segunda-feira, 7 de julho de 2008

NA LINHA DA UTOPIA

Quem debate a pobreza?
1. Começa mais uma cimeira dos oito países mais ricos do mundo, designados elegantemente de G8. Por contraditório, com tanta riqueza junta, um dos temas de fundo a debater é a pobreza no mundo actual, particularmente em África. Verifica-se que são os que menos poderiam falar que têm quase toda a palavra; um debate que, embora integre (fica sempre bem) algumas figuras dos chamados países pobres, parece cabalmente inquinado à partida. Os “exploradores” marcam agenda para reflectir alguns dias sobre como encontrar soluções para terminar com a pobreza nos países e sectores que exploram; são os principais produtores de tecnologia e energia que geram dependência do resto do mundo; países G8 que ao longo de todo o ano procuram estratégia para ter mais, subtraindo aos que menos têm que, agora, fazem a pausa simpática para “perdoar” uns “cobres” e prometer algumas medidas de boa vontade, quase tocando aquela “solidariedade egoísta” em que dá sempre jeito haver pobres… Pois, é a dureza da verdade! 2. O escândalo, hoje tornado mediático, do flagelo da miséria e da fome crescente que atravessa e agrava muitos países não se compadece com o “discurso da circunstância”. Esta realidade crua de, na generalidade, os países ricos debaterem a pobreza dos outros deixa um amargo de boca em bocas sem pão. Não está, à partida e com isenção, em causa nenhuma linhagem política nem económica; mas estão gravemente em causa todas essas forças quando elas impedem o desenvolvimento das suas sociedades ou provocam mesmo o seu próprio subdesenvolvimento. Também o mega-fenómeno das manifestações anti-globalização, que já fazem parte da tradição no acompanhamento paralelo das cimeiras, nada adiantam de especial a não ser a própria afirmação da globalização no “grito” da desordenança global. As fronteiras são ténues; mas quanto mais alguns procuram refugiar o debate da pobreza mais a multidão de pobres caminha para a rebelião… Precisamos da racionalidade. 3. As instâncias da Organização das Nações Unidas a par de dinâmicas da sociedade civil continuam a ser o fórum próprio para a questão de fundo da pobreza ser justamente debatida na óptica do desenvolvimento dos povos. Cada semana que passa o fosso riqueza / pobreza agrava-se, não numa generalidade filosófico-política mas na vida de pessoas como nós, onde a luta pela sobrevivência assume contornos dramáticos. As instâncias devidas, desfocadas e porventura comodamente instaladas, estão a receber sinais decisivos até ao clímax das mudanças sócio-políticas. A insustentabilidade do modelo de sociedade actual está bem espelhado na crise dos mais variados recursos que obrigarão ao profundo repensar dos paradigmas de desenvolvimento. Nesta procura de justiça já é muito “tarde”, e tudo fica sempre por dizer… Mas que do norte do Japão, onde ocorre a isolada cimeira do G8 com países africanos, venha “ar fresco”… Mais que ajuda económica (dar o peixe), já prometida em 2005, provenham justas condições ao desenvolvimento (ensinar a pescar). Tudo passa pela Verdade do interesse…

Festival Nacional de Folclore

Grupo Etnográfico da Gafanha da Nazaré na Polónia
É já no próximo sábado, 12 de Julho, que se realizará o XXV Festival Nacional de Folclore da Gafanha da Nazaré. Trata-se de uma organização do Grupo Etnográfico da Gafanha da Nazaré, em maré de celebrações dos seus 25 anos em prol da cultura.
Para além do grupo anfitrião, o Festival conta com a participação dos Grupos Folclórico de Melriçal (Soure), Folclórico da Região do Vouga (Mourisca do Vouga), Danças e Cantares de Perre, Associação Etnofolclórica "As Lavradeiras de Arcozelo" (Santa Maria Adelaide) e Zespol Piesni I Tanca "Vladislavia" (Polónia).
A actuação dos grupos convidados começará pelas 21.30 horas, na Alameda Prior Sardo.

