Poderia ser, mais palavra, menos palavra, uma declaração deste género "Estamos a menos de seis meses da eleição em que os portugueses vão escolher, em sufrágio directo e universal, o próximo Presidente da República. É uma decisão de primeira importância para o futuro do País e exige uma ponderação cuidada das alternativas que se apresentam. Portugal vive tempos difíceis e os cidadãos interrogam-se, com angústia compreensível, sobre o futuro do País que queremos deixar às gerações que se seguem. O Presidente da República é o garante supremo do regular funcionamento das instituições democráticas e é o responsável máximo, perante os portugueses, pela vitalidade da Nação. A sua escolha é uma eleição unipessoal, que não deve ser subordinada aos interesses imediatos da vida partidária nem pode ser condicionada por calculismos que ponham o eleitoralismo fácil acima de uma clarificação saudável e atempada das vontades dos candidatos. Por isso, afirmo, aqui e agora, a minha disponibilidade para esse combate democrático. Sou candidato a Presidente da República."
À declaração poderiam ainda ser acrescentados dois ou três (no máximo) parágrafos programáticos e, sobretudo (inclusão indispensável), a promessa solene de que o candidato não faria qualquer outra declaração pública antes das autárquicas de 9 de Outubro, de forma a que os eleitores possam concentrar a sua atenção numa escolha criteriosa dos próximos responsáveis autárquicos.
A vantagem de um candidato que arriscasse uma tal iniciativa seria óbvia independentemente dos resultados em urna, quebrava com este clima "empastado" que tem rodeado a eleição presidencial, onde se multiplicam desistências, tabus e vontades semiassumidas.
As prioridades da governação e a realização das eleições locais não têm sido mais do que pretextos utilizados por direcções partidárias e por candidatos "encobertos" para disfarçar a gestão que mais lhes convém dos calendários eleitorais. E só assim se compreende que, num cenário raro, senão único, cheguemos a Agosto de 2005 sem uma única afirmação pública de disponibilidade clara para a eleição presidencial.
Os desenvolvimentos políticos que se verificaram em Portugal a partir de Junho de 2004, quando José Manuel Durão Barroso trocou a chefia do Governo pela Comissão Europeia, evidenciaram a componente semipresidencialista do sistema.
Percebeu-se, para quem tivesse dúvidas, a importância e o potencial dos poderes presidenciais em situações de crise.
Numa altura em que o País carece de ânimo, quando os portugueses enfrentam um conjunto de medidas restritivas que, por mais indispensáveis que sejam - e já aqui escrevi que não havia outra saída -, deprimem naturalmente a vontade colectiva, seria importante a disponibilização de uma vontade política sólida por parte de uma personalidade de referência da vida nacional.
Não se cuida, aqui, de saber se seria Mário Soares, Cavaco Silva ou terceiros já mencionados em análises variadas - poderia mesmo essa vontade surgir da sociedade civil, desligada do quotidiano partidário. E nem sequer seria prioritário analisar as hipóteses de vitória de um tal candidato. Trata-se, sim, de comprovar que a eleição presidencial não é propriedade das direcções dos partidos, sem, naturalmente, desvalorizar o seu papel na vida democrática.
Seria, além de tudo o mais, uma afirmação de independência de espírito e de coragem política que abonaria a favor do candidato.
É fundamental agitar as águas pantanosas que têm envolvido a escolha do Presidente da República que sucederá a Jorge Sampaio.