quarta-feira, 19 de julho de 2006

Um artista ilhavense

Costa Nova, 2004, Acrílico sobre tela, 80x120 cm
Brincadeiras de Menino, 2006, Acrílico sobre tela, 90x80 cm
JÚLIO PIRES: Um pintor a visitar
Há dias encontrei-me com um artista que desconhecia. Num ambiente em que se sente bem e que o completa: uma galeria de arte, a OP ARTE, na Gafanha da Nazaré. É um pintor ilhavense, que reflecte, num rápido contacto, uma serenidade que impressiona. Senti que não gosta de falar da sua arte. Gosta, porém, que sejam os outros a falar dela. É o que faço aqui, neste meu espaço, sem preocupações críticas. Deixando, contudo, que a minha sensibilidade diga o quanto gostei de apreciar nas suas telas, carregadas de cor. Mais luz e sombras dos nossos ares, com a Ria e o Mar a deixarem marcas que artistas, como ele, perpetuam. Por isso, digo que o Júlio Pires merece uma visita, onde quer que se encontre: nas galerias onde expõe, nas telas que se vão espalhando por casas de gente de bom gosto, no seu ateliê, que fica na Avenida João Vaz e Silva, Lote 4, na Praia da Vagueira, e no seu “site”, que mora em www.juliopires.com Os quadros que apreciei projectam-me para cantos e recantos da sua e nossa terra, e para mais além, ora carregados de cores fortes, ora de silhuetas que fazem sonhar, mas sempre com traços firmes que denotam o domínio das técnicas que experimenta, ou não fosse o artista um autodidacta que tem, como deve ter, a ânsia da procura e o desejo de chegar mais longe na arte que nunca mais pode abandonar. De quando em vez mostra-nos rostos que nos são familiares, tais são o rigor das feições e a expressividade de certos olhares e posições, das nossas gentes e de gentes de outras bandas, que Júlio Pires fixou de diversos pintores e de várias culturas. Aqui chegando, permita-me o pintor ilhavense que lhe diga que a sua arte, para se impor, não precisa, assim tanto, de sair dos horizontes que lhe enchem a alma, embora tenha o direito, como outros, de se deixar impressionar por outras formas de ser e de estar na vida, neste Portugal de tantos contrastes. Júlio Pires é natural de Ílhavo, onde nasceu a 30 de Outubro de 1964. É um autodidacta, criando o seu próprio percurso no caminho das Artes Plásticas. Frequentou em 1987 um curso de desenho e pintura no Grupo A.C.V. na Fundação Calouste Gulbenkian, sob a direcção de Pedro Andrade. Profissionalmente, foi pintor na Fábrica de Porcelanas da Vista Alegre. Porém, é nas telas que encontra a sua realização pessoal e a sua forma de expressão, que os ílhavos, e não só, têm a obrigação de muito mais valorizar. Júlio Pires já foi contemplado com vários prémios, fazendo parte a sua pintura do acervo de diversas colecções particulares. Está representado, também, em instituições portuguesas e estrangeiras, tendo participado em 34 exposições individuais e 24 colectivas. Fernando Martins

Textos ensanguentados

TEXTOS ENSANGUENTADOS 



Textos
ensanguentados
como feridas

Gralhas
ensanguentadas

Textos
gelados
como árvores
no Inverno

Textos
como árvores
cortadas
aos bocados

Textos
como lenha

Textos
como linho

Textos
brancos
como a noite

Textos
brancos
como a neve

Textos
sagrados

Textos
bifurcados
como ramos

Textos
unos
como troncos

Adília Lopes 

In “Sur la croix”

