“Não deixa de ser estranho que a Igreja no seu Ritual de Bênçãos contemple tanta diversidade de pessoas, de animais e de coisas e mostre relutância em atender o pedido de divorciados recasados que as desejam para a sua nova situação”, diz-me um amigo de velha data familiarizado com esta temática. Estou de acordo com ele, embora para suavizar a intensidade da queixa lhe lembre que é para evitar confusões com os ritos do matrimónio sacramental. Ele prossegue: “Por medo a confusões e ao risco, a história dá-nos lições de profecia, vendo a realidade cultural a avançar e certas instâncias da Igreja a ficarem paradas no tempo ou mesmo a entrar em conflito com as novas realidades”. E o Papa Francisco a proclamar que prefere uma Igreja acidentada, hospital de campanha…
Reconheço a justeza da observação. Sei por experiência que nem sempre a novidade é portadora da verdade. E também que a confusão gera, com frequência, enorme desorientação. O que exige uma atenção redobrada, um discernimento oportuno, um diálogo institucional frequente entre “quem vive no terreno” e os responsáveis da Igreja nos espaços onde as pessoas se encontram e vivem. E a realidade fala por si: muitos divorciados recasados querem sentir-se abençoados por Deus por meio dos ritos da Igreja, querem fazer a caminhada como casal de cristãos, querem colocar os seus dons ao serviço da comunidade, querem ter “voz e vez” para testemunhar o valor do amor conjugal no segundo casamento.
A vida cristã está cheia de bênçãos de Deus fora e dentro da Igreja. E delas participam as pessoas, independentemente da sua situação. Mas em circunstâncias especiais tornam-se mais visíveis: nas fases marcantes do ciclo da vida, na assembleia dominical e dos sacramentos, nas celebrações da Palavra, na oração comunitária, nos encontros de partilha de grupos familiares, no gesto significativo de acção de graças após a refeição em que crianças e jovens pedem aos pais e avós a sua bênção, na realização de funerais católicos, no início do ano civil e no rito da paz bíblica. Se a bênção é dada a quem participa, ninguém fica excluído. O livro da vida abre-se de par-em-par para ser lido com acerto e sabedoria.
A maior bênção para os divorciados recasados é, sem dúvida, o novo parceiro, o outro acolhido como dom de Deus para, juntos, refazerem a vida e realizarem no dia-a-dia a felicidade desejada, embora ferida pela primeira experiência. Bendizer a humanidade de quem partilha a mesma aventura, admirar as suas virtudes e capacidades, aceitar a sua fragilidade e saber conviver, namorar a relação conseguida, reforçar a opção tomada, acertar novos pontos de esforço pessoal e em casal, rezar a companhia discreta, mas verdadeira, de Jesus sempre convidativo: Vinde a Mim e eu vos darei conforto. Agradecer o outro como dom de Deus é a melhor bênção possível.
Mas há outras que vão sendo praticadas na vida pastoral. Chegam testemunhos de várias partes do mundo, mais sensíveis a esta realidade. O blogue «Padres Inquietos», 08.07.2007) oferece a oração de Armand Le Bourgeois e o testemunho de Jean Gaillot, bispos franceses, já falecidos, de que faço um resumo.
“Peço-te, Senhor, que és Amor, por todos os homens e mulheres divorciados, com frequência recasados, que guardam o sentimento de um fracasso por vezes doloroso. Dá àqueles que encontram estes feridos do amor a graça de os acolher como irmãos. Ilumina também a sua Igreja sobre as vias de uma maior misericórdia. e Tu, cujo nome é Amor, fortifica no seu amor todos os casais criados à Tua imagem que se encontrarem um dia em Ti”.
Por sua vez, adianta Gaillot: “Após a cerimónia na conservatória todos, família e amigos, se reúnem em casa dos recém-casados. Ficamos de pé, um pouco apertados, na grande sala de estar. Os recém-casados, rodeados pelos filhos, têm esta bênção em grande apreço. Para eles é um acontecimento carregado de sentido. É por isso que tomam a palavra, não só para recordarem a sua situação, mas, sobretudo, para dizerem o que tencionam fazer desta nova etapa da sua vida…
Estamos todos presentes para que o seu casamento seja bem-sucedido. É distribuída uma folha, pela qual nos guiamos para cantarmos, com todo o coração: "Encontrar na minha vida a tua presença". Os noivos apresentam-me as alianças, que eu abençoo e eles dão um ao outro: “Recebe esta aliança, como símbolo do nosso amor e da nossa fidelidade." A assistência aplaude. A breve celebração é concluída com palavras de paz: “Que a paz esteja nesta casa. Que reine sempre entre vós." A festa continua…
A prática pastoral que estes dois bispos realizam não é fruto apenas das suas ideias pessoais. Mas de “várias dioceses francesas, após ponderada e longa reflexão em grupos de pastoral familiar, reuniões presbiterais, e sínodos diocesanos; tendo sido reconhecida a nível oficial por um documento de 2002 dos bispos franceses e contando actualmente com directrizes provenientes de várias dioceses gaulesas”. (blogue cit, comentário em 2012). É preciso apreciar o que se vai fazendo e lutar pelo que desejamos que aconteça, dizia eu àquele amigo.
Georgino Rocha