“Saga Maior — Os «ílhavos» no marear da vida litoral fora (Séc. XVIII a Séc. XX)”, de Senos da Fonseca, foi um dos livros do meu habitual período de férias. Li-o com a serenidade devida a obra tão esperada e elucidativa sobre a diáspora dos ílhavos pelo litoral português, onde deixaram «uma marca indelével de traços identitários, ainda hoje bem perdurantes da cultura ilhavense», como sublinha o autor.
Para abrir o apetite, Senos da Fonseca brinda os leitores com um saboroso naco de prosa poética de Maia Alcoforado, de que transcrevo apenas o último parágrafo: «E a embrulhar-lhe o peito [do ílhavo, claro], mais rijo que um cepo, o blusão de flanela salpicado de cores, onde arrecada a onça mail’o cachimbo, os lumes e o lenço d’Alcobaça — quase tão grande como as bandeiras do mariato».
Senos da Fonseca é um apaixonado pela sua terra. Emociona-se e empolga-se com o historial da Saga Maior, não se cansando de ouvir «noites e noites a fio» histórias dessa saga que lhe deixaram marcas profundas na alma, de tal modo que correu meio mundo para registar ao vivo vestígios palpáveis desse passado, para as doar, de mão beijada, às gerações atuais e futuras, como herança que urge preservar.
A diáspora dos ílhavos pelo litoral português não foi fruto apenas do espírito de aventura, mas resultou das circunstâncias impostas pela natureza. Laguna de águas estagnadas e sem acesso ao mar ditaram a sentença e a demanda de novos desafio tornou-os migrantes. «E num exercício de prodigiosa temeridade, lançaram-se à pancada do mar, a procurar sustento para sobrevivência», refere o autor.
Tejo e Douro foram desafios para os primeiros ílhavos, como desafios também foram as artes de pesca que souberam implementar e adaptar, influenciados pela Catalunha, «via Galiza». E neste trabalho, profusamente ilustrado, o autor disseca barcos e redes, brindando-nos com pormenores enciclopédicos, para mim, pelo menos, que sou leigo em tais matérias.
Li capítulo a capítulo, página a página, debrucei-me sobre as muitas fotografias e desenhos técnicos, e fiquei a saber mais do que o suficiente sobre a chegada de Luís Barreto à Costa Nova, a presença dos ílhavos em Cova e Costa de Lavos, os Palheiros de Mira e da Tocha, Leirosa e Pedrógão, os Avieiros e Costa da Caparica, Costa da Lagoa de Santo André, Buarcos, Peniche e Sesimbra, Nazaré e Algarve, entre outras povoações. Por todas estas terras, de Norte a Sul de Portugal, Senos da Fonseca registou motivos identitários, embarcações, Capelas, naufrágios, mestres e figuras marcantes da gesta ilhavense.
Destaque ainda para o linguajar do litoral e para a bibliografia e glossário, sempre fundamentais em obras deste género.
O autor contou com o apoio à edição de Ana Maria Lopes.
Fernando Martins