Um artigo de Daniel Serrão

PMA: com ou sem lei?
É legítima a pergunta. De facto, o tratamento médico da infertilidade, como qualquer outro tratamento do âmbito dos cuidados de saúde, não justificaria, por si só, a intervenção do legislador, fosse ele o Governo ou a Assembleia da República. E outros processos de tratamento da infertilidade, que não a PMA, como é o caso da desobstrução cirúrgica das trompas, não são objecto de preocupação dos legisladores. Basta a regra básica da actividade médica que é a de o médico agir sempre segundo as regras da boa prática científica e técnica, as leges artis dos juristas. Assim sendo, algo deve acontecer na PMA que ultrapassa a intervenção médico-técnica e que impôs a intervenção do legislador. E acontece: a PMA é um acto médico que extravasa da simples intenção terapêutica de curar a infertilidade, para campos não médicos e claramente sociais. E é a repercussão na sociedade e suas estruturas básicas, como a família, que impôs, e bem, a intervenção da Assembleia da República. Se o fez da melhor maneira, isso é matéria controversa.
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Leia mais em Ecclesia

Férias do Papa

Férias do Papa entre a leitura, a oração e a música
Bento XVI continua o seu período de repouso em Les Combes, nos Alpes italianos, preenchendo os seus dias com momentos de oração, leitura e música. Os tempos que o Papa passa ao piano, tocando Bach e Mozart, são audíveis nas casas vizinhas. O Centro Televisivo do Vaticano mostrou imagens inéditas de Bento XVI neste período de férias, que se prolongam até 28 de Julho. Além do piano, o CTV mostrou o Papa a caminhar pelos jardins que rodeiam o chalé que o aloja. Numa das poucas declarações que prestou aos jornalistas, nos últimos dias, Bento XVI explicou que “ver a montanha é como ver o criador”. Todos os responsáveis que são convidados a falar da estadia do Papa concordam com o clima de “tranquilidade” que se tem vivido, muito por força da personalidade reservada de Bento XVI e do seu amor pela natureza, que o leva a passear pelas montanhas circundantes. O descanso não impede, como já noticiado, que o Papa acompanhe a actualidade, através de contactos regulares com a Secretaria de Estado do Vaticano. O relativo sossego destes dias gera muita especulação em torno da actividade de Bento XVI e, tal como no ano passado, começa a falar-se com insistência da possibilidade de uma nova obra papal estar a ser redigida. Oficialmente, nenhuma indicação foi dada pelo Vaticano a esse respeito. Em declarações à Rádio Vaticano, o Bispo de Aosta, D. Giuseppe Anfossi, assegurou que “o Papa está tranquilo” e que “desfruta da liberdade de não estar submetido ao trabalho”.
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Fonte: Ecclesia

Um artigo de António Rego

Quando tudo
parece a arder
A humanidade vive de euforias e sobressaltos. Num misto de realidade e ficção, com alguns dados do passado e todas as dúvidas em relação ao futuro. Mais escancarado que nunca o buraco do ozono, com os raios ultravioleta quase a fecharem as pessoas em casa no braseiro do Verão, as temperaturas a roçarem os extremos suportáveis, os fogos a esgotarem os bombeiros e a inquietarem, com notícias, férias merecidas, os conflitos sem darem sinais de arrefecimento para os lados da Coreia do Norte, e agora em nova cena do Médio Oriente - para além de outros focos atenuados pela distância. Os preâmbulos da guerra parecem, agora, montados para um alastramento não apenas das escaramuças entre tanques e pedras, mas com dois exércitos frente a frente, incendiadas as fronteiras e enfurecidos os vizinhos e aliados. Em dado momento tudo parece conjugar-se para um fogo real ateado por um vulcão – o da violência - que sempre esteve em actividade na cratera da história, mas que varia de intensidade pelas formas de energia que utiliza. Entretanto, a justa exaltação de todo o progresso científico e tecnológico que permite o prolongamento da vida humana, as viagens planetárias, os meios de comunicação e informação com uma inteligência natural a artificial mais surpreendente que nunca. Mas tudo isso morre na praia, nas areias dos velhos absurdos da guerra e da violência. Assim é desde a noite dos tempos. E algum desalento se apodera dos profetas como que a confirmar que “ não há nada a fazer, o homem não tem remédio e a natureza parece que também não”. Restam apenas alguns pós de esperança para não alinharmos com os banais clamores dos fatalistas desiludidos? Talvez não. Não é negando a história e os factos que abrimos caminho para o futuro. Mas é precisamente no enquadramento e na medição exacta dos acontecimentos que ultrapassamos os aparentes bloqueios de cada momento. Se tudo parece a arder, será na frieza do nosso olhar que iremos descortinar a realidade que pertence a cada tempo. Não sabemos se daqui a duas semanas narramos os factos da mesma forma. Vamos descobrindo que a nossa emoção precipita juízos sobre acontecimentos incompletos e ajustáveis ao complexo cósmico e humano. Aqui, sim, vamos ter ao oceano de Deus que ultrapassa o nosso olhar, os nossos espaços, as nossas medidas e as nossas contas. Por isso a fé também se pode definir como o ângulo do olhar de Deus num sentir homogéneo sobre todos os tempos e todos os seres. Não passamos, afinal, duma ínfima – apesar de infinita - parcela desse todo. Nem por isso é menor a nossa responsabilidade ou maior a nossa desculpa.

