Há tempos, perguntaram-me se o rádio que está a ocupar o espaço de alguns livros é antigo. Respondi que sim, mas a razão da sua existência em lugar de destaque só tem a ver com as recordações a que me transporta. Não sou colecionador de nada, nem jeito tenho para isso. Muito menos poderei dispor de fundos económicos que me permitam comprar peças decorativas, mobílias ou livros antigos que gostaria de ter nas minhas estantes. O que temos foi herdado de familiares. Uma ou outra coisa foi adquirida a quem tinha muito e muito atirou para o lixo para se livrar de "inutilidades", na sua perspetiva.
Vamos ao rádio que na imagem se vê.
Como já disse, foi comprado pelo meu pai para me fazer companhia na doença da minha juventude, na década de 50 do século passado. Nele ouvi música, notícias e entrevistas, em Onda Média. Na Onda Curta, ouvia a comunicação entre navios em pleno mar alto, mas não tão alto quanto seria de desejar.
Ao largo, os mestres das traineiras e de outros barcos de pesca conversavam entre si, via rádio, para indicarem os pesqueiros mais abundantes. Outros lamentavam-se com a pobreza das pescarias. Dizia-se que usavam códigos e tiques para enganar os concorrentes, dando indicações preciosas, contudo, aos colegas de empresa. Também ouvia comandantes bacalhoeiros que vinham de regresso ou partiam para os mares da Terra Nova e da Gronelândia.
Depois, o meu rádio passou à história. A Frequência Modulada destroçou a sua utilidade. E foi para o sótão das coisas inúteis. Quando o via, lá se desprendiam as recordação.
Há anos, entrevistei o prof. António Rodrigues, ele, sim, colecionador de rádios antigos, cada um com a sua história. O colecionador autêntico é assim. Tudo catalogado e estudado, tudo procurado e adquirido com critério. E no decorrer da conversa, veio à baila o meu rádio, que ele fez questão de ver e de o preparar para funcionar. E ali está. Devo-lhe essa atenção estimulante. E o rádio deixou o sótão e regressou ao meu convívio diário. No sótão também estaria bem, agora que o elevei à categoria, embora humilde, de meu refúgio caseiro.
Fernando Martins