João Gaspar |
«Na verdade, agrada-me deveras o projeto idealizado e desenhado com maestria pelo conceituado arquiteto Álvaro Siza Vieira, para recordar a muralha. Todavia, discordo do local apontado pela Autarquia para a colocação da torre memorativa; justifico o meu pensamento.»
A partir de 1418, a fisionomia do nosso antigo burgo de Aveiro começou a mudar, porque o infante D. Pedro, filho de el-rei D. João I e senhor de Aveiro, tomou a iniciativa de mandar cingir a sua parte secular e nobre por uma muralha, além de incentivar a fundação do convento dos padres dominicanos; por outro lado, a estadia em Aveiro da sua neta, a princesa D. Joana, a partir de 1472, também foi importantíssima. A muralha, embora de construção simples, era dotada das seguintes portas: - a da Vila (da Cidade, depois de 1759), a do Sol, a do Campo, a do Cojo, a da Ribeira, a do Cais (ou do Norte), a do Albói, a de Rabães e a de Vagos. Com o andar dos tempos, apesar de vários reparos durante a primeira metade do século XVIII, a muralha foi-se arruinando sucessivamente, pelo abandono a que foi votada e pela frágil solidez dos seus alicerces.
Na verdade, agrada-me deveras o projeto idealizado e desenhado com maestria pelo conceituado arquiteto Álvaro Siza Vieira, para recordar a muralha. Todavia, discordo do local apontado pela Autarquia para a colocação da torre memorativa; justifico o meu pensamento.
Como decerto é conhecido por todos, a porta do Sol era secundária. Ela dava entrada a quem, para transpor a povoação, não desejasse passar pelo centro da Vila; por isso, sem possíveis embaraços seguia ao lado pela rua da Corredoura (hoje, rua do Batalhão de Caçadores Dez). As duas portas principais para a entrada e saída de Aveiro eram a porta da Ribeira, junto ao canal da ria e em frente à ponte dos Arcos, e a porta da Vila, que era junto da moderna casa do “Testa & Amadores, Lda.” e no centro da atual avenida de Santa Joana, na direção da igreja do Espírito Santo, sita no largo das Cinco Bicas. Por aqui entravam em Aveiro todas as personalidades vindas de Lisboa e do sul, incluindo príncipes e reis. Entre estas duas portas desenvolvia-se a chamada Rua Direita, porque passava pelo centro da Vila (Cidade, depois de 1759), onde se encontravam os paços do Concelho, a vetusta igreja matriz de S. Miguel, o palácio dos Tavares e Távoras (que, a partir de 1774, foi o paço episcopal da Diocese), a igreja da Misericórdia, a albergaria de S. Brás e diversas casas senhoriais. Na porta da Vila estava gravado o brasão do infante D. Pedro; por baixo desse brasão lia-se o ano de 1418 (“MCDXVIII”) – data do início da obra da muralha. Decerto que este elemento histórico será reproduzido na torre.
Por fim, apenas como aveirense, deixo aqui a minha modesta opinião, uma vez que desejaria que não se sobrecarregasse o sítio proposto com a torre evocativa, ao lado do cruzeiro gótico-manuelino e em frente da estátua de Santa Joana. Não será possível levantar-se o monumento perto do lugar da relevante porta da Vila, e não onde foi a secundária porta do Sol? Contudo, não sendo possível aí, porque não junto ou nas imediações do local onde foi a também importante porta de Vagos, a qual se abria no sítio em que hoje se topam as Avenidas de Araújo e Silva, de Artur Ravara e de Santa Joana? Também aqui o dito monumento sobressaía por si, levantando-se junto do Parque do Infante D. Pedro ou mesmo no próprio Parque.
Lembro, mais uma vez, que há anos, ao construir-se a pérgola junto ao adro da sé, se encontraram vestígios do alicerce do troço da muralha que por aí se desenvolvia. Porque não descobri-los e respeitá-los, como memória verdadeira, uma vez que, a partir de 1959, foram lamentavelmente destruídos restos significativos da mesma muralha?
João Gaspar