quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Na Linha Da Utopia




TANTOS LIVROS DO “FIM”. PORQUÊ?

1. Há dias veio à ribalta a última obra do escritor Sam Harris. O título, desafiador à maturidade humana, intelectual e filosófica do leitor, é o seguinte: O Fim da fé – Religião, terrorismo e o futuro da razão (Lisboa: Tinta da China, 2007, original de 2006). Vivemos, já acolhendo os efeitos das novas revoluções científicas e comunicacionais, o tempo de profunda transformação de paradigmas (como tanto sublinha o estudioso destas questões, Thomas Kuhn); época de globalização que vai revelando tanto um pessimismo existencial como (e que acabará por ser) de metamorfose (mudança) de referenciais… Nada de novo e tudo de novo! Tempestades e ansiedades querem ser oportunidades!
2. As literaturas universais vão espelhando esse sentir, marcadamente pessimista e ilusório, e muitas delas mesmo para os campos da busca de segurança no exotérico irracional. Veja-se como progridem os misticismos e todas as formas de magias a par das literaturas (muitas já transformadas em cinema), cheias de “anéis”, de “cálices”, etc. Tudo impregnado de seguranças mágicas, como que substituidoras do empenho de uma “razão” humana que, avançada pela tecnologia fora, foi perdendo o contacto com o mais profundo do humano. Tudo avança, paulatinamente, pois “a ideia não tem pressa” como diria Hegel.
3. Considerando “o fim da fé” como um ponto de chegada deste género de escritos quase apocalípticos, demonstrativos do sentir social de transformação, então valerá a pena registar os seus antecedentes: Idade de Extremos (Hobsbawm 1994), O fim da História e o último homem (Fukuyama 1992), O fim do trabalho (Rifkin 1995), O fim da Ciência (Horgan 1996) e O fim da autoridade (Renaut 2005). Valendo o que valem (e algumas o Nobel da Literatura), todas estas obras têm expressão mundial de referência, sinal do seu poder de sedução que, no fundo, corresponderá ao sentir existencial ansioso deste tempo, época fascinante de avanços técnico-científicos mas em que o calor humano de uma esperança colorida não vai tendo a devida correspondência.
4. Muitas vezes, bem pelo contrário, mais concentração de poderes (técnico-económicos) é sinónimo de mais exclusão e desintegração do projecto HUMANO, consequentemente, mais intolerância. Afinal, porque progridem tanto as literaturas do “fim”? Sinal claro que “algo” continua a precisar de respostas bem mais profundas, existenciais. Aqui, no “sentido da vida” não há tecnologias (nem neurocientíficas) que entrem! Essas respostas necessárias abarcam a totalidade que só o SER pode abarcar.

Alexandre Cruz

GAFANHA DA NAZARÉ: Nomeações do Bispo de Aveiro

Por Decreto hoje publicado no Correio do Vouga, órgão oficial da Diocese de Aveiro, D. António Francisco dos Santos fez as seguintes nomeações:
P.e Paulo Cardoso da Cruz – Administrador Paroquial de Nossa Senhora da Nazaré da Gafanha da Nazaré, mantendo todos os cargos pastorais que actualmente exerce;
P.e Luís Filipe Costa Dias, sacerdote do Instituto dos Missionários Combonianos do Sagrado Coração de Jesus – Vigário Paroquial de Nossa Senhora da Nazaré da Gafanha da Nazaré.
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No mesmo Decreto, fez, ainda, entre outras, mais esta nomeação:
P.e José Sardo Fidalgo – dispensado a seu pedido do múnus de Pároco de Nossa Senhora da Nazaré da Gafanha da Nazaré e nomeado Colaborador do Pároco de Santo André de Esgueira.
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O GAFANHÃO

Gafanhões actuais vestidos à moda antiga
(Grupo Etnográfico da Gafanha da Nazaré)


