O gosto pela solidão
Morreu hoje a nossa gatinha Biju com cancro que não lhe
perdoou a sua existência serena no meio de nós. Tinha 15 anos e parecia saudável.
Era assistida com regularidade pelo médico veterinário, mas de repente tudo se
precipitou.
Não considero um lugar-comum proclamar-se que, «quanto mais
conheço os homens, mais gosto dos animais». É verdade. Os animais domesticados
são companhia agradável, fieis aos donos e disponíveis para a convivência. Até
dão a impressão de que se alegram com as alegrias da família, ficando tristes
quando pressentem dores e tristezas de quem deles cuida.
Quando a doença se manifestou, longe estávamos de pensar que
seria o fim. A Biju enfrentou outros males, mas tudo ultrapassou, dando-nos o
exemplo, inconsciente decerto, de teimosia em viver.
Cá em casa morava no sótão com a filha, a Guti, com quem teve
algumas quezílias temporárias que a seguir esquecia.
Quando nova, ia dar as suas voltas, mas logo regressava à
janela por onde saía habitualmente. Depois corria para os seus aposentos, onde
a dona, a minha Lita, tudo tinha preparado: camas adequadas à estação do ano,
água fresca, alimentação própria, uma janela para apreciar o ambiente e o sossego
de que tanto gostava. Tardes e noites inteiras sem se mostrar e sem se incomodar
com o mundo.
Quando estranhava a ausência da dona, à noitinha, descia
pela porta sempre entreaberta e miava como que a saudar ou chamar a Lita. E então,
na altura em que a Lita se aprontava para subir ao sótão, a Biju corria feliz
da vida à sua frente.
Morreu deixando um certo vazio em toda a família, mas legou-nos
uma filha que dela herdou o gosto pela solidão, por uma vida sem pressas, sem
querer incomodar seja quem for, mas desejado também que a não incomodassem.