PONTES DE ENCONTRO

Padre Himalaia: o sonho e a realidade! Desde os primórdios da Humanidade que o Sol sempre exerceu um enorme fascínio sobre o homem, que já o associava como fonte de vida, luz e calor. Por isso, em muitas civilizações, foi tratado com inúmeros nomes, enquanto deus pagão e mitológico. Templos foram construídos, sacrifícios foram praticados e muitas decisões de guerra, paz e pessoais foram tomadas em nome do respeito, da reverência e do temor com que era tratado. Na própria Sagrada Escritura são bastantes as referências a este astro celeste, a começar logo no primeiro capítulo do Livro do Géneses, versículo 3, enquanto primeiro elemento do Universo a ser criado pelo único e verdadeiro Deus. A própria data do Natal de Jesus Cristo – “O Verbo era a Luz verdadeira, que, ao vir ao mundo, a todo o homem ilumina.” (cf.: Jo 1,9) – a 25 de Dezembro, já adoptada, em Roma, no ano 336, foi escolhida como forma de substituir a festa pagã ao deus Sol (Natalis Solis Invictis), celebrada no Império Romano e instituída pelo imperador Aureliano (214-275), no ano de 274, e que era celebrada no Solstício de Inverno. De um modo ou de outro, o Sol, ao longo da História da Humanidade, sempre esteve associado ao passado, presente e futuro de homem e no texto que escrevi, no dia 5 de Julho, com o título “As energias renováveis e o futuro do homem”, procurei transmitir a ideia de que a estrela que temos mais perto do planeta Terra vai ter, no futuro, uma acção cada vez mais relevante, do que até aqui, na nossa forma de viver, enquanto fonte de energia renovável ao alcance de todos. A ideia do homem transformar a energia solar em seu próprio proveito, para os mais variados usos e fins, também tem sido uma constante ao longo da história humana, e alguns deles foram (e continuam a ser) pioneiros nesta busca precursora. Como português, destaco a pessoa do Padre Manuel António Gomes, nascido em 9 de Dezembro de 1868, em Cendufe, no concelho de Arcos de Valdevez. Para a história viria a ficar conhecido com a alcunha do Padre Himalaia, devido à sua elevada estatura, numa alusão óbvia à cordilheira dos Himalaias, que detém o ponto mais alto do mundo – Monte Evereste – com 8844,43 metros de altura. O Padre Himalaia é um daqueles vultos humanos que viu muito para além do seu tempo e cedo compreendeu que o desenvolvimento sustentável do planeta que habitamos depende de todos nós e das opções que fazemos. Opções estas que se vão reflectir nos comportamentos que cada um tem no seu dia-a-dia e nas consequências que provocam para a vida da Terra. É espantoso como, há mais de um século, este padre e cientista português já se interessava pelas energias renováveis, designadamente a energia solar, e pelos processos de organização e planeamento territorial, nomeadamente através de sistemas de irrigação, plantação de árvores e sistemas urbanos que antecederam, em muito, as preocupações actuais em torno do que se designa, presentemente, por questões de ecodesenvolvimento e de ecossistema, para além de muitas outras áreas científicas. Tudo isto numa altura em que o uso das energias fósseis estava em franca ascensão. Já no seu tempo, pretendia obter energia térmica para o funcionamento de motores a vapor que fossem capazes de desenvolver energia motora, nomeadamente para obtenção de electricidade e que, só agora, um grupo de estudantes do Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, desenvolveu e de que falei no passado sábado. Mesmo a área pedagógica não foi esquecida, tendo desenvolvido ideias concretas sobre processos de formação pedagógica e profissional que deveriam levar à criação de quintas escolares, possibilitando uma relação constante entre os alunos e as actividades com a natureza. Este homem teve o mundo a seus pés e a invenção do Pirelióforo (que significa “trago o fogo do sol”) foi a sua coroa de glória, tendo ganho com este invento a Exposição Mundial de Saint Louis, nos EUA, em 1904. Veio a morrer em Viana do Castelo, no ano de 1933, pobre e quase ignorado. São exemplos como este que nos dizem que sempre foi possível fazer mais e melhor e que a esperança de todos começa na confiança que cada um deposita no outro, incondicional e responsavelmente.
Vítor Amorim

