrados...
Quem desespera dos homens,
Se a alma lhe não secou,
A tudo transfere a esperança
Que a humanidade frustrou:
E é capaz de amar as plantas,
De esperar nos animais,
De humanizar coisas brutas,
E ter criancices tais,
Tais e tantas!,
Que será bom ter pudor
De as contar seja a quem for!
O amor, a amizade, e quantos
Sonhos de cristal sonhara,
Bens deste mundo, que o mundo
Me levara,
De tal maneira me tinham,
Ao fugir-me,
Deixando só, nulo, atónito,
A mim que tanto esperava
Ser fiel,
E forte,
E firme,
Que não era mais que morte
A vida que então vivia,
Auto-cadáver...
E era então que sucedia
Que em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros,
Aos pés lá da casa velha
Cheia dos maus e bons cheiros
Das casas que têm história,
Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória
De antigas gentes e traças,
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,
Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos, – A minha acácia crescia.
Vento soão!, obrigado
Pela doce companhia
Que em teu hálito empestado,
Sem eu sonhar, me chegava!
E a cada raminho novo
Que a tenra acácia deitava,
Será loucura!..., mas era
Uma alegria
Na longa e negra apatia
Daquela miséria extrema Em que vivia,
E vivera,
Como se fizera um poema,
Ou se um filho me nascera.

In "FADO"

José Régio


Nas buscas referentes a férias, achei hoje a foto e o poema que regista a minha passagem pela Casa do Poeta José Régio, em Portalegre, onde foi professor do Liceu. A Casa do Poeta não era um museu tradicional com peças expostas ao jeito museológico. Era, sim, um autêntico armazém de tudo o que o poeta foi encontrando e adquirindo, com predominância de Cristos.
A cicerone, simpática, lá nos foi explicando o que estava à vista, mas o que mais me marcou foi o original da Toada de Portalegre, pousada na escrivaninha alta para o escritor se manter de pé ou sentado em banco alto, precisamente ao lado da janela "toda aberta ao sol" que o inspirou. Ficou-me para a vida.


F. M.

Nota: Reedição

Inconvenientes da idade

"De todos os inconvenientes da idade, a experiência não é o menos importante."

Georges Bernanos
1888-1948
Escritor e jornalista francês


A Gafanha já foi mar


O espaço seco que hoje habitamos, com o mar e a ria a limitá-lo na sua grande parte, não é de sempre. Observando mapas e lendo registos fica-nos a certeza de que o mar foi dono das atuais Gafanhas
Há mil anos as águas salgadas ainda dominavam estes espaços, em jeito de quem sonha com uma ria e o rio Vouga abertos ao mundo.
A restinga de areia que se formou ao longo de séculos, 25 segundo Araújo e Silva, com o qual concorda Alberto Souto, protegendo-nos dos avanços e ataques do oceano, foi criando condições capazes de atrair pessoas habituadas a enfrentar dificuldades.
Orlando de Oliveira, no seu livro “Origens da Ria de Aveiro”, avança com a certeza de que a laguna, delimitada como presentemente a podemos ver, vem do tempo da fundação da nacionalidade.
«Podemos dizer com orgulho que a Ria de Aveiro e Portugal se formaram ao mesmo tempo. Nasceram simultaneamente por alturas do século XII e poderíamos dizer, fantasiando um pouco, que, enquanto os nossos primeiros Reis e os seus homens iam dilatando as terras peninsulares, a Mãe-Natureza ia conquistando ao mar esta jóia prodigiosa que generosamente viria ofertar às nossas terras alavarienses», afirma Orlando de Oliveira.

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Estado de espírito

 
Tenho idade que me permite perceber o meu estado de espírito. Quando me sinto por baixo, salto para o quintal, aprecio a natureza, contemplo as flores e a normalidade volta.

terça-feira, 9 de agosto de 2022

Sabe o que é um agueiro?