A primeira impressão que o gafanhão oferece a quem o contempla no dia-a-dia de um labor constante capaz de arrasar montanhas, e de domar dunas formadas e deformadas por ventos que também gretam peles tostadas pelo sol salgado, é a de que se trata de um homem com uma capacidade de adaptação fora de comum. Se nos debruçarmos sobre ele, sobre a sua vida de trabalho árduo, sobre a sua denodada resistência e capacidade de sofrimento, não podemos deixar de o admirar. Ele fez, com todas estas qualidades, aliadas a outras não menos importantes, ao longo de mais de três séculos, a Gafanha de que hoje se orgulha.
Oriundo de regiões essencialmente agrícolas, nomeadamente dos concelhos limítrofes, de Vagos e Mira, o gafanhão para aqui carreou, nos finais do último quartel do século XVII, hábitos de trabalho e de vida social que o ajudaram a cimentar usos e a projectar costumes que ainda perduram nos nossos dias. Quem esquece, por exemplo, a paixão pela terra e o respeito pela tradição de “fazer casa quem casa”, paixão e respeito estes em que se alicerçam uma certa estabilidade familiar e a construção de um património que vai passando de pais para filhos? E o espírito de poupança tão característico do gafanhão que casa de forma tão expressiva com o gosto pelo trabalho? E a religiosidade que o tem levado a tantas manifestações de fé através de gestos de solidariedade fraterna e de caridade cristã?
Vale a pena debruçarmo-nos sobre tudo isto, mesmo de fugida, numa tentativa de descobrirmos as razões que contribuíram para a formação do homem que se fixou neste areal varrido por ventos marítimos carregados de salmoira.
À partida, ele não pode ser, nem é, muito diferente do homem que ainda hoje ocupa a terra-mãe. Filho dessas areias, habituado a domá‑las e a delas extrair o sustento do dia-a-dia, para aqui veio com a mesma tenacidade. Procurou, afinal, algo que lhe era familiar e fê‑lo por necessidade e sem receio. Sempre era preferível a ter de buscar trabalho longe dos horizontes que os seus olhos sempre dominaram. Não era pessoa de tentar de imediato a riqueza do mar ou mesmo da ria. Isso ficaria para mais tarde, quando a pouco e pouco fosse sentindo essa necessidade, simultaneamente com a descoberta de que as águas que o circundavam eram amigas de verdade. A princípio, delas foi colhendo o que lhe ofereciam (o arrolado, moliço que as marés deixavam nas margens) em jeito de desafio para que se aventurasse e deixasse, sem medo, a terra firme. E foi isso mesmo que aconteceu. Pé ante pé, ei-lo à conquista das águas mansas da nossa ria, na apanha do moliço e na pesca artesanal. Estava aberto o caminho do progresso.
Homem de trabalho, habituado à luta diária a que as areias pouco produtivas o obrigavam para delas conseguir o magro sustento, geralmente para família de muitos filhos, aqui veio continuar a dar exemplo de tenacidade. Ele continuou igual a si próprio e como a terra que sempre lhe deu o pão foi tornada produtiva pelo seu esforço e à custa de sacrifícios sem conta, facilmente se compreende o amor que ainda lhe devota. Não é egoísmo o que o leva a estar, ainda hoje, tão agarrado aos “bocadinhos”, que herdou e que ele mesmo tantas vezes ajudou a fertilizar com moliço e suor salgados. Não é puro egoísmo essa relutância em vender ou ceder, quantas vezes por bom dinheiro, o quintal que desde pequenino revirou com enxada gasta de tanto cavar. Esse comportamento é, antes, fruto amadurecido pelo amor construído por algumas gerações que lhe moldaram a maneira de ser e de pensar.
Os primeiros gafanhões para aqui vieram em busca de terra igual à que sempre cavaram. As famílias de origem não tinham, normalmente, terra que produzisse para tantas bocas. Daí o sentirem-se obrigados a procurá-la não muito longe do regaço materno e da sabedoria paterna, nessas épocas tão respeitados. E casa para habitar com cómodos de gente era luxo que o gafanhão tinha de encontrar à custa do seu próprio querer. Construí‑la com a ajuda de familiares e amigos era tarefa urgente. E assim foram aparecendo as primeiras choupanas onde o fumo pintava paredes mal acabadas e ajudava a calafetar frinchas que a pouca experiência produzia. Gestos de solidariedade, neste como noