Constitui uma fonte preciosa o legado de D. António Francisco dos Santos em vários âmbitos do agir pastoral da Igreja. No caso presente da relação a promover com os divorciados recasados. Em entrevista de 2015 para a revista “Vida Nueva” afirma: “Diante da Igreja e na Igreja todas as pessoas têm nome, rosto, alma e coração. Muitas vezes, um coração partido, a sofrer, dorido, por muitas desventuras! Mas a Igreja tem de saber acolher e fazer um caminho em comum nesse sentido” E mais adianta, como informa António Marujo: “Temos também de saber reflectir com eles, não apenas acolher. Importa saber ouvir e decidir com os casais divorciados recasados os caminhos de cada um no empenhamento concreto na vida da Igreja. Mesmo com aqueles que estejam em situações de ruptura ou de não aceitação das orientações da Igreja, sabemos que nunca podem ser marginalizados e que podem sempre encontrar a Igreja aberta.”
Saber acolher, ouvir, decidir, acompanhar, fomentar e reconhecer espaços de encontro e de partilha com outros casais, de apoio na relação iniciada e a necessitar de revigoramento, na caminhada em conjunto como formas concretas adequadas à situação vivida, ao ideal sonhado, à integração possível na comunidade eclesial.
Com este propósito, vão surgindo equipas em diversas dioceses apoiadas por paróquias ou por movimentos. Sobretudo, onde a situação é mais clamorosa. França e Brasil surgem em revistas com experiências que podem ser verdadeira referência. Em Portugal, está menos divulgado este esforço que visa despertar a consciência pastoral dos cristãos, quer estejam abrangidos ou não por este desafio. Mesmo assim, vêm referenciadas frequentemente as Equipas de Santa Isabel, Lisboa, inspiradas no movimento francês “Reliance” ligado às Equipas de Nossa Senhora.
O “Reliance” surge como resposta organizada ao convite/apelo de João Paulo II em 1997 que refere, entre outras coisas, os casais em dificuldade, os separados, os divorciados e os divorciados recasados e manifesta o desejo de que “pudessem encontrar na Igreja casais que estivessem dispostos a ajudá-los”. (A missão do Amor, tema de estudo 2017-2018, p. 58). O Papa Francisco relança o apelo pontifício de 1997 e dá-lhe novo vigor e amplitude em várias intervenções, designadamente com a exortação apostólica “A Alegria do Amor”. As famílias não são um problema, são sobretudo uma oportunidade. O seu amor é também o júbilo da Igreja, pode ler-se no início. Dirigindo-se directamente às Equipas de Nossa Senhora, em 2015, atribui-lhes o serviço de, em virtude do dom recebido e da experiência vivida, "ajudar as comunidades cristãs a discernir as situações concretas destas pessoas, a acolhê-las com as suas feridas e a ajudá-las a caminhar na fé e na verdade…”. O Movimento quer ser fiel e traça linhas de rumo para os casais acompanhantes.
“Quando não concordo que se ponham de lado os divorciados, Senhor dá-me coragem de lhes abrir as portas do meu coração e da minha comunidade social e religiosa”, reza o Padre Joaquim Batalha, no Farol, boletim das suas paróquias. Coragem para abrir as portas do coração e da comunidade, criar espaços de encontro e de convívio, organizar grupos com os que mostram vontade de rever com outros a sua situação e dar o passo conforme a evolução, tendo sempre presente que o protagonista é cada pessoa e o casal, sem esquecer a beleza atraente do matrimónio, aliança de amor.
O clima de confiança é indispensável. A reunião segue normalmente as fases de uma equipa amiga que reconhece a situação de cada um/a e quer caminhar. Após o acolhimento, pode fazer-se um instante de silencia para serenar os possíveis ruídos interiores, faz-se uma oração, lê-se um texto motivador, debate-se o tema previamente indicado, segue-se a partilha, destaca-se a sua incidência na vida de cada um e o esforço a fazer para ser coerente. Na parte final, pode haver um momento de descontração com algum bolinho e chá ou algo semelhante e a invocação de Nossa Senhora, patrona dos lares.
Recentemente, refere o diretor da Civiltà Cattolica, o Papa Francisco reiterou “a importância de que esse documento seja recebido na sua inteireza, para colocar em ação dinâmicas positivas na Igreja”. Que resposta está a dar a nossa Igreja diocesana? É hora de nos perguntarmos e reforçarmos os esforços em curso.
Georgino Rocha