Meu querido, este mundo tal qual o conhecemos não é um
Marta Dutra |
sensibilidade, com a tua forma inocente de ver as coisas,
onde tudo parece realmente simples e linear. Encontramo-
-nos longe desta realidade. A Humanidade desordenou os
dias e fez deles um inferno não apenas para os humanos,
mas também para outros seres vivos.
Talvez escrever-te o que penso e sinto te possa ajudar a
integrar e a defender-te desta desumanidade que nos
aniquila. Talvez alertar, talvez … embora, por muito que
tente, nós passamos pelas experiências que temos de passar
e aprendemos sobretudo por nós próprios.
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Junto à nossa casa há um parque grande com muitas
árvores, pavões que andam em liberdade nos caminhos, um
lago, com peixes coloridos e patos a nadar de cabeça para
baixo.
Agora que já estou crescido, costumo ir ao parque, aos
sábados, jogar à bola com os vizinhos e os amigos da
escola. À entrada, está um velho de barbas, sentado, a
vender tremoços. Coitado, só tem uma perna. Uma vez,
ouvi-o gritar, espumando de raiva, a um miúdo que lhe
chamou perneta, que tinha ficado sem a perna na guerra .
O que é a guerra?
Tenho pena dele, porque não pode jogar à bola.
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Onde estás, que não te oiço? é um livro de poesia de Marta Dutra e Orlando Jorge Figueiredo, com Prefácio de Olinda Beja — escritora. A capa é de Laura Frías Viana e as imagens são de Gina Marrinhas (capa, Outono e Inverno), e de Sérgio Azeredo (Verão, Primavera).
Com os autores, Olinda Beja entrou na casa “onde foram felizes embora a separação lateje já no nosso pensamento ante a morte e o nascimento que se adivinham pelas sábias palavras que os poetas transportam para os textos”. Lembra que o livro, que espelha as quatro estações, encerra com o Outono, “a mais bela das quatro estações, a mais real, a mais pura”.
Os autores dedicam o seu trabalho a todas as crianças vítimas da guerra e Olinda Beja manifesta o seu desejo, que é também o nosso: “Que maravilhosas vozes as destes dois poetas, Marta Dutra e Orlando Jorge Figueiredo! Oxalá o livro seja lido tantas e tantas vezes até ficar bem colado à consciência dos homens que dirigem os destinos do mundo”.
F.M.