De crise em crise até à (in)justiça final?
No passado dia 25, de Julho, escrevi algumas linhas sobre a reunião da FAO, que decorreu na cidade de Roma, entre 3 e 5 de Junho, com o suposto intuito de se encontrarem soluções para a falta e o aumento do custo dos alimentos, à escala mundial. Estiveram presentes 181 países, mas nada de concreto saiu deste fórum internacional. Para isso, muito contribuiu os diferentes interesses em jogo, sobretudo da parte dos EUA e da UE.
Decorrido cerca de um mês – mais concretamente entre os dias 7 e 9 de Julho – o chamado grupo do G8 (Alemanha, Canadá, EUA, França, Grã-Bretanha, Itália, Japão e Rússia) reuniram-se no Japão, para discutirem, entre outros assuntos, as crises alimentar, energética e climática.
As medidas anunciadas pelos líderes destes oito países, após a cimeira, foram vagas e superficiais e, de concreto, os seus efeitos, para a resolução futura dos vários problemas que afectam o mundo, deixam muito a desejar.
Exemplo disso está na intenção de reduzir, em mais de 50%, a emissão dos gases que contribuem para o efeito estufa, até ao ano 2050, o que significa que estaremos a mais de 40 anos da sua possível concretização, e onde os EUA têm a prerrogativa de traçarem as suas próprias datas e limites! De resto, os líderes do G8 apelaram ao aumento da produção petrolífera, sem terem concretizado nada no que respeita à eficácia energética ou à diversificação das fontes de energia. Relativamente a medidas que possam contribuir para ultrapassar a crise alimentar que vivemos, foram tratadas pela rama, traduzindo-se, mais uma vez, num conjunto difuso de boas intenções.
Dias antes desta cimeira do G8 (dia 2 de Julho), o arcebispo D. Celestino Migliore, observador permanente da Santa Sé junto das Nações Unidas, em Nova Iorque, proferiu um discurso no Conselho Económico e Social das Nações Unidas, onde, a dado passo, refere: “ É difícil pensar que num mundo, no qual se gasta 1,3 triliões de dólares, por ano, em armamentos, não se disponha dos fundos necessários para cobrir as necessidades básicas das pessoas. Não há razões para não actuar, e um sincero desejo em actuar deve ser acompanhado das acções necessárias, mais do que palavras e de boas intenções.” Reuniões, conferências ou debates não faltam, um pouco por todo o lado, supostamente para debelar as crises que, desde há muito, se vêm abatendo sobre o mundo, mas, de concreto, nada sai delas. De tudo isto, fica a reconfirmação de que a manutenção da pobreza, entre outros exemplos, interessa a muita gente poderosa, para que o mundo continue a ser o que tem sido até aqui. Recentemente, o Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-Moon, dizia que 15 a 20 mil milhões de dólares, anuais, era o valor necessário para combater os efeitos da crise alimentar. Ora, segundo o Gabinete do Orçamento do Congresso dos EUA e outros especialistas, a guerra do Iraque custará entre 1 a 2 milhões de milhões de dólares, ou seja, cerca de 50 vezes mais do que o necessário para matar a fome a todos os esfomeados do mundo. Pelo que se vê e se sabe desde há muito, a questão da erradicação da fome não é feita por falta de dinheiro, mas sim devido aos interesses e prioridades estabelecidas e os fins a atingir pelas nações que vão dominando o mundo a seu belo prazer. Definitivamente, a dignidade da pessoa humana não é, ao contrário do que se quer fazer querer, uma prioridade ou um valor a defender. Por isso, na reunião da FAO, em Roma, o Papa Bento XVI enviou uma carta aos conferencistas, onde dizia: “…a fome e a desnutrição são inaceitáveis, num mundo que, na realidade, dispõe de níveis de produção, de recursos e de conhecimento suficientes para acabar com estes dramas e as suas consequências…”. Homens de boa vontade (não há cristãos autênticos sem serem, primeiro, homens de boa vontade), temos que ter a exacta noção de que nada se pode fazer sem a conversão genuína de cada um em querer fazer o bem e, a partir daqui, assumir, como sua afirmação e seu compromisso individual, que em cada ser humano que sofre está Cristo (cf.: Mt 25,37-40) e alguém que tem o direito, natural, à sua dignidade, princípios em que se apoia todo o edifício dos direitos humanos, bem como a sua universalidade.
Vítor Amorim