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Um pouco por toda a Europa e nos EUA assiste-se a tentativas legislativas de redesenhar a família heterossexual monogâmica
EM VALÊNCIA, assinalando a visita do Papa Bento XVI, um Fórum Mundial da Família reuniu esta semana mais de um milhar de associações familiares internacionais. Segundo os organizadores, o principal objectivo da iniciativa consiste em «defender e proteger o matrimónio como instituição específica entre um homem e uma mulher em todo o mundo».
O tema tem particular actualidade em Espanha, onde legislação recente alargou o casamento a uniões homossexuais. Os termos «pai» e «mãe» foram substituídos por «progenitor A» e «progenitor B», numa demonstração de engenharia social sem precedentes. Mas a Espanha não é caso único. Um pouco por toda a Europa e nos EUA, assiste-se a tentativas legislativas de redesenhar a família heterossexual monogâmica. Numa aliança inesperada - mas não surpreendente - grupos islâmicos aproveitam a onda inovadora para introduzir na agenda a consagração da poligamia.
Estes chamados «temas fracturantes» começaram por deixar os eleitorados indiferentes. Gradualmente, porém, geraram mal-estar e legítima reacção. Nos EUA, onze referendos estaduais recusaram por larga margem o «casamento homossexual». Sectores republicanos defendem a introdução de uma emenda constitucional definindo o casamento como a união entre um homem e uma mulher. Como vem sendo hábito, as «guerras culturais» começaram na América e chegam agora ao continente europeu. Na semana que agora termina, durante uma palestra que proferi em Madrid sobre Winston Churchill, a maior parte das perguntas foi sobre «temas fracturantes» e democracia.
A ideologia fracturante anuncia-se como libertadora e igualitária. Quer libertar-nos da moral cristã, da vida familiar, e da hierarquia inerente à busca da excelência no domínio da educação. Tudo isto é apresentado em nome da liberdade e da democracia. Todos os que se opõem são apresentados como conservadores autoritários e antidemocratas. Nesta perspectiva, ser democrata significaria ser contra a religião - especialmente a judaico-cristã - e ser a favor do «casamento homossexual», do aborto gratuito a pedido, da pornografia na televisão à hora do jantar e, em geral, do relativismo moral. Ser democrata significaria ainda ser a favor de ensinar tudo isto aos filhos dos outros através de um sistema centralizado de escolas estatais, cuidadosamente protegidas da concorrência e da escolha livre das famílias.
A verdade é que estamos perante uma ideologia autoritária, como, suspeito, Winston Churchill não deixaria de observar. A democracia deixa de ser vista como um sistema de regras para limitar o governo e torná-lo responsável perante os contribuintes. Passa a ser identificada com um projecto político-filosófico particular, de natureza sectária e adversarial contra modos de vida descentralizados e realmente existentes. Em vez de protecção desses modos de vida, a democracia passa a ser entendida como mandato para uma vanguarda redesenhar instituições descentralizadas - como a família ou a religião - que não tinham sido desenhadas por ninguém. Trata-se, numa palavra, do jacobinismo em versão pós-moderna.
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In "EXPRESSO" de 8 de Julho de 2006