A partida prematura do Bispo do Porto determinou, inexoravelmente, a minha crónica de hoje. Honrou-me D. António Francisco com a sua amizade. Mas mais do que isso, privilegiou-me com o seu convívio, com a partilha de tantos episódios emocionalmente ricos, principalmente com a vivência das suas ideias e das suas práticas.
É difícil imaginar um homem tão autêntico no seu modo de ser e tão genuíno na sua essência. Eu não encontrei muitos, se é que encontrei algum. Era uma pessoa intrinsecamente boa, um ser humano de primeira grandeza. Lembro-me de uma das primeiras vezes em que estivemos juntos, uma bênção de finalistas na Universidade de Aveiro. A cerimónia prolongou-se em excesso e de uma forma que pôs em causa a dignidade do ato e o respeito devido pela presença do então bispo de Aveiro. D. António, imperturbável, prosseguiu no seu caminho de conceder a cada representante de curso a palavra devida com a bonomia que o caracterizava, no tempo e no modo programados. E no fim ainda me veio agradecer, reconhecido pelo que entendeu ser a minha resistência solidária para com ele. Marcou-me muito este seu saber estar, ao mesmo tempo tão inteligente e tão humilde.
A sua ação foi sempre pautada pela generosidade para com o outro e pela preocupação com os mais fragilizados, os mais pobres, os mais carecidos de ajuda. Estava em sintonia com as ideias e o modus faciendi do Papa Francisco, mesmo antes de este ter assumido o protagonismo conhecido.
D. António Francisco era uma pessoa de grande ecumenismo e de enorme tolerância, com uma verdadeira abertura à diferença, com um total respeito por quem não é igual. A sua presença na ceia de Natal - onde, ano após ano, juntamos todos os estudantes estrangeiros que ficam em Aveiro nessa quadra, qualquer que seja a sua crença - cativava pelo seu cuidado em não ofender sensibilidades, antes em enaltecer o que nos une enquanto humanidade. Tenho na memória o entusiasmo com que se associou ao Encontro da Aliança das Civilizações, promovido na UA pelo Alto Representante Jorge Sampaio, em que também estiveram presentes os mais elevados responsáveis das comunidades muçulmana e judaica. Por esse ecumenismo fez questão que a festa de despedida de Aveiro, antes de assumir funções no Porto, decorresse na universidade, por entender ser um lugar mais abrangente. Lembro-me que fez questão de cumprimentar, aí, uma a uma, as mais de 600 pessoas que enchiam o grande auditório. Os seus discursos, sempre muito ricos na defesa dos valores, pautavam-se por um caráter universal e agregador, que os fazia serem oportunos e apropriados em qualquer circunstância ou lugar.
Mas D. António era também um académico, culto e estudioso das ideias e, em particular, dos fenómenos sociais. Acreditava no papel do conhecimento no desenvolvimento humano e enquanto fator de subtração à pobreza. Convencer pais a perseverarem na educação dos filhos, em vez de reproduzirem quadros sociais de carência, foi algo que D. António fez muito bem e que ninguém poderia fazer melhor que ele: um labor valiosíssimo! Foi um grande amigo da Universidade de Aveiro por quem sempre pugnou. Ficou a dever-me um almoço, há muito combinado: foi o menor dos males; o pior é a saudade que a todos deixa.
Crónica por Manuel António Assunção, Reitor da UA, no Jornal de Notícias