terça-feira, 21 de março de 2023

ONDE ESTÁS, QUE NÃO TE OIÇO?



Meu querido, este mundo tal qual o conhecemos não é um
Marta Dutra
sítio recomendável para uma criança com a tua
sensibilidade, com a tua forma inocente de ver as coisas, 
onde tudo parece realmente simples e linear. Encontramo-
-nos longe desta realidade. A Humanidade desordenou os 
dias e fez deles um inferno não apenas para os humanos, 
mas também para outros seres vivos.
Talvez escrever-te o que penso e sinto te possa ajudar a 
integrar e a defender-te desta desumanidade que nos 
aniquila. Talvez alertar, talvez … embora, por muito que 
tente, nós passamos pelas experiências que temos de passar 
e aprendemos sobretudo por nós próprios.

Página 56

...

Orlando Figueiredo
Junto à nossa casa há um parque grande com muitas 
árvores, pavões que andam em liberdade nos caminhos, um 
lago, com peixes coloridos e patos a nadar de cabeça para 
baixo.

Agora que já estou crescido, costumo ir ao parque, aos 
sábados, jogar à bola com os vizinhos e os amigos da 
escola. À entrada, está um velho de barbas, sentado, a 
vender tremoços. Coitado, só tem uma perna. Uma vez, 
ouvi-o gritar, espumando de raiva, a um miúdo que lhe 
chamou perneta, que tinha ficado sem a perna na guerra .

O que é a guerra?

Tenho pena dele, porque não pode jogar à bola.


Página 57

...


Onde estás, que não te oiço? é um livro de poesia de Marta Dutra e Orlando Jorge Figueiredo, com Prefácio de Olinda Beja — escritora. A capa é de Laura Frías Viana e as imagens são de Gina Marrinhas (capa, Outono e Inverno), e de Sérgio Azeredo (Verão, Primavera).
Com os autores, Olinda Beja entrou na casa “onde foram felizes embora a separação lateje já no nosso pensamento ante a morte e o nascimento que se adivinham pelas sábias palavras que os poetas transportam para os textos”. Lembra que o livro, que espelha as quatro estações, encerra com o Outono, “a mais bela das quatro estações, a mais real, a mais pura”.
Os autores dedicam o seu trabalho a todas as crianças vítimas da guerra e  Olinda Beja manifesta o seu desejo, que é também o nosso: “Que maravilhosas vozes as destes dois poetas, Marta Dutra e Orlando Jorge Figueiredo! Oxalá o livro seja lido tantas e tantas vezes até ficar bem colado à consciência dos homens que dirigem os destinos do mundo”.

F.M.  

segunda-feira, 20 de março de 2023

À PRIMAVERA - UM POEMA DE MIGUEL TORGA


À PRIMAVERA

A vida anda possessa de Poesia!
Anda prenha de mosto!
Ou é da luz do dia,
Ou é da cor do rosto,
Ou então quer abrir-se, neste gosto
De pão com todo o sal que lhe cabia!

Tem narcisos de amor no coração,
Folhas de acanto nos sentidos!
E carícias na mão
A espreitar dos tendões adormecidos!

Toca-se numa pedra, e ela treme!
Murmura-se uma prece, e a boca grita!
A rabiça do arado é como um leme
Sobre a terra que ondula e ressuscita!

Quem avoluma a sombra, ou quem a teme?
Cada presença é um hino que palpita!
E se na estrada alguém discorda e geme,
Ninguém que vai no sonho o acredita!

Serás tu, Primavera?
Tu, com frutos na rama do futuro,
Com sementes nos pés
E flores inúteis sobre cada muro,
Contentes só da graça que tu és!


