Sociedade de (des)confiança?
1. As recentes declarações do (PGR) Procurador-Geral da República têm proporcionado os mais variados sentimentos, e vindo despertar mesmo uma opinião pública tantas vezes longínqua destes mecanismos essenciais do Estado de Direito. Ao fim de um ano na gestão de órgão tão importante para a credibilidade democrática, o que está declarado, declarado está, a ponto de o próprio Procurador-Geral, dono da “tutela”, sentir alguns “sons” no telefone. No mínimo estranho, no máximo alarmante; mas está dito, e em entrevista não formal, o que torna as coisas mais verdadeiras.
2. Como comentário ao “comentário” do PGR, muitas vozes se fazem sentir, algumas mesmo estando contra a realização de qualquer escuta telefónica e outras a favor da sua generalização, dizendo que só com um sistema fiscalizador constante (quase inquisitorial) é que conseguiremos instaurar uma ordem de justa justiça. Dir-se-á que tudo isto (da realidade ao comentário) é muito preocupante, mas tanto mais quando o “dono” da casa partilha a sua impotência no lidar com este barco social que, diremos, mais que imposição de uma ordem pela “força” terá de ser capaz de instaurar uma ordem educativa, numa (insistente) ética transversal, pessoal e social.
3. Há breves anos, quando da obra Portugal, o Medo de Existir, do filósofo-ensaísta José Gil, muito se falou sobre a “inveja” como manifestação cultural de menoridade (se o vizinho tem, também tenho de ter!). Alguns pensadores vão sublinhando que, em comparação com outros países europeus, a CONFIANÇA terá de ser a base de construção da nossa comunidade. Mas como assumir a confiança, como factor decisivo, diante de sistemas de corrupção e crime organizado? Se o “combate” tem de ser em todas as frentes (dos sistemas judiciais aos da educação ética), uma coisa será certa: não se pode(rá) generalizar a desconfiança, tanto na comunidade em geral, como fundamentalmente naqueles de cuja acção depende a esperança de sociedade justa.
4. O eco das declarações do PGR estão aí, pairando no ar. Um ar poluído que carece de purificação. Novamente, só a ética nos pode salvar! Como multiplicá-la como antídoto para todas as desconfianças?
Alexandre Cruz