terça-feira, 18 de julho de 2006

Um artigo de João Carlos Espada, no EXPRESSO

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Um pouco por toda a Europa e nos EUA assiste-se a tentativas legislativas de redesenhar a família heterossexual monogâmica
EM VALÊNCIA, assinalando a visita do Papa Bento XVI, um Fórum Mundial da Família reuniu esta semana mais de um milhar de associações familiares internacionais. Segundo os organizadores, o principal objectivo da iniciativa consiste em «defender e proteger o matrimónio como instituição específica entre um homem e uma mulher em todo o mundo». O tema tem particular actualidade em Espanha, onde legislação recente alargou o casamento a uniões homossexuais. Os termos «pai» e «mãe» foram substituídos por «progenitor A» e «progenitor B», numa demonstração de engenharia social sem precedentes. Mas a Espanha não é caso único. Um pouco por toda a Europa e nos EUA, assiste-se a tentativas legislativas de redesenhar a família heterossexual monogâmica. Numa aliança inesperada - mas não surpreendente - grupos islâmicos aproveitam a onda inovadora para introduzir na agenda a consagração da poligamia. Estes chamados «temas fracturantes» começaram por deixar os eleitorados indiferentes. Gradualmente, porém, geraram mal-estar e legítima reacção. Nos EUA, onze referendos estaduais recusaram por larga margem o «casamento homossexual». Sectores republicanos defendem a introdução de uma emenda constitucional definindo o casamento como a união entre um homem e uma mulher. Como vem sendo hábito, as «guerras culturais» começaram na América e chegam agora ao continente europeu. Na semana que agora termina, durante uma palestra que proferi em Madrid sobre Winston Churchill, a maior parte das perguntas foi sobre «temas fracturantes» e democracia. A ideologia fracturante anuncia-se como libertadora e igualitária. Quer libertar-nos da moral cristã, da vida familiar, e da hierarquia inerente à busca da excelência no domínio da educação. Tudo isto é apresentado em nome da liberdade e da democracia. Todos os que se opõem são apresentados como conservadores autoritários e antidemocratas. Nesta perspectiva, ser democrata significaria ser contra a religião - especialmente a judaico-cristã - e ser a favor do «casamento homossexual», do aborto gratuito a pedido, da pornografia na televisão à hora do jantar e, em geral, do relativismo moral. Ser democrata significaria ainda ser a favor de ensinar tudo isto aos filhos dos outros através de um sistema centralizado de escolas estatais, cuidadosamente protegidas da concorrência e da escolha livre das famílias. A verdade é que estamos perante uma ideologia autoritária, como, suspeito, Winston Churchill não deixaria de observar. A democracia deixa de ser vista como um sistema de regras para limitar o governo e torná-lo responsável perante os contribuintes. Passa a ser identificada com um projecto político-filosófico particular, de natureza sectária e adversarial contra modos de vida descentralizados e realmente existentes. Em vez de protecção desses modos de vida, a democracia passa a ser entendida como mandato para uma vanguarda redesenhar instituições descentralizadas - como a família ou a religião - que não tinham sido desenhadas por ninguém. Trata-se, numa palavra, do jacobinismo em versão pós-moderna. :: In "EXPRESSO" de 8 de Julho de 2006