domingo, 6 de julho de 2008

NA LINHA DA UTOPIA

Cultura humanista
1. Ter uma visão de conjunto da história permite-nos a necessária distância crítica para melhor compreendermos o tempo presente. Não que a história se repita, mas que algumas ideias-força possam ter “semelhanças” com outras épocas, nomeadamente sobre o balançar da experiência humana que ora vai pelos patamares mais técnicos (ordem mais da matéria, estruturalismo – que podemos personalizar nos clássicos em Aristóteles), ora pelas vias mais humanas (ordem tendencialmente do espírito, humanismo – representado por Platão). Certamente que os estudiosos da historiografia, filosofia ou os antropólogos saberão ter a noção mais exacta, da justa medida, em que estes pêndulos podem mesmo significar as duas ideias-força que ao longo dos séculos têm andado a puxar os fios condutores da história, sucedendo-se uma à outra…(?) Neste sentido procurador, perguntar faz bem… 2. Temos assistido na história da humanidade, na sua linhagem marcadamente ocidental (somos escritores da história de nós próprios o que nem sempre acaba por resultar justo), a momentos de forte impulso de desenvolvimento científico-económico e depois à sua crise e progressiva maturação. O progresso científico-técnico traz consigo a “desmontagem” de determinadas concepções de vida que passam a ser qualificadas de tradicionais, vindo também propor uma visão estruturalista, metodicamente organizada, da vida, onde todos os rigores da surpreendente ciência seduzem a ponto de não haver fronteiras para esse admirável mundo novo, e onde o patamar humaníssimo e ético acaba por ficar na prateleira. Com o acalmar do “pó”, verificando que as euforias dos novos conhecimentos também geraram muitas fracturas, e diante do desencanto humano e da “falta de sentido”, retorna a procura da fonte originária da Humanidade, surgindo um Humanismo que venha dar “ar fresco” e ânimo ao tempo histórico da vida pessoal e social. 3. No primeiro momento (quase nesta dialéctica do progresso), a ciência e técnica afirmam-se como auto-suficientes; no segundo momento, Humanista, é o retorno de todos os saberes como serviço à “casa comum”. Neste contexto da procura de um “método” para o futuro, vale a pena partilhar uma opinião, no âmbito dos três anos de pontificado de Bento XVI (17-04-2008), em que Guilherme d’Oliveira Martins destaca que «o Papa utiliza um método todo inovador e muito promissor, que é o de citar textos e autores profanos, em confronto com textos da Igreja, para melhor ilustrar as ideias e reflexões propostas. Este procedimento, inédito até este pontificado, abre horizontes novos, uma vez que põe o pensamento religioso em diálogo com o mundo e as ideias contemporâneas, em nome do enaltecimento da razão e da compreensão dos seus limites (a invocação de autores como Adorno e Horkheimer é, neste sentido, muito curiosa e significativa.» Prossiga, em tudo, esta racionalidade dialogal. 4. Neste método dinâmico da aprendizagem com a diversidade do outro pode estar o retorno de um Humanismo sadio que reponha no seu lugar o “humano” acima de todas as realidades e coisas. Aqui haverá SER humano capaz de reencontrar o sentido pleno da Vida, este que supera todas as dicotomias e divisões da história. Ressurja uma cultura verdadeiramente humanista: esta garantirá a preservação do bom senso, em tudo e em todos!

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 85

VESTUÁRIO E CALÇADO Caríssima/o: Ora aqui está um assunto que muito nos interessava. Sabeis porquê? Nem sei se vos diga: grande perigo para o equilíbrio das nossas crianças, pois, quando começava o jogo do botão, a roupa tinha valor pelos botões que nos disponibilizava para continuarmos a pôr na doca... Como as «felpas» se resumiam ao indispensável, não admirava que usássemos a mesma camisola nas quatro estações... e sem reforço no inverno. Faz lembrar aquela cena do índio que afirmava “ser cara no corpo todo”! As calças eram uma amostra de vários bocados de flanela que iam tapando os buracos que as nossas brincadeiras lhes provocavam... e as joelheiras eram uma necessidade e uma prevenção: não foram elas e os nossos joelhos onde estariam? Lembro-me que as meninas usavam muito a chita, nos vestidos, nas saias e nas blusas... Roupas interiores, consideradas um luxo, iam aparecendo conforme as posses e as sobras dos ganhos dos pais. Não sendo um filme de ficção e não pretendendo “injuriar” a juventude, estes simples apontamentos ajudarão a sentir a evolução e praza que a um ou outro interrogue sobre o respeito a estas necessidades básicas. E na cabeça? Raramente bóina ou boné que se perdiam deixados no primeiro bengaleiro a jeito. Nos pés, solas grossas por andarem nus. Muitos viam os primeiros sapatos na comunhão ou no exame da quarta: sapatilhas de lona, azuis, castanhas ou brancas. Talvez fossem precisas umas meias mas, sinceramente, não me recordo de nenhumas que tivesse calçado. Agasalhos para o inverno estavam à mão de semear nos sacos de serapilheira que dobrados a preceito nos protegiam das chuvas e dos frios. Enfim, cenas de outro mundo poderiam surgir e fariam a nossa delícia... Como quando foi preciso tirar a fotografia para o bilhete de identidade e se usou a camisola do irmão mais velho ... que estava rota nos cotovelos... Manuel

