ESCUTAR E SEGUIR JESUS, COM ALEGRIA CONFIANTE
Jesus ressuscitado quer reafirmar o que já havia dito aos apóstolos sobre a sua relação pessoal com eles e com as gerações seguintes, portanto connosco em Igreja. Recorre a vários tipos de comunicação que, João o narrador da parábola do Bom Pastor, designa por sinais e muitas outras coisas. (Jo 10, 11-18).
Guiados pelo discípulo amado, somos convidados a visitar as terras da Palestina, a percorrer campos e vales, a contemplar rebanhos e pastores; somos convidados a perceber esta linguagem rural, cheia de beleza e encanto. Se não lhe captamos o sentido profundo, reconhecemos que está desajustada à cultura do nosso tempo que privilegia a técnica à sabedoria, a funcionalidade ao afecto humano, o anonimato à identidade pessoal e comunitária. Achamos, porventura, ofensivo ser rebanho, viver “arrebanhado”, ser tosquiado e “barregar”, quando o incómodo é grande ou a necessidade pressiona. Mas deixando-se impregnar pelo seu espírito genuíno, facilmente entramos em sintonia com a mensagem fundamental: a do amor com que somos amados, a da relação que nos faz crescer como pessoas solidárias, a da confiança no futuro que nos bafeja em sementes de esperança, como os campos verdejantes, que o pastor procura para alimentar o seu gado.
Jesus insere-se numa rica tradição bíblica, que retrata Deus como o pastor do seu povo e os reis como agentes em seu nome, quando são fiéis. Sirva de referência o capítulo 34, 1-10 de Ezequiel. O profeta retoma o tema de Jeremias 23, 1-6 e faz uma descrição mordaz da situação do rebanho entregue a si mesmo, ou explorado pelos pastores que assumem atitudes de mercenários assalariados. E surge em realce o rosto dos dirigentes do povo, reis e chefes, responsáveis pela ruína da nação, descrédito da religião. Deus, porém, não dorme e vai intervir.
“O único meio de libertar-se de opressores ou de uma instituição opressora, anota a Bíblia Pastoral, é comprometer-se com Jesus”, pois Ele é a única alternativa, a porta; Ele não busca os seus interesses, mas os das pessoas, a ponto de dar a vida por elas; Ele dá a vida a todos os que aceitam a sua proposta; Ele provoca divisão e faz brilhar a sua acção libertadora.
“Eu sou o bom pastor” faz lembrar o “Eu sou”, expressão a que recorre o biblista para apresentar a identidade de Deus no livro do Êxodo. Jesus aplica a si mesmo esta credencial umas trinta vezes. Sirva de ilustração a menção de passagens como: Eu sou o pão da vida; a luz do mundo…”Sou Eu” no jardim das Oliveira na altura da prisão. “Não tenhais medo: Sou Eu”, diz aos discípulos após a ressurreição.
“É uma forma elegante, majestática de nos dizer que Jesus é Deus e que quem se aproxima de Cristo, termina sendo”, termina sabendo quem é, reconhece Tomas Muro, periodista digital no seu blogue (16.04.2018). O cego curado não tem receio de afirmar “sou eu” perante as autoridades inquisitoriais dos judeus. E como ele, também nós. É em Jesus Cristo que encontramos a nossa identidade radical. Que segurança e conforto proporcionam esta relação tão profunda, sobretudo “em situações pessoais de crise de identidade, de desorientação ou de noites escuras, de turbulências eclesiásticas e diocesanas”, escreve o referido autor.
Faz-nos bem ter como critério de vida o que somos e não tanto o que temos e podemos. Faz-nos bem escutar o ser da nossa consciência e não tanto o parecer de circunstância, da projecção da imagem social. Faz-nos bem andar os caminhos da vida na presença do Senhor e na sua luz, e não tanto nos atalhos vistosos de quem se refugia no conforto da indiferença mundana.
