Língua portuguesa: casa comum para um projecto de todos!
A frase de Fernando Pessoa (1888-1935) “a minha pátria é a língua portuguesa” é por demais conhecida e traduz bem o que a língua de qualquer país pode representar para cada um dos seus cidadãos. A língua pátria é como uma segunda mãe que não é só nossa pertença, mas algo de real a quem também pertencemos. Algo que nos identifica nas mais variadas dimensões que à vida de cada ser humano dizem respeito e nos situa, singularmente, na comunidade das nações. Ao contrário de que se possa pensar, a língua não só está associada a todos os domínios da actividade humana, como até lhes dá sentido, corpo e alma. Um destes domínios é o da cultura, no sentido geral do termo.
Cultura enquanto expressão de tudo o que é e foi criado pelo homem, mulher ou criança, nas suas relações, recíprocas, com tudo o que os envolve, através do falar comum e da natureza real e simbólica com que se relacionam.
Deste modo, ao falar uma língua, uma pessoa não utiliza apenas um código abstracto de sons ou sinais. As palavras e as frases referem-se a algo mais; significam alguma coisa que existe. Só por si, não podiam subsistir no vazio. Significam e representam imagens de uma realidade de partilha, independentemente do lugar onde se esteja.
Quando profiro uma determinada palavra, quem me ouve não ouve apenas um som. Também visualiza na sua mente uma determinada imagem viva daquilo que eu digo. De qualquer modo, como dizia Pessoa, o mundo a que se referem as palavras é mais importante do que elas, daí que falar em palavra nos introduza na realidade matricial de uma pátria linguística que nos une e também fala por cada um de nós.
Dos portugueses diz-se, em regra, que são um povo com baixa auto-estima, pessimistas e medíocres. Não me vou debruçar sobre estes e outros epítetos de como somos tratados ou nos julgam, mas, antes falar da imensidão pátria em que estamos inseridos e à qual me parece que as autoridades portuguesas não têm dado o devido tratamento. Ter pátria é sentir que se pertence a uma casa e a um futuro comum, que tanto maior será quanto mais for acarinhada, incentivada e reconhecida como o cimento que congrega todas as partes desta habitação sem fronteiras, que a todos acolhe e lhes dá sentido.
Li, há dias, que “o português está na moda”. Bem pode estar, mas as modas suscitam reservas e são sempre passageiras. Por isso, o importante é que a língua portuguesa não só esteja na moda como represente uma realidade viva, real e simbólica de um todo intemporal e transpacial, seja em que domínio for, através do dia-a-dia de quem a fala.
Presentemente, o português é falado por 239,6 milhões de pessoas, na chamada CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), que integra o Brasil (191.908.598), Moçambique (21.284.701), Angola (12.531.357), Portugal (10.676.910), Guiné-Bissau (1.503.182), Timor-Leste (1.108.777), Cabo Verde (426.998) e São Tomé (206.178), a que se juntam mais de 5 milhões de portugueses que se encontram dispersos em países como os EUA, França, Brasil, Canadá, Reino Unido, Alemanha, entre muitos outros, o que perfaz o número impressionante de cerca de 244 milhões de pessoas a falar o português e o torna a 5ª língua mais falada no mundo.
A estes números, há que acrescentar o interesse, cada vez maior, que a aprendizagem do português está a suscitar em vários países, casos da Espanha, China ou África do Sul.
Em termos de Internet, e segundo dados do ano de 2007, o português ocupa o 7º lugar, depois do inglês, chinês, espanhol, japonês, francês e alemão.
Deste modo, existe um potencial enorme a explorar no incremento da língua portuguesa, mas, para tal suceder, é necessário que as entidades governamentais se empenhem, seriamente, em programas de desenvolvimento e de apoio ao seu ensino e divulgação, a todos os seus níveis, seja em que latitude for.
Continuar a construção desta enorme casa comum que a língua de Camões nos faculta e propõe, onde todos se possam sentir parte integrante deste grande família universalista, multifacetada, nas suas experiências e culturas, é um desafio para todos os tempos e que constitui a medida padrão para uma relação afectiva de cada um com todos.
Vítor Amorim