sábado, 5 de julho de 2008

Mycarlo: o gosto pela música

Tinha na minha agenda, há muito, uma visita ao Mycarlo, de seu nome Carlos Alberto Sarabando. Por ser um bom amigo e por curiosidade em conhecer, ao vivo, o seu gosto pela música, que o levou a coleccionador de discos e de instrumentos musicais, um pouco de toda a parte. Calhou hoje, tarde de sábado, fazer essa visita. 
Entrei numa sala de música com LPs e instrumentos que me desafiavam a fazer, através deles, uma viagem ao mundo, tendo o Mycarlo por cicerone. Não um cicerone vulgar, daqueles que querem despachar o visitante o mais depressa possível, por haver mais gente à espera de entrar, mas um cicerone que esquece tudo com o entusiasmo que põe na história de cada instrumento e de cada disco.
O Mycarlo nasceu na Venezuela, filho de emigrantes portugueses. Há muito que veio para Portugal, trazendo o gosto pela música, que bebeu no seio familiar. O pai, tocador de acordeão, foi o primeiro a despertar no meu amigo a paixão que continua a cultivar. 
O Mycarlo não sabe música, mas nem isso o impediu de participar em alguns grupos musicais, quer como cantor, quer como percussionista. E também foi responsável por alguns programas radiofónicos dedicados à música, de vários estilos e épocas. Mas hoje eu fui essencialmente para conhecer a sua colecção de instrumentos, com mais de 200 exemplares de vários naipes. 
Nasceu-lhe esse prazer em casa de um amigo, há uns 35 anos. A partir daí, nunca mais parou. E a colecção continuará, não faltando, de quando em vez, a generosidade dos seus amigos, que lhe conhecem este entusiasmo que não esmorece. 
Nas paredes e em mesas, em estantes e no chão, tudo bem acomodado, o visitante pode apreciar instrumentos de cordas e de sopro, de percussão e outros, dos países mais diversos. Balalaica russa, Banjos, Bandolins e Cavaquinhos, mais Violas e Guitarras portuguesas, Quadros venezuelanos, Koras senegalesas, Zitner grega, kissanje de Angola, Zimbre marroquino, Marimbas guineenses, Percussões do Zaire, Moçambique, Angola e Marrocos, Flautas de Pan do Peru, Chile, Bolívia e Martinica, Berimbau do Brasil, Flautas clássicas, o Violino, o Contra-baixo, o Apito do comboio, Rouxinóis e Joaninhas, entre muitos outros. 
Uns instrumentos foram adquiridos pelo Mycarlo e outros foram oferecidos, sendo certo que muitos passaram por trabalhos de restauro, a cargo do próprio coleccionador. Mas o meu amigo não tem somente instrumentos musicais. Na sua sala da música, como ele a baptizou, há uma colecção de discos, LPs, com décadas de vida. São cerca mil, em excelente estado, que o Mycarlo faz questão de exibir, com carinho, e de pôr um ou outro na sua aparelhagem de som, para eu me deliciar. Aqui, o Mycarlo, não resiste e reclama a minha atenção para pormenores que só ele conhece com o seu ouvido privilegiado: “Ouça estes sons que estão por detrás; os baixos e os graves; é lindo, lindo, lindo!”
Ao som da música, trauteada pelo meu amigo, ele corre a pegar nas matracas, agita-as como que a oferecer à melodia um ritmo mais cadenciado… “é lindo, lindo, lindo”, sublinha o Mycarlo, para meu encanto. O meu amigo coleccionador não se fica pela contemplação do seu mundo. Os seus instrumentos já foram expostos um pouco por todo o lado. E em escolas já exerceram o seu papel pedagógico, onde o Mycarlo ensinou os alunos a construírem os seus próprios instrumentos musicais, a partir de material cujo destino seria o lixo. E depois, não faltaram as orquestras em que construtores viraram executantes. 
O Mycarlo defende que “toda a música é bonita, mas acha que toda a gente precisa de cultivar o ouvido”. “Ninguém – sublinha ele – nasce com o prazer da música, embora o ritmo seja inerente ao ser humano.” Também acredita que há opções por outras sensibilidades artísticas, mas não deixa de afirmar que, para si, a rainha da artes é a música. No seu dizer, “a música é um código universal, com as suas sete notas a serem compreendidas por todos os intérpretes do mundo”. E frisa que é possível “criar melodias e ritmos para todos os gostos, para todas as idades e para todas as sensibilidades”. Músicas de alegria e de tristeza, de euforia e de revolta. Música de escravos e de homens livres, adiantou. 
Quando cheguei, o meu amigo estava a ouvir jazz. Quando o deixei, ficou com um LP de arranjos musicais de Tim Crosse. Um LP com Bach, Mozart, Beethoven e outros. Uma gravação com mais de 25 anos. Ao ouvi-lo, Mycarlo ia salientando os instrumentos que lhe davam corpo, pormenores imperceptíveis para mim e para muitos. A arte encanta qualquer ser humano sensível. A música, essa arte sublime, eleva-nos a mundos de sonhos! 

