domingo, 2 de julho de 2006

Um texto de Isabel Alçada Cardoso

José Rodrigues, Anunciação
:: A Anunciação a Maria
de Paul Claudel
Paul Claudel (1868-1955) nasce em Villeneuve-sur-Fère em França no seio de uma família católica. O ensino laico francês leva-o a perder a fé, mas aos 18 anos, no dia de Natal, em 25 de Dezembro de 1886 na Catedral de Notre-Dame de Paris, converte-se ao catolicismo. Na sua vida desenvolve simultaneamente a carreira diplomática e a actividade literária. Seguem dois excertos das suas obras que expressam a sua experiência de conversão: «Eu estava no meio da multidão, próximo do segundo pilar, à entrada do coro à direita, do lado da sacristia. Foi então que se deu o acontecimento que domina toda a minha vida. Num instante, o meu coração foi tocado e EU ACREDITEI. Eu acreditei, com uma tal força de adesão, com um tal tumulto de todo o meu ser, com uma convicção tão potente, com uma tal certeza que não deixa lugar a nenhuma espécie de dúvida. Desde então, nenhum livro, nenhum argumento, nenhum acaso de uma vida agitada puderam abalar a minha fé, nem sequer tocar nela. Eu tive de um só golpe o sentimento pungente da inocência, a eterna infância de Deus, uma revelação inefável» (Ma conversion, 1913). «E eu fiquei diante de vós como um lutador que se dobra, Não que se julgue fraco, mas porque o outro é mais forte. Vós chamaste-me pelo meu nome Como alguém que me conhece, escolheste-me entre todos os da minha idade.» (Cinq grandes odes, III, 1907) L'Annonce faite à Marie (1912), agora reeditado sob o título A Anunciação a Maria (Lucerna, Lisboa, 2006), traduzido por Sophia de Mello Breyner Andresen em 1960 conta o debate trágico entre o orgulho e a caridade. O tema é o amor, o amor gerador da pessoa, o amor gerador de um povo, o amor criativo da totalidade. O drama desenvolve-se em torno de seis personagens: Violaine, Pedro de Craon, Anne Vercors, Tiago Hury, Isabel e Mara. Violaine é a hóstia de um sacrifício consentido que a conduz à santidade: abandonada pela mãe farisaica, traída pelo noivo que não acredita no seu amor e assassinada pela inveja de Mara, nunca se defende, em tudo reconhece a simplicidade do Mistério de Deus. Pedro de Craon é o construtor de catedrais. A sua virgindade oferecida a Deus cede num momento de tentação mas é salva pela misericórdia de Violaine. E diz-nos: «Não é à pedra que compete escolher o seu lugar mas sim ao Mestre da obra que a escolheu» (p. 31). E no diálogo do terceiro acto Pedro de Craon, pela boca do aprendiz, sintetiza a sua missão: «Ele [Pedro de Craon] diz que o seu ofício não é fazer estradas para o Rei, mas uma casa para Deus. [...] Para que serve a estrada se no final não houver uma igreja?» (p. 110). Anne Vercors, o pai, faz a síntese de toda a história: «A paz, para quem a conhece, tem em si a alegria e a dor em partes iguais». (p. 179). E mais adiante diz: «Viver será a finalidade da vida? Estarão os passos dos filhos de Deus amarrados à terra miserável? O fim não é viver mas sim morrer! E não armar a cruz mas sim subir à cruz e dar o que temos com alegria! Ali está a alegria, ali está a liberdade, ali a graça, ali a juventude eterna! [...] Que vale o mundo em frente da vida? E de que nos vale a vida se não for para nos servirmos dela e para a dar? E porque nos havemos de atormentar quando obedecer é tão simples e a ordem está ali?» (p. 196).
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In "Observatório da cultura"