Por isso, podemos rezar como o autor do salmo 22/23: “O Senhor é meu pastor: nada me falta… Ele me guia por sendas direitas por amor do seu nome. Ainda que tenha de andar por vales tenebrosos, não temerei nenhum mal, porque Vós estais comigo: o vosso cajado e o vosso báculo me enchem de confiança”. E também podemos perguntar-nos: O que me guia na vida? Que ideologia cultivo, clube de interesses frequento, baú de recordações alimento, saco de ilusões deixo que me habitem? O cristão é aquele que segue Jesus, o Bom Pastor. Sem reservas nem intermitências.
João dirige o seu evangelho a comunidades em situações difíceis: os discípulos são expulsos do Templo e da cidade; têm de se dispersar, sem qualquer reconhecimento humano; os seus responsáveis eram perseguidos e, em alguns casos, condenados à morte ou ao exílio. Vêem surgir interpretações diferentes do legado de Jesus. O rebanho tradicional divide-se. Os seguidores do Nazareno identificam-se com a sua mensagem e constituem o seu novo rebanho. E os outros ficarão amarrados às suas crenças de sempre? E os que não são judeus? Jesus não desiste e afirma: Tenho ainda outras ovelhas, preciso de as reunir, hão-de ouvir a minha voz e todos seremos um só rebanho.
A certeza confiante de Jesus alicerça-se em haver um só Pastor e em dar a sua vida espontaneamente. Oxalá o nosso coração se deixa agarrar por este sonho real de Jesus e, no que nos diz respeito, o prossigamos constantemente. O centro da Igreja é Cristo e não qualquer rosto humano por mais transparente e fiel que se apresente: Nem ritos de liturgia, nem cânones de direito canónico, nem tradições ou instituições históricas venerandas. Menos ainda quem se pavoneia e reclama aparências que contrastam claramente com a simplicidade sóbria do Evangelho.
A parábola do Bom Pastor e do rebanho evidencia a relação de Jesus com a comunidade dos seus discípulos, a Igreja. Ele conhece-os pelo nome, chama-os, transmite-lhes o projecto de salvação que Deus Pai está a realizar com a sua cooperação, acompanha-os na iniciação apostólica, confirma-os na sua opção, após a turbulência do processo de condenação e da exultação festiva da Páscoa gloriosa, encarrega-os de serem testemunhas do que aconteceu e envia-lhes o Espírito da Verdade para consolação e guia.
Hoje, celebra-se o Dia Mundial das Vocações. É tempo de agradecer o que somos e fazemos pelo bem dos outros, de recordar os nossos pastores e de pedir ao Senhor que acompanhe a Sua Igreja, fazendo surgir discípulos generosos e disponíveis. Todos estamos chamados a ser pastores e não assalariados: pais e avós na família pela transmissão dos primeiros valores: bondade, paciência, ternura, educação, especialmente em fases marcantes do crescimento para a maturidade; agentes da comunicação em todas as formas, mas sobretudo na rede social e nos espaços públicos e na escola; catequistas e missionários, bombeiros e acompanhantes de pessoas em necessidade, políticos profissionais, agentes culturais. Só a verdade liberta e o amor constrói. A humanização integral precisa do contributo de todos.
A insistência maior neste Dia Mundial centra-se no apelo às vocações sacerdotais por razões de realização pessoal e de responsabilidade pastoral. Ouçamos o que diz o Papa Francisco:
“Também nestes nossos agitados tempos, o mistério da Encarnação lembra-nos que Deus não cessa jamais de vir ao nosso encontro: é Deus connosco, acompanha-nos ao longo das estradas por vezes poeirentas da nossa vida e, sabendo da nossa pungente nostalgia de amor e felicidade, chama-nos à alegria. Na diversidade e especificidade de cada vocação, pessoal e eclesial, trata-se de escutar, discernir e viver esta Palavra que nos chama do Alto e, ao mesmo tempo que nos permite pôr a render os nossos talentos, faz de nós também instrumentos de salvação no mundo e orienta-nos para a plenitude da felicidade”.
Muitos outros esperam por nós. A causa é nossa. A entrega generosa de alguns propicia a realização feliz de muitos, a salvação de todos. Jesus, o Bom Pastor, indica-nos o caminho, mostra-nos a verdade, oferece-nos a vida. Vamos seguí-Lo com alegria confiante.