Fernando Martins

A VIOLÊNCIA DOS PACÍFICOS

Crescem os sinais de um mundo violento, de sociedades amedrontadas, de grupos étnicos e religiosos em sobressalto e sob pressão, de famílias destroçadas e em pânico, de pessoas ameaçadas em convicções e haveres. Estes sinais contrastam radicalmente com as aspirações profundas do coração humano, com os dinamismos da convivência social em harmonia, com a vontade genuína e autêntica de tantos movimentos pacifistas, com os propósitos generosos de construtores da paz assente no respeito pela dignidade dos outros e pelo reconhecimento dos bens a que têm direito, com a esperança consistente e mobilizadora das comunidades eclesiais, com a seiva vitalizante da mensagem cristã que Jesus Cristo nos deixa como “marca de estilo” de quem é seu discípulo e testemunha. Este contraste é sinal do desequilíbrio em que se encontra a escala de valores que “comandam” a consciência humana, pessoal e colectiva: o interesse individual acima de tudo, o patamar social superior às posses reais, a cultura do brilho ainda que efémero, a intensidade das emoções mesmo que espezinhem as convicções, a preferência pelo que dá prazer e pela reacção “à flor da pele”, o adiar continuo dos apelos éticos que brotam da interioridade humana, o esquecimento voluntário da relação que a todos irmana na mesma humanidade e no ideal comum de uma vida feliz para cada um. Jesus vem ensinar-nos a repor o equilíbrio, fazendo propostas de humanização integral. Face à confusão geral provocada pelo sistema legal – havia 613 mandamentos! –, deixa claro que só o amor pleno dá sentido à vida. Perante a ânsia de ter em abundância bens e outros valores efémeros, lembra que é mais importante ser humano e progredir constantemente em humanidade solidária. Ante o recurso à força para repor o direito ou vingar ofensas, exorta à reconciliação benevolente, à reparação justa e, se necessário, ao perdão incondicional. Face à auto-suficiência exorbitante e descabida, aconselha a simplicidade da verdade e o reconhecimento das limitações. Diante de quem se menospreza e amesquinha a si mesmo, exorta ao apreço e à consideração que lhe advém da sua condição humana e filiação divina. Jesus apresenta a força do seu exemplo como testemunha do ser humano a que todos estamos chamados. "Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração". E do exemplo da sua vida brota uma energia, suavemente forte e violenta, que actua a partir de dentro de cada pessoa e a transforma. É uma violência que corresponde à intensidade da resistência humana e, progressivamente, a vai reduzindo e reencaminhando. É uma violência que acalma ânimos exaltados e eleva espíritos abatidos para os situar de novo no patamar da sua dignidade. É uma violência posta ao serviço da verdade que liberta e abre caminhos novos de humanização integral. Georgino Rocha

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