Nas praias, todo o cuidado é pouco


«Um agueiro é um fenómeno que acontece no mar, junto à praia, e que consiste na existência de uma corrente, com a direção da terra para o mar, criada pelo retorno da água trazida pelas ondas para a praia. A zona do agueiro é caracterizada pela ausência de ondas e, por isso, muitos banhistas são levados a pensar que são as melhores áreas para tomar banho, mas são muito perigosas. Um agueiro pode ser identificado pelas setas sobre a água, pela existência de espuma à superfície e também por se encontrar revolta e com movimento contrário ao da rebentação.»

Notas: 
1. Transcrito da agenda da CMI referente a Agosto, com ligeira alteração;
2. Foto Google

segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Festival do Bacalhau - Já esta semana





Depois do confinamento imposto pelo COVID-19, o Festival do Bacalhau volta a animar o nosso Verão. Nosso e de todos os que sentem a necessidade da alegria, do convívio e de saborosos petiscos, porque nem só de trabalho e canseiras pode ser a vida de cada um.
O Festival do Bacalhau vai realizar-se entre 10 e 14 de Agosto, no Jardim Oudinot, Gafanha da Nazaré, com a participação de instituições do nosso concelho e de outras convidadas pela organização.
Sendo certo que o rei da festa tem de ser o bacalhau, que os marítimos da nossa região pescam desde tempos ancestrais nos mares da Terra Nova e Groenlândia, a verdade é que a festa não se faz só à mesa, havendo outros motivos de interesse que justificam uma visita às nossas terras já naquelas datas.
O passeio ao Jardim Oudinot, sala de visitas da região, o usufruto das belezas da Ria, o Navio Museu Santo André, o convívio com todos os visitantes, os concertos musicais a seu tempo anunciados e, finalmente, a degustação das mil e uma maneiras de preparar o fiel amigo justificam a deslocação ao Festival do Bacalhau. 
Lembramos que cada instituição com tenda montada tem a sua especialidade bem explicada na carta que será exibida a quem chega com apetite. Mais ainda: para além da posta do bacalhau, há as caras, os samos, as línguas,  as espinhas do fiel amigo e muito mais para petiscar e saborear. 

domingo, 7 de agosto de 2022

Ana Luísa Amaral

Homenagem à poeta Ana Luísa Amaral
que faleceu na sexta feira











«O vitelo mais gordo»
disse o pai. Mas era para o outro
que falava

E ele interrogou-se confundido,
o coração pesado de negócios,
esquecido de viagens e sonhos
por fazer

Deve ser coisa estranha
a lealdade,
como penoso o ofício
de amar

Perdida a juventude
entre contas e servos,
entre terras vedadas e cega obediência
que lhe restava

Senão juntar-se à festa
e comer do vitelo
e fingir alegria
em pródigos sorrisos?



Nota: Do livro ÁGORA. Ler mais aqui

Celebramos hoje 57 anos de casados

Recomeço hoje, 7 de Agosto, dia em que celebramos 57 anos de casados. Foi na igreja matriz do Bunheiro, Murtosa, em cerimónia presidida pelo nosso comum amigo, Pe. Manuel Ribau Lopes Lé, que eu e a Lita prometemos fidelidade e amor até ao fim dos tempos. E cá estamos a recordar os bons momentos que temos vivido, mas também os menos bons que soubemos ultrapassar, sempre com os nossos filhos (Fernando, Pedro, Paulo e Aida), netos (Filipa, Ricardo e Dinis) e agora uma bisneta (Benedita), filha do Ricardo e da Inês, nos nossos pensamentos e nos nossos corações, que nos hão de perpetuar no mundo.
Aqui ficam  votos sinceros das maiores venturas para familiares e amigos.

