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A Anunciação a Maria
de Paul Claudel
Paul Claudel (1868-1955) nasce em Villeneuve-sur-Fère em França no seio de uma família católica. O ensino laico francês leva-o a perder a fé, mas aos 18 anos, no dia de Natal, em 25 de Dezembro de 1886 na Catedral de Notre-Dame de Paris, converte-se ao catolicismo. Na sua vida desenvolve simultaneamente a carreira diplomática e a actividade literária.
Seguem dois excertos das suas obras que expressam a sua experiência de conversão:
«Eu estava no meio da multidão, próximo do segundo pilar, à entrada do coro à direita, do lado da sacristia. Foi então que se deu o acontecimento que domina toda a minha vida. Num instante, o meu coração foi tocado e EU ACREDITEI. Eu acreditei, com uma tal força de adesão, com um tal tumulto de todo o meu ser, com uma convicção tão potente, com uma tal certeza que não deixa lugar a nenhuma espécie de dúvida. Desde então, nenhum livro, nenhum argumento, nenhum acaso de uma vida agitada puderam abalar a minha fé, nem sequer tocar nela. Eu tive de um só golpe o sentimento pungente da inocência, a eterna infância de Deus, uma revelação inefável» (Ma conversion, 1913).
«E eu fiquei diante de vós
como um lutador que se dobra,
Não que se julgue fraco,
mas porque o outro é mais forte.
Vós chamaste-me pelo meu nome
Como alguém que me conhece,
escolheste-me entre todos os da minha idade.»
(Cinq grandes odes, III, 1907)
L'Annonce faite à Marie (1912), agora reeditado sob o título A Anunciação a Maria (Lucerna, Lisboa, 2006), traduzido por Sophia de Mello Breyner Andresen em 1960 conta o debate trágico entre o orgulho e a caridade. O tema é o amor, o amor gerador da pessoa, o amor gerador de um povo, o amor criativo da totalidade. O drama desenvolve-se em torno de seis personagens: Violaine, Pedro de Craon, Anne Vercors, Tiago Hury, Isabel e Mara.
Violaine é a hóstia de um sacrifício consentido que a conduz à santidade: abandonada pela mãe farisaica, traída pelo noivo que não acredita no seu amor e assassinada pela inveja de Mara, nunca se defende, em tudo reconhece a simplicidade do Mistério de Deus.
Pedro de Craon é o construtor de catedrais. A sua virgindade oferecida a Deus cede num momento de tentação mas é salva pela misericórdia de Violaine. E diz-nos:
«Não é à pedra que compete escolher o seu lugar mas sim ao Mestre da obra que a escolheu» (p. 31).
E no diálogo do terceiro acto Pedro de Craon, pela boca do aprendiz, sintetiza a sua missão:
«Ele [Pedro de Craon] diz que o seu ofício não é fazer estradas para o Rei, mas uma casa para Deus. [...] Para que serve a estrada se no final não houver uma igreja?» (p. 110).
Anne Vercors, o pai, faz a síntese de toda a história:
«A paz, para quem a conhece, tem em si a alegria e a dor em partes iguais». (p. 179).
E mais adiante diz:
«Viver será a finalidade da vida? Estarão os passos dos filhos de Deus amarrados à terra miserável? O fim não é viver mas sim morrer! E não armar a cruz mas sim subir à cruz e dar o que temos com alegria! Ali está a alegria, ali está a liberdade, ali a graça, ali a juventude eterna! [...] Que vale o mundo em frente da vida? E de que nos vale a vida se não for para nos servirmos dela e para a dar? E porque nos havemos de atormentar quando obedecer é tão simples e a ordem está ali?» (p. 196).
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In "Observatório da cultura"