Empresários e gestores promovem valores cristãos

Para combater
a pobreza
é preciso criar
mais riqueza
A ACEGE (Associação Cristã de Empresários e Gestores) apre-sentou-se em Aveiro, na segunda-feira, 26 de Junho, por iniciativa do Bispo diocesano, D. António Mar-celino. A sessão decorreu no Centro Universitário Fé e Cultura e contou com a intervenção de Jorge Líbano Monteiro, secretário-geral daquela organização, estando presentes alguns empresários e gestores, sensíveis aos princípios da Doutrina Social da Igreja. A associação defende a humanização das empresas, no respeito absoluto pelos seus colaboradores, como foi largamente sublinhado no encontro. No final, um pequeno grupo de empresários e gestores assumiu a liderança do processo que há-de conduzir à criação do Núcleo de Aveiro da ACEGE, sendo necessários, pelo menos, 10 associados da região. A apresentação da ACEGE centrou-se no “Código de Ética” dos empresários e gestores, documento aceite já por cerca de 500 pessoas ligadas ao mundo empresarial, esperando-se que até finais de 2006 a organização tenha 700 associados. O secretário-geral da ACEGE sublinhou que a associação pretende “inquietar e mobilizar as consciências das pessoas”, defendendo valores cristãos que sejam aplicados na vida familiar de cada um e nas empresas que dirigem. Por outro lado, está a apostar na formação dos seus associados, através de encontros, debates, seminários, entre outras iniciativas, para que todos possam servir de referência na sociedade em que se inserem. Jorge Líbano Monteiro referiu que a associação procura sensibilizar os seus membros e demais empresários e gestores para seguirem a “opção preferencial pelos pobres” defendida pela Igreja. Nessa linha adiantou que é preciso implementar o estudo de mecanismos que possam criar mais riqueza, para mais facilmente se combater a pobreza. Sem nunca esquecer os princípios da Doutrina Social da Igreja, a ACEGE defende que a criação de riqueza é um bem para a sociedade, tendo Líbano Monteiro adiantado que, “quanto mais convictos estivermos dos valores em que acreditamos, mais facilmente os conseguiremos pôr em prática”. Disse que é imperioso “potenciar o compromisso social de cada empresário e gestor no seu meio”, apostando permanentemente nas pessoas, pois só com elas é possível construir um mundo melhor. Falando do “Código de Ética”, em cuja elaboração participou activamente o empresário José Roquete, Jorge Líbano afirmou que este documento foi resultado de muita reflexão e ponderação, estando os seus princípios essenciais a ser seguidos por outras associações e empresas. Citando, ainda, o mesmo Código, lembrou que “o homem é o fundamento, o sujeito e o fim de todas as instituições em que se expressa a vida social”, e que a economia “tem de ser potenciada e implementada para plena realização da sociedade e do bem comum”. Para D. António Marcelino, o “Código de Ética” é uma referência fundamental para todos os empresários e gestores, “cristãos ou não”, tendo recordado que a Igreja “não tem a terceira via”, mas promove valores que são uma mais-valia para que as actividades humanas sejam “fermento de uma sociedade nova”. O Bispo de Aveiro disse, por fim, que a sociedade precisa de gente criativa e com capacidade para oferecer postos de trabalho, em empresas humanizadoras. Fernando Martins
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Foto: Jorge Líbano Monteiro

