sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Anselmo Borges — Livros das férias (2)




Continuo com reflexões a partir do livro de Celso Alcaína Roma Veduta. Monseñor Se Desnuda, ele próprio reflectindo sobre a Igreja e o seu futuro, a partir dos oito anos passados na Cúria, concretamente na Congregação para a Doutrina da Fé.

1. O Concílio Vaticano II constituiu uma viragem e uma enorme esperança para a Igreja e para o mundo. Foi na sua sequência que, por exemplo, em 1966 acabou o Index Librorum Prohibitorum (o catálogo dos livros proibidos). Em 1967, foi criada a Comissão Teológica Internacional, que teria temas múltiplos para estudar, como: "O valor e oportunidade do dogmatismo, o primado e magistério (incluída a infalibilidade) do bispo de Roma, a colegialidade episcopal, a relação permanente entre razão e fé, o evolucionismo, a divindade de Jesus, a fundação da Igreja como sociedade hierárquica permanente, a revisão e formulação dos dogmas com especial incidência nos marianos, o valor e a interpretação da Bíblia, o valor da tradição, a transubstanciação eucarística, o sacramento da penitência, a indissolubilidade do matrimónio, o pecado original, o pluralismo teológico, o papel do laicado, o celibato obrigatório." Mas "a Cúria atemorizou-se e essas propostas caíram em saco roto". Com João Paulo II, fez-se marcha atrás, voltou-se ao centralismo romano e as condenações de teólogos contam-se às dezenas.

Na impossibilidade de reflectir sobre todas essas problemáticas, volto à questão do celibato. A sua obrigatoriedade só muito lentamente se impôs. Durante o primeiro milénio houve inclusivamente papas casados. Foi o papa Gregório VII, no século XI, que impôs ao mesmo tempo essa obrigatoriedade e o centralismo papal. Mesmo assim, foi só no Concílio de Trento, no século XVI, que foi ratificado com carácter universal, isto é, obrigatório para todos os padres, no Ocidente. Mas, de facto, com a tolerância de muitos bispos. Como ficou dito, Paulo VI empenhou-se a favor do celibato opcional, sem o conseguir. João Paulo II previu a abolição da obrigatoriedade, com estas palavras: "Sinto que acontecerá, mas que não seja eu a vê-la."

Os escândalos sucederam-se. Diz-se, por exemplo, que no Concílio de Constança (1414-1418), compareceram 700 prostitutas. Houve papas filhos de papas. "Inclusivamente depois da lei do celibato obrigatório, nos séculos XV e XVI, foram vários os papas que geraram filhos, quer já papas quer na sua condição anterior de bispos: Inocêncio III, Alexandre VI, Júlio II, Gregório XIII..." Alcaína refere que durante os seus oito anos de actividade no Vaticano foi comissário-juiz para a redução de sacerdotes ao estado laical: "Mais de mil casos passaram pelas minhas mãos", clérigos que se tinham enamorado... Há hoje mais de cem mil padres casados, que formaram família e tiveram de abandonar o sacerdócio e eu pergunto porque é que a Igreja não aproveita tantos deles, que quereriam e têm qualidades para o exercício do ministério.

Alcaína nota que os filhos de clérigos, segundo uma norma que vem da Baixa Idade Média, serão chamados sobrinhos. Neste contexto, chamo a atenção para que no passado mês de Agosto foram dadas a conhecer normas dos bispos irlandeses sobre a situação dos padres com filhos: o bem-estar da criança é primordial e a mãe deve ser respeitada, devendo o sacerdote "assumir as suas responsabilidades pessoais, legais, morais e financeiras".

2. E Francisco? O que pensa dele Alcaína?

Ao contrário de Ratzinger, Bergoglio não é "um teólogo profissional. Não tem escola teológica própria. É de esperar que não pretenda impor uma concepção enviesada do cristianismo e que fomentará o progresso teológico. Francisco transmitiu desde o princípio sinais de humildade, também doutrinal. Antepôs a acção à ideologia: o nome eloquente que escolheu, o seu respeito pelas convicções dos ouvintes, a sua simplicidade com gestos nada teatrais, a sua posição manifesta a favor de uma Igreja pobre, o seu confessado amor aos pobres, as suas alocuções nada pontificais, o seu cuidado em evitar ser chamado com títulos pomposos para lá de "bispo de Roma", o seu beijo espontâneo a uma mulher perante as câmaras, nem sapatos vermelhos nem anel em ouro nem púrpura... Tudo faz pressagiar uma primavera de esperança".

Mas o jesuíta Francisco não conseguiu reformas visíveis e fundas. Escandalizou com canonizações, algumas endogâmicas, como no caso de João Paulo II. Reconheceu milagres, que implicariam um Deus arbitrário, a favor de uns e não de outros. "Criou cardeais, em reconhecimento de um arcaico Colégio Cardinalício, historicamente desprestigiado e eclesiasticamente artificial", que impede uma eleição mais democrática do papa: não se deve esquecer que no primeiro milénio, "como no resto das Igrejas locais, era o clero (e os delegados do povo) de Roma que elegia o seu bispo" e o Papa era primus inter pares (o primeiro entre iguais). "Não subscreveu a Declaração Universal de Direitos Humanos nem outras 15 convenções da ONU na linha da mesma Declaração." Não teve força para contradizer "a misógina decisão de João Paulo II quanto ao sacerdócio feminino". Não suavizou o verticalismo centralista nas nomeações episcopais. E há outras questões essenciais para quem trabalha por uma Igreja diferente: "Jesuânica, exemplar, autêntica." Ora, dentro do âmbito das suas actuais competências, Francisco pode fazê-lo. Há aquele dito: "Potuit, voluit ergo fecit" (podia, quis e, por isso, fez). "Aparentemente, Bergoglio quer; há dúvidas se Francisco quer; legalmente, canonicamente, o Papa pode. FIAT (Faça-se)."

Aqui, digo eu: certamente, Alcaína não ignora que o Papa Francisco não pode nem quer criar cismas na Igreja. Sobretudo, há a Cúria, que ele conhece como poucos, e que, repito com o jesuíta J.I. González Faus, é responsável por mais ateus do que Marx, Nietzsche e Freud juntos.

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