Representações do sagrado e conflito de Liberdades - 1

Representações do sagrado

e liberdade de expressão

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A recente polémica em torno das caricaturas de Maomé voltou a colocar ao Ocidente uma dúvida sempre delicada: numa sociedade laica, como conciliar a total liberdade de expressão com o total respeito pelo sagrado? Ou de uma forma mais crua: em democracia, a religião pode impor limites à liberdade? A resposta da maioria dos dirigentes políticos e religiosos ocidentais, independentemente de crenças ou descrenças, foi apelar ao bom senso. Mas esta resposta a nada responde, porque o bom senso não se legisla nem se decreta. E a experiência demonstra que é suficientemente elástico para que alguns, em seu nome, concedam ao Islão uma reverência que nunca teriam pelo Cristianismo. Significa isto que o único direito verdadeiramente democrático seja (assim chegou a dizer-se entre nós) o “direito à blasfémia”? De modo nenhum. Em certo sentido, a blasfémia é também um atentado à liberdade dos crentes, como o é um insulto racista para as pessoas de cor ou uma piada anti-semita para os judeus. Nos três casos, ataca-se a legítima “exigência de reconhecimento” de uma comunidade, para usar o conceito do filósofo canadiano Charles Taylor que fundamenta a sua defesa do multiculturalismo. Será possível, então, arbitrar um tão radical conflito de direitos? Não. Como muitos outros conflitos de direitos, também este é irresolúvel. Onde há qualquer forma de representação do sagrado, e ao longo da história nenhuma cultura ignorou o fenómeno religioso, existe a possibilidade dialéctica de blasfemar. Uma cultura que jamais desrespeitasse os símbolos do sagrado, hipótese meramente académica, seria talvez uma cultura sem símbolos do sagrado. A blasfémia é a outra face do sagrado. E a outra face, diz o Evangelho, torna-se por vezes objecto de violência. Na verdade, quase podemos distinguir as sociedades pela forma - muito variável e sempre objecto de compromisso - como regulam essa violência. Mesmo na Europa medieval, onde o Cristianismo tinha um peso maioritário, a inquisição convivia com a mais desbragada sátira anticlerical. Será a apropriação dos tribunais de consciência pelos Estados (primeiro os católicos e depois os protestantes) a mudar as coisas. Colocando ao serviço da unidade religiosa os cada vez maiores recursos das burocracias nacionais, a modernidade vai tentar resolver definitivamente a tensão entre liberdade individual e fé colectiva. Em vão. Porque, ao mesmo tempo, o Ocidente seculariza-se profundamente, conhecendo aquilo a que Max Weber chamou “o desencantamento do mundo”. O que não ajuda a resolver o dilema, muito pelo contrário. A perda do sentido religioso na nossa civilização, em contraste com o mundo islâmico, leva a que o caso das caricaturas seja visto sob uma óptica muito diferente dos dois lados do Mediterrâneo. Para o Islão, que não permite a representação de Alá e Maomé excepto pela palavra, as caricaturas são uma ofensa gravíssima. Para o Ocidente, que há dois mil anos representa Deus sob os traços de um crucificado ou de uma criança, as caricaturas são um mal menor. Não quer dizer que nós tenhamos razão e eles não. Mas, se hoje os crentes são obrigados a tolerar um certo desrespeito pelos seus símbolos mais sagrados, isso deve-se a uma consciência em certos aspectos mais viva da liberdade por parte dos não crentes. Uma liberdade que os cristãos apenas têm de pedir também para si. Pedro Picoito Historiador, ISEC

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In "Observatório da cultura"

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