Gotas do Arco-Íris – 24

SABES A COR
DA FOLITA? Caríssimo/a: Sempre nos acontece cada uma que nos deixa espantados e a cismar. Então não é que, andando na rega do meu quintal, uma folita resolve pousar na mangueira, ali mesmo junto dos meus dedos; e lá se foi mantendo enquanto tirava a sede a umas hidranjas que estavam com as folhas derreadas; assim se manteve largos minutos; saltou para um arame da parreira mas rápida voltou para o seu poiso. Claro, vem logo à ideia o Francisco de Assis e o sermão aos pássaros. E quantos e quais é que estariam a incomodar o seu repouso? Eu por ali admiro melros (que fartura!), pardais, andorinhas, rolas, pombas, cotovias, serzinos (a que na Murtosa apelidam de gilro-gilro), bicos-de-lacre, alguns pintassilgos, pintarroxos e verdelhões, um que outro milhafre, raras alvéolas, e muitas cegonhas... Imagina que no sábado anterior por ali andava perdida, de bico aberto com fome, uma cria de pega!... Tenho um vizinho que, em épocas de falta de trabalho, se entretém a apanhar os pobres e a prendê-los nas gaiolas... E, para além das nossas velhas e conhecidas palmas e ratoeiras, usa também o visco; é um especialista na matéria. Este ano apareceu com uma palma que me lembrou um outro vizinho muito amigo, o ti Manel Jaquim, que (há quantos anos?!) me fez uma dessas que só armei uma vez: rectângulo de rede com dois paus nos extremos e cordas que fazem com que feche caindo sobre a machuqueira, prendendo os tristes dos passarinhos... Ora como o meu vizinho tem trabalho, a passarada por ali anda livremente, fazendo os ninhos e renovando as espécies com novos caçolinhos ... Os melros eram uma das vítimas preferidas, invariavelmente terminando o crescimento na gaiola, onde os progenitores os iam alimentar; agora é um regalo vê-los a esvoaçar, assobiar e até a beber água nas pias que por lá pomos com essa finalidade. Bem, o pior é que não há fruta que resista: toda picada mal começa a amadurecer! Enfim... Certamente já muitos terão reparado é que as cegonhas alteraram o seu estatuto: de emigrantes passaram a residentes. Continuarão como espécie protegida? A ver vamos... Quanto à nossa folita, ela ainda voltou a pousar na mangueira e por ali andará no seu voo rápido e inconstante, como que a lembrar-nos que as férias são isso mesmo... Manuel

Um artigo de Anselmo Borges, no DN

A herança cristã da Europa e do mundo
Após longos debates por causa da inscrição da herança cristã no projecto de "Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa", penso que se encontrou uma boa solução nesta redacção para um dos considerandos do Preâmbulo: "Inspirando-se nas he- ranças culturais, religiosas e humanistas da Europa, cujos valores, sempre presentes no seu património, fixaram na vida da sociedade o papel central da pessoa humana e dos seus direitos invioláveis e inalienáveis, bem como o respeito pelo direito (...)." Esta redacção é mais abrangente e tem em conta outras heranças religiosas importantes.
Como é sabido, as críticas à Igreja Católica sucedem-se e há mesmo alguma má vontade hoje contra o próprio cristianismo por parte de intelectuais e responsáveis políticos. Isso não deve admirar, pois a religião não está imune à crítica. Lamentável seria e é o desconhecimento real do cristianismo e do que ele significa para a Europa e para o mundo.
No seu último livro, Aprender a Viver, um pequeno tratado de filosofia para os jovens, o conhecido filósofo francês Luc Ferry, que já foi ministro da Educação da França e que se confessa não crente, chama a atenção para o "absurdo" que lhe aconteceu quando era estudante: na História da Filosofia, saltava-se quinze séculos - do fim do século II para o século XVII -, com total ignorância da História Intelectual do Cristianismo.
Ora, há no cristianismo ideias que ainda hoje têm uma importância decisiva, de tal modo que foram retomadas pela filosofia moderna e mesmo por ateus.
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IPSS entram na Rede de Cuidados Continuados

Novas necessidades
de saúde requerem
novas respostas
Apesar do aumento da esperança de vida verificam-se carências ao nível dos cuidados de longa duração e paliativos, decorrentes do aumento da prevalência de pessoas com doenças crónicas incapacitantes. Em Fátima, a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS) realizou um encontro sobre a Rede de Cuidados Continuados Integrados. Em declarações à ECCLESIA, o Pe. Lino Maia, presidente da CNIS, referiu que como existe a possibilidade de “integração e cooperação das Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) nesta rede havia necessidade de divulgar e sensibilizar as IPSS sobre as possíveis parcerias a estabelecer”.
Publicado em Junho passado, o decreto-lei sobre Rede de Cuidados Continuados Integrados salienta que estão a surgir novas necessidades de saúde e sociais, que “requerem respostas novas e diversificadas que venham a satisfazer o incremento esperado da procura por parte de pessoas idosas com dependência funcional, de doentes com patologia crónica múltipla e de pessoas com doença incurável em estado avançado e em fase final de vida”. Com o novo diploma “era importante dirigir alguns alertas às IPSS e fazer sentir a importância destas neste plano” – sublinhou o presidente da CNIS.
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Foto: Padre Lino Maia
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sábado, 1 de julho de 2006

