sábado, 5 de março de 2016

Os dois pais, a liberdade, Spotlight

Crónica de Anselmo Borges
no Diário de Notícias


«A Igreja Católica tem muitos e graves problemas 
para resolver, mas a questão da reconciliação sã 
com a sexualidade é fundamental»

A. Foi uma chuva de críticas contra o disparate do BE com o cartaz "Jesus também tinha dois pais", que pretendia celebrar uma causa justa: a não discriminação na adopção. Cito: "campanha infeliz", "ofensivo", "desrespeitoso", com "teor sexista", "de mau gosto", "estúpido", "imbecil", "provocação bacoca", no meio da bebedeira do poder... Alguém sugeriu que, se se quer mostrar força, faça--se algo parecido com imagens do islão. Por mim, disse e repito: A frase, "mais do que infeliz, é ridícula. Onde está a graça? A mim não me ofende e a Deus também não, porque o ridículo só atinge quem o produz". De facto, Jesus teve dois pais, como qualquer um ou uma de nós: um pai e uma mãe. O cartaz é um tiro no pé.

B. Neste contexto e ao acabar de saber que o Irão aumentou a recompensa para quem cumprir a fatwa contra Rushdie, matando-o: 3,6 milhões de euros (tive com ele um encontro memorável em Santa Maria da Feira, em 2006), retomo aqui, sobre a liberdade de expressão e o respeito pela religião, alguns pontos que considero fundamentais para a reflexão e que venho repetindo: 1. Distingo muito bem entre a crítica inteligente, mesmo se mordaz e cáustica, com humor, e a crítica imbecil, de mau gosto, soez. 2. A mim, pessoalmente, mesmo esta não me incomoda e não deveria incomodar o crente. De facto, a crítica nunca atinge o Sagrado ou Deus em si mesmo, mas apenas as ideias e imagens que os crentes fazem do Sagrado ou de Deus, tantas vezes vergonhosas, porque ridículas. Constitui aquisição irrenunciável a afirmação do filósofo I. Kant: "O Iluminismo é a saída do homem da sua menoridade, daquela menoridade de que ele próprio é culpado", e isso "sobretudo nas coisas de religião". Por isso, a própria religião, apesar da sua "majestade", não pode considerar-se imune à crítica. Mostra fraqueza uma religião que não admite a crítica, mesmo cáustica. Ai de nós se não houvesse críticos da religião, que chamam a atenção para aspectos das religiões tantas vezes supersticiosos e inumanos. 3. E quem se sente ofendido? Não pode de modo nenhum recorrer à violência, muito menos a matar em nome de Deus, pois a violência em nome de Deus só desonra Deus e a religião. Mas deve ser-lhe garantido o direito de protesto e manifestação e de recurso às instâncias jurídicas adequadas, aos tribunais. 4. Penso no respeito pelas crenças das pessoas e que a própria crítica deve estar ao serviço da convivência sã. Por isso, quem critica deve evitar a ofensa gratuita, o insulto, e ter em atenção a prudência, também a prudência política. Para lá de certos limites, a humilhação das pessoas, dos grupos e dos povos termina ou pode terminar em violência. 5. É desonroso alguém ofender os sentimentos religiosos das pessoas e depois, ingénua ou cinicamente, vir dizer que não queria ofender. 6.Recentemente, em Espanha, rebentou um escândalo com o que chamam o "Pai Nosso sexual", que constitui realmente uma vergonha abominável, contra a qual se insurgiram as principais confissões religiosas. O jesuíta J. I. González Faus, que considero um dos teólogos mais cristãos da actualidade, escreveu um texto ácido e contundente, no qual diz à autora "se não seria melhor reconhecer que não é louca, que sabia bem que queria ofender". Claro, perdoa-lhe. Tanto mais quanto "eu não partilho dessas acusações de "blasfémia". A blasfémia puramente verbal parece-me um ridículo que faz rir Deus (se é que existe, dirá a senhora): se alguém cospe para o céu, a sua saliva, por mais amarga que seja, fica longíssimo do céu. Os cristãos deveriam estar muito mais preocupados com a blasfémia de facto, como diziam os Padres da Igreja: preocupais-vos com revestir as igrejas com belos cortinados, mas, depois, encontrais Cristo nu ao sair do templo e não vos preocupais com vesti--lo". Subscrevo totalmente.

C. Já tinha visto o filme O Caso Spotlight, sobre a investigação jornalística do escândalo da pedofilia pelo clero da arquidiocese de Boston e a tentativa de encobrimento por parte do cardeal, e achei-o excelente de todos os pontos de vista. Foi premiado como o melhor filme do ano. Fiquei satisfeito por ver o Osservatore Romano, jornal oficioso do Vaticano, classificá-lo como um filme "emocionante", e "não é anticatólico", porque "dá voz ao horror e à dor profunda dos fiéis". E pediu-se a Francisco que acabe com as causas deste flagelo. E é o que Francisco, que classificou a pedofilia como "uma monstruosidade", está a fazer, apesar das resistências.

D. A Igreja Católica tem muitos e graves problemas para resolver, mas a questão da reconciliação sã com a sexualidade é fundamental. O título deste texto, aparentemente desconexo, tem um vínculo: o sexo. Se se dissesse claramente, sem receios, que Jesus é filho de José e de Maria, não haveria lugar para o cartaz. Também é sabido que a pedofilia não deriva necessariamente do celibato obrigatório. Mas a lei do celibato pode ser causa de sexualidades distorcidas. Porque é que a Igreja há-de impor como lei o que Jesus entregou à liberdade?

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