Lita e Fernando

sábado, 6 de agosto de 2022

Nietzsche e Deus

Crónica de Anselmo Borges 

Quando lemos atentamente a obra de Friedrich Nietzsche e nos debruçamos com simpatia sobre a sua vida, não podemos deixar de ficar afectados pelo drama até à loucura que a questão de Deus constituiu para ele, filho de pastor protestante. Aquele que fora uma criança piedosa e estudara teologia havia de proclamar publicamente em 1882, através de um louco, em A Gaia Ciência, a morte de Deus: "Deus morreu! Deus está morto! E fomos nós que o matámos!" "Conta-se ainda - continua - que o louco entrou nesse mesmo dia em várias igrejas e aí cantou o seu requiem aeternam deo. Expulso dos templos, ripostou sempre apenas isto: "Que são agora ainda estas igrejas senão os túmulos e os monumentos funerários de Deus?"."
Mas, ao mesmo tempo, o júbilo perante o "acto mais grandioso da História", que foi a morte de Deus, é atravessado por estas perguntas terríveis: "Quem nos deu a esponja para apagar todo o horizonte? Que fizemos nós, quando soltámos a corrente que ligava esta terra ao sol? Para onde se dirige ela agora? Para onde vamos nós? Para longe de todos os sóis? Não estaremos a precipitar-nos para todo o sempre? E a precipitar-nos para trás, para os lados, para todos os lados? Será que ainda existe um em cima de um em baixo? Não andaremos errantes através de um nada infinito? Não estaremos a sentir o sopro do espaço vazio? Não estará agora a fazer mais frio? Não estará a ser noite para todo o sempre, e cada vez mais noite?".

sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Acolhe com satisfação o prazer que Deus nos oferece

Reflexão de Georgino Rocha 
para o Domingo XIX do Tempo Comum

"A autenticidade do discípulo fiel está em saber conformar-se com Jesus Cristo, com o seu Evangelho e seus valores, o seu estilo de vida e escala de prioridades"

Jesus está preocupado em preparar bem os discípulos para o desempenho da missão que lhes quer confiar: O anúncio do Reino de Deus, isto é, que se promovam, na terra, relações de partilha e de fraternidade, espelho da dignidade comum de todas as pessoas e sementes do futuro definitivo da humanidade, na casa do Pai. Jesus acaba de chamar a atenção para a necessidade de buscar o que é fundamental no quotidiano, de acolher a vida como dom de Deus e tarefa nossa, de, sem medo, dar testemunho da verdade, de ser autêntico e transparente. Agora avança um passo mais: acolher o Reino que Deus nos confia, estar vigilantes face às circunstâncias, de ser responsáveis. Saborear a confiança que tem em nós, o prazer de nos servir como o administrador regressado da viagem de núpcias. E conclui este ensinamento afirmando pela “boca” de Lucas: “A quem muito foi dado, muito será pedido; a quem muito foi confiado, muito mais será exigido”. Lc 12, 32-48.

segunda-feira, 1 de agosto de 2022

A melhor leitura para férias

Crónica de Bento Domingues
no PÚBLICO

“no Ocidente não se levantou outro modelo cultural (e, mais além do cultural, um modelo existencial) mais profundo e mais radical do que o modelo de Cristo. (…)"

Eduardo Lourenço

1. A partir de hoje até Setembro, suspendo estas crónicas. Costumava sugerir algumas leituras para o mês de Agosto. Não vou engrossar a ladainha de todos os que repetem que o cristianismo está em declínio irreversível. A história é o reino das surpresas. Muitas vezes, o que se julgava uma demonstração triunfante do catolicismo, nas viagens dos últimos Papas, veio a revelar-se uma grande manifestação de fraqueza.
Neste momento, o Papa Francisco não foi ao Canadá para recolher aplausos. Foi pedir perdão e penitenciar-se de crimes vergonhosos cometidos contra as famílias indígenas em instituições católicas. Que este gesto penitencial seja bem compreendido, rejeitado ou indiferente, para a opinião pública, não importa. Esta atitude do Papa Francisco não busca aplausos ou esquecimentos. Vale por si mesma ao repor a verdade. Nenhum outro motivo deve ser tido em conta.

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