D. António e P. Georgino |
A celebração do funeral de D. António Francisco está revestida de uma simplicidade sóbria e digna, de uma eloquência exuberante e sábia. As pessoas, em número de multidão impressionante, trouxeram à luz do dia e fizeram brilhar as sementes fecundas do seu modo de ser e de agir, do seu saber estar e comunicar, do seu rosto de bondade e do seu coração de pastor. São sementes que no silêncio de tantas consciências iam germinando e, agora, como em plena manhã de primavera, se abrem à carícia do sol irradiante, à frescura do ambiente saudável, diáfano de luz e amor. São sementes portadoras de uma seiva divina e de um vigor missionário “imparável”.
Vivi esta celebração pascal como o coroar de uma vida plena que só na morte manifesta a sua riqueza transbordante, como a mais bela catequese que D. António Francisco podia realizar e a que os responsáveis da organização do funeral deram o indispensável suporte comunicativo: a urna no chão sobre uma carpete, com apenas a bíblia e a mitra, a sobriedade da zona envolvente, a atenção solícita dos presentes na Sé, nos claustros e no terreiro, o desenrolar do programa celebrativo, a participação sentida da numerosa assembleia, a clareza apelativa das orientações à assembleia orante, a mensagem diáfana da homilia, a dignidade dos ritos…tudo convergiu para que D. António Francisco fizesse ouvir a voz do seu silêncio apelativo, o clarão de esperança que irradia da sua vida nova.
Seleciono três mensagens que, por esta ocasião, me chegaram e deixaram marcas indeléveis. Parecem-me muito acertadas para avivar a sua memória abençoada: a do Papa Francisco, a dos sem-abrigo e a do grupo de jovens que veio de Paris tomar parte no funeral.
A mensagem do Papa Francisco manifesta “o seu pesar e a sua solidariedade à comunidade diocesana do Porto, bem como aos seus familiares em luto”, evoca o falecido bispo do Porto como um “pastor afável, generoso”, que colocou os seus dons “ao serviço dos irmãos”, e reafirma que o Santo Padre reza pelo “incansável servidor do Evangelho e da Igreja”, associando-se à Liturgia exequial e concedendo a sua bênção apostólica. O jeito de ser pastor tem muitos traços em comum entre o bispo de Roma e o do Porto, agora defunto.
Um amigo de Viseu, que toma parte na celebração, escreve no mural do seu facebook: “Deparo com um numeroso grupo de pobres sem abrigo que estavam presentes no adro da Catedral e de sua boca só se ouvia dizer: «morreu o nosso pai, o nosso grande amigo, (que) sorria sempre para nós, falava sempre connosco, perguntava a nossa história e porque éramos sem abrigo». Além destas referências carinhosas, «muitas outras coisas proferiam sobre o santo bispo que ficará na memória de milhares de pessoas, crentes e não crentes. Porque afinal o povo ainda sabe quem são os bons pastores”. Mais tarde, diz-me que na peregrinação da diocese do Porto a Fátima realizada a 9 de Setembro corrente, participaram 50 sem abrigo por indicação de D. António Francisco.
O porta-voz do grupo de jovens parisienses desabafa nestes termos: “Estou em choque. Foi ele que me casou, que batizou o meu filho. É um irmão, um santo. Perdi um amigo mas a Igreja ganhou mais um santo”.
Nos anos 70 do século XX, o então padre António Francisco assistia a uma comunidade portuguesa de emigrantes em Paris e fazia estudos universitários. A relação criada era tão forte que se concretizava em visitas periódicas. E o grupo avisado da morte daquele que foi seu “orientador e diretor espiritual”, torna-se presente no funeral e dá à Ecclesia o seu testemunho sobre o prelado “uma das melhores pessoas” que conheceu.
“A noite não tem cancelas”, dizia de vez em quando D. António Francisco chamado a acompanhar uma equipa de casais de Aveiro, após a morte de D. António Marcelino. É verdade. Para quem ama, nem noite nem o dia, nem o relógio nem a agenda, nem a lonjura dos caminhos ou a proximidade da vizinhança, nem o ritmo do coração que sintoniza com a hora de Deus. Precioso legado. Demos-lhe a melhor sorte!
Georgino Rocha