Olimpíadas de Pequim: batota antes dos jogos!
A realização de um evento desportivo como os Jogos Olímpicos, independentemente do local onde estes tenham lugar, é uma oportunidade de excelência para a projecção e prestígio do país organizador e um estímulo à sua afirmação (ou reafirmação) no seio da comunidade internacional, tanto do ponto de vista económico, como político, cultural e social. Para além desta dimensão externa que uma tal organização tem como sua componente intrínseca, há que não esquecer, nem desvalorizar, igualmente, a componente interna, através das profundas alterações e dinâmicas que decorrerem no interior do país acolhedor dos jogos e como estas se traduzem, ou não, na qualidade de vida dos seus cidadãos.
Neste ano de 2008, a XXIX Olimpíada da Era Moderna vai decorrer, como se sabe, na República Popular da China, entre os dias 8 a 24 de Agosto, tendo como cenário a sua capital, a cidade de Pequim
Na altura da escolha da China como país organizador deste certame, muitas foram as vozes que se levantaram, por todo mundo, contra esta decisão do COI, sobretudo pela sistemática falta de respeito que os responsáveis do país têm demonstrado pelos direitos humanos e pela inexistência de liberdade e pluralismo político do seu regime. Outros, entretanto, achavam que dar à China a organização destes jogos era uma oportunidade excelente desta se motivar e integrar-se dentro dos valores comportamentais dos países de matriz democrática e uma forma de a incentivar a fazer as suas próprias reformas internas, rumo a tal objectivo.
A poucos dias do início dos jogos, quase nada se conseguiu, em termos da expectável e legítima abertura política, em que alguns (ingénuos?) depositaram tantas esperanças, neste últimos anos. Quando muito, está-se a assistir, presentemente, a uma acalmia, concertada e pontual, por parte das autoridades chinesas, para que a sua imagem, durante os jogos, saia o menos prejudicada possível. Mesmo assim, já não conseguem fazer esquecer as atribulações por que passou o transporte da chama olímpica, devido à questão do Tibete, onde a repressão se faz sentir, diariamente, facto que é reconhecido pela própria comunidade internacional.
No princípio do mês de Maio, do corrente ano, o Padre Bernardo Cervellera, sacerdote do Pontifício Instituto para as Missões Exteriores, da Santa Sé, jornalista da Agência Asianews e missionário, durante anos, na China, publicou um livro, com o título “A outra face das medalhas”, no qual denuncia os abusos e a exploração a que os líderes chineses têm sujeitado parte da sua população, obrigando-a a trabalhar em condições de semi-escravatura, nos trabalhos de construção das estruturas olímpicas, afirmando que os verdadeiros heróis destas Olimpíadas são “os milhões de emigrantes – camponeses pobres – que fogem dos campos, numa situação de degradação, fome e pobreza, para buscar fortuna nas grandes cidades e nas aglomerações industriais da costa.” São estes camponeses, transformados em operários, sem horário de trabalho, com salários irrisórios, quando lhes pagam, sem assistência à saúde e alojados em barracas ruinosas que têm contribuído para que este acontecimento desportivo seja possível. O mesmo sacerdote, denuncia que os desequilíbrios sociais são cada vez mais uma evidência, em que frente a 200 milhões de ricos, cada vez mais ricos, se opõem 350 milhões de pobres, cada vez mais pobres. O autor explicou, durante a apresentação do livro, que muitos habitantes de Pequim viram as suas casas demolidas, para dar lugar a estruturas desportivas, estradas, hotéis, edifícios e que as indemnizações dadas não permitem a estes comprar novas casas para habitarem. A China, país comunista e emergente, com um desenvolvimento económico sem precedentes, está a copiar, à sua maneira e medida, tudo quanto de mau se faz, sobretudo socialmente, nos países ocidentais. Mais uma vez, os interesses económicos sobrepuseram-se aos direitos humanos e muita gente, fora da China, é cúmplice desta traição. O povo chinês vai continuar, decerto, a ser perseguido e reprimido, na esperança que a liberdade, que lhe pertence, e que os seus dirigentes teimam em usurpar, lhe seja devolvida, mais tarde ou mais cedo.
Vítor Amorim