Esta pergunta é feita pelo dono da vinha que mostra a sua bondade ao pagar por igual aos trabalhadores contratados. Os queixosos começam a murmurar e questionam abertamente o seu proceder. Aduzem diferenças de horário e de condições do tempo variáveis ao longo da jornada. E desabafam dizendo: “Suportámos o peso do dia e o calor”. E era verdade, pois vêem os que trabalharam apenas uma hora receberem a mesma paga.
Aquela pergunta é a última de três. “Amigo, diz a um deles, em nada te prejudico. Não foi um denário que ajustaste comigo? Leva o que é teu e segue o teu caminho. Eu quero dar a este último tanto como a ti. Não me será permitido fazer o que quero do que é meu? Ou serão maus os teus olhos porque eu sou bom?”
Jesus conta parábolas que são histórias da vida corrente, acessíveis e cheias de sabedoria, para ajudar os ouvintes a descobrir a novidade que anuncia ou seja que o proceder de Deus é surpreendente e desconcertante, que os seus critérios de avaliação são diferentes em relação aos nossos, que a sua preocupação maior é o bem de todas as pessoas e não apenas o interesse de algumas. Mateus, hábil narrador, faz um belo relato do que terá acontecido e tem particular impacto nas comunidades a que dirige o seu Evangelho. Um dos maiores problemas estava relacionado com os judeus ouvirem dizer que outros povos receberiam as mesmas bênçãos de Deus, teriam acesso aos bens do Reino, seriam considerados herdeiros das promessas. Mesmo convertendo-se, mas sem passarem pelas práticas religiosas judaicas. A fidelidade às tradições impede-os de se abrirem à novidade que surge em Jesus de Nazaré e de começarem a acolher um Deus diferente na sua relação com todas as pessoas. Simplesmente porque é bom e a sua misericórdia se estende a todas as criaturas, como reza o salmo hoje recitado.
A bondade como prática pastoral prolonga este modo de ser e de agir do nosso Deus. A Igreja, que somos nós em comunhão de irmãos com o nosso Bispo e o Papa Francisco, tem aqui a regra de ouro para o seu proceder e a sociedade a pauta da verdade para o robustecimento da cidadania. Dom António Francisco dos Santos deu rosto humano irradiante à bondade e deixa-nos a certeza de que: "Só pela bondade aprenderemos a fazer do poder um serviço, da autoridade uma proximidade e do ministério uma paixão pela missão de anunciar a alegria do evangelho".
A parábola dos trabalhadores da vinha (Mt 20, 1-16a) é muito rica de sentidos e tem um alcance enorme para desvendar o projecto de salvação que Deus oferece à humanidade ao longo dos tempos. João Paulo II faz-lhe um comentário magistral ao apresentar a Exortação Apostólica Pós-Sinodal sobre a vocação e missão dos leigos na Igreja e no mundo, em 1988. Diz o Papa logo na introdução: “A parábola do Evangelho abre aos nossos olhos a imensa vinha do Senhor e a multidão de pessoas, homens e mulheres, que Ele chama e envia para trabalhar nela. A vinha é o mundo inteiro (Cf Mt 13,8), que deve ser transformado segundo o plano de Deus em ordem ao advento definitivo do Reino de Deus”. “O convite do Senhor Jesus «Ide vós também para a minha vinha» continua, desde esse longínquo dia, a fazer-se ouvir ao longo da história: dirige-se a todo o homem que vem a este mundo”.
Tendo presente este horizonte tão rasgado, vale a pena mergulhar na realidade em que vivem os judeus e fazer brilhar alguma centelha de luz para a nossa situação actual. O trabalho aí está a interpelar profundamente a consciência humana, as leis laborais e a organização da sociedade. Os direitos adquiridos com o seu cortejo de exigências em que sobressai sempre o interesse individual, impõe-se sem piedade, quebra todos os laços de solidariedade e acaba por desumanizar as pessoas. Os critérios de rentabilidade invadiram a cultura actual que faz ecoar por toda a parte: “quanto vale”, “para que serve”, “só o útil merece a pena” eliminam o gratuito, o dom, o amor solidário e oblativo, isto é, reduzem a pessoa a um objecto prestes a ser substituído por um robot ou um drone. A economia de mercado cresceria em humanidade se tivesse em conta a economia solidária, de comunhão, do dom de Deus que nos é legado. “O Evangelho é norma de sabedoria e critério determinante de humanidade” (J.M. Castillo, La Religión de Jesús, p. 397).
Tens inveja por eu ser bondoso? Pergunta que desafia a mente humana e, sobretudo o coração dorido por tantas vítimas “sobrantes” como os últimos convidados da parábola. O proceder do dono da vinha é justo, segue à risca o que contratou de forma explícita e estende a sua bondade àqueles que, sem o salário da jorna, não tinham o indispensável para o dia seguinte. O contexto ajuda a medir o alcance da parábola: Respeitar a justiça e dar largas à generosidade compassiva. Bela lição!
Georgino Rocha