Anselmo Borges
1. O nosso tempo é um tempo cheio de possibilidades, promessas e realizações. Mas é também o tempo de um imenso vazio humano-espiritual. Para isso, duas razões principais. Por um lado, a falta de tempo, quando deveríamos, aparentemente, ter muito mais tempo. A vertigem do correr pelo correr, sem destino nem horizonte de finalidades propriamente humanas, porque é preciso correr, pela simples razão de que não se pode deixar de correr, esvazia a vida, sem tempo para o essencial. Por outro lado, o tsunami de informações, de opiniões, de comentários de comentários - nunca se tinha visto tão vistosa a profissão de comentador -, dispersa a existência, fá-la fragmentada, sem oriente nem norte, que é isso que quer dizer desorientado e desnorteado. Só resta a superfície e o "surfar" por ela, em vaidades fúteis. Para a política, sem estadistas, fica a busca, por todos os meios, do poder e da sua manutenção, em conluios espúrios com interesses outros que não propriamente o bem comum.
Em interpenetração e interdependência com estas razões, há uma terceira, mais funda: a perda do sentido último. Sem a transcendência, já não se espera para lá do tempo e tudo vacila oscilantemente. Sem a ultimidade imanente-transcendente, sem eternidade, fica o imediato, o aqui e agora, e tudo se dissolve em momentos que se devoram. Então, é aqui e agora que se goza, no prazer, no ter, no poder, no consumismo do consumo. Porque, depois, é o nada. Numa sociedade pós-cristã, o que restou é o relativismo e mesmo o niilismo. E aí está a prova: a incapacidade de integrar na existência as contrariedades e as dores que a vida inevitavelmente traz - veja-se a definição idealizada de saúde da OMS: "A saúde é um estado de bem-estar completo, físico, espiritual e social, e não apenas a ausência de doença e enfermidades", e outros propuseram o ideal de saúde como o estado de bem-estar para poder trabalhar e gozar -, e esta é a primeira sociedade na história que não sabe lidar com a morte e que, por isso, teve de fazer dela tabu: disso pura e simplesmente não se fala e é preciso viver como se ela não existisse. Mas com a morte-tabu, já não há distinção, como mostrou atempadamente Martin Heidegger, em Sein und Zeit (Ser e Tempo), entre existência autêntica e existência inautêntica. E, na indistinção de dignidade e indignidade, justiça e injustiça, bem e mal, apagou-se a ética. Se tudo desemboca no nada, já tudo é nada.