Miguel Torga
In  POESIA COMPLETA

PRIMAVERA DE 2023


Chegou a PRIMAVERA. Sol a brilhar, temperaturas agradáveis e o sorriso franco no rosto de quem esperava com ela na esperança de dias mais agradáveis. Oficialmente, ocorre às 21h24, momento em que o dia é igual à noite. É o equinócio da Primavera. Depois, começam a crescer. 
Votos das maiores venturas para todos.

domingo, 19 de março de 2023

LEMBRANÇA CONSOLADORA DO MEU PAI


Armando Lourenço Martins
“Celebra-se hoje o Dia do Pai. Também a Igreja celebra São José. Associo muito o meu pai a São José. Ambos trabalhadores com responsabilidades familiares. Ambos humildes e dados a um certo e normal silêncio. Ambos conscientes dos seus deveres sociais e religiosos. Ambos crentes num Deus Criador. Ambos disponíveis para enfrentarem dificuldades. Ambos com grande capacidade de sacrifício. E ambos sabiam amar muito.
O meu pai faleceu há bastantes anos. Foi nos idos de 75 do século passado. Inesperadamente. De forma apressada e sem hipótese de cura. Nunca o tinha visto doente. Nunca se queixava de qualquer incómodo que nos levasse a pensar num possível enfarte. Era um homem saudável e até brincava com as nossas fraquezas. Mas a primeira doença que teve foi fatal.”
Partilho estas frases escritas há anos. E não será preciso dizer mais nada, a não ser que o meu pai continua comigo na caminhada da vida. Até um dia, querido pai.

Fernando Martins

sábado, 18 de março de 2023

VASCO GRAÇA MOURA

 SONETO DA POESIA NARRATIVA 


foi assim que cheguei à poesia narrativa:
nos poemas moviam-se figuras
e a essas figuras aconteciam coisas
e essas coisas tinham um sentido deslizante,
era uma espécie de hipálage do mundo:

com precisão a seta era dirigida
à maçã equilibrada na cabeça da criança,
mas devolvia-se ao arco, depois
de varar o coração dos circunstantes
e era a vibração do arco a derrubar o fruto,

num zunido do ar que a flecha deslocava
na sua trajetória. foi assim que cheguei
à poesia narrativa: havia flores nos alpes
e a corda em vibração levava à música.

In Encontros de Talábriga 
3.º Festival Internacional de Poesia de Aveiro - 2001

TENHO OUVIDO VOZES

Neste sábado, tenho ouvido vozes pelo telefone e telemóvel de amigos que não vejo há muito. E foi agradável perceber que os amigos, os autênticos, são para a vida. Eu sei, todos sabemos, que levamos os nossos dias com muitas tarefas e preocupações, marginalizando, quantas vezes, a família e até os amigos. Foi, por isso, um dia de boas recordações.
Como vivo um tanto ou quanto limitado, certamente por culpa da pandemia do Covid-19, o que é notório é que perdemos os ritmos antigos da convivência, da participação em atividades solidárias, de passeios por ambientes onde é fácil “lavar” o cérebro. Estou, por isso, à espera de temperaturas mais amenas para ganhar coragem e para dar umas voltas. Até lá, vou apreciando pelas janelas as nuvens, os ventos e a chuva, com os seus conselhos que não descuro.
Bom fim de semana para toda a gente.

ESCUTAR JESUS QUE ME CHAMA PELO NOME

Reflexão de Georgino Rocha 
para este fim de semana


A cura do cego de nascença provoca uma subida de tensão entre os fariseus e Jesus. A oposição é clara. O povo inclina-se para dar razão ao proceder de Jesus e distanciar-se dos mestres da Lei. A polémica sobe de tom e a linguagem também. O confronto avizinha-se e estala na Festa das Tendas. Jesus pronuncia o seu último discurso em público, o discurso do Bom Pastor, que João, o narrador do episódio, recompõe e relata de modo admirável. Discurso em que Jesus recorre a metáforas de sabor bíblico e reafirma a sua identidade. “Eu sou a porta”; “Eu sou o bom pastor”. Afirmações repetidas duas vezes. Em contraposição, os outros ficam excluídos e desautorizados. Que sentimentos terão assaltado o coração dos ouvintes e, sobretudo, o dos fariseus!

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