"PAIS, UMA EXPERIÊNCIA" LANÇADO A 27 DE JUNHO

Um livro que não ensina, mas que ajuda a aprender
Uma experiência de trabalho construída com pais e não para pais, alterando o modelo habitual dos “Cursos para Pais”, que, na grande maioria dos casos, se limitam a promover sessões em que um “perito” indica aos progenitores o modo de agir com os filhos. É esta a principal mensagem deixada pelos autores do livro, Inês Pinho e Hugo Cruz. Nesta obra Pais, Uma Experiência, a educação parental é entendida como “um processo co-construído” ao longo da intervenção com os pais, no sentido de se desenvolverem e reforçarem “competências parentais que permitam um melhor e mais adequado desempenho das funções educativas”, o que possibilitou, a partir de um projecto inicial de prevenção primária das toxicodependências, desenvolver um conjunto de iniciativas de capacitação dos pais intervenientes, os protagonistas de todo o processo. A sessão abriu com um espectáculo teatral “Retratos de Família”, onde os actores foram os pais que, durante dois anos e meio, integraram o Clube de Pais, do projecto de intervenção social “Pais XXI”, um dos raros projectos de educação parental desenvolvidos no país. O processo criativo desse espectáculo, dirigido e encenado pelo próprio autor, Hugo Cruz, é retratado num dos capítulos do livro, “Teatro e educação parental”. Nele pinta-se, num quadro simbólico, o turbilhão dos quotidianos, o barulho dos dias e das vidas na busca para reencontrar o genuíno, a espontaneidade, o verdadeiro estar com os filhos.
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Milene Câmara
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Um texto do Padre José Tolentino Mendonça

«Haveis de rir»
(Lc 6, 21)
Isaac quer dizer “Deus sorriu”. E este sorriso de Deus aparece como resposta ao riso céptico de Sara, que se sabia avançada nos anos e privada já de fecundidade. Sara ria-se da impossibilidade histórica de uma promessa (Gen 18,10-15). O sorriso de Deus ressoaria, contudo, na alegria daquele filho nascido, irrecusável testemunho não apenas de uma promessa, mas de um inusitado cumprimento. Um leitor superficial da Bíblia pode, facilmente, tropeçar numa imagem de Deus susceptível, colérico, ciumento, implacável. Das 29 vezes que no Antigo Testamento se refere o riso, apenas duas expressam uma satisfação por boas razões. Em todas as outras o riso, mesmo o de Deus, é de sarcasmo ou desprezo. Não admira que em torno ao riso de Deus e dos crentes se tenha formado uma longa história de incompreensões. E as caricaturas do cristianismo o apresentem, não raro, como uma cultura sisuda e triturada pela culpa mais que do lado da alegria. Porém, se na tradição bíblica, o riso é um motivo ambíguo e inconclusivo, o mesmo não se pode dizer da alegria. Há um título de um teólogo, Werner Thiede, que resume bem a insistência com que, na Bíblia, ela ocorre: “A hilaridade prometida”. Deus pratica um luminoso humor (a começar pela apresentação do Seu nome: «Eu Sou Aquele que Sou», Ex 3,14). A certeza do povo crente é que «a nossa boca se saciará de alegria» (Sl 126,2). Recentes metodologias de análise narrativa do Novo Testamento mostram bem como Jesus usa de uma ironia fascinante, que remove eficazmente os obstáculos do coração, desconcertando e, finalmente, alegrando, pois recupera o que de nós tínhamos já por perdido (Lc 15,9). Mas o cristianismo, na sua radical novidade, troca ainda as voltas ao humor. No cimo da cruz é o próprio Deus que se torna risível, e os comentários ali atirados são bem mais ácidos que o vinagre dado a beber. Nesta desarmante representação de Deus que a Cruz propõe, reside, inegavelmente, a grande viragem que o Evangelho, há dois mil anos, anuncia. ::
In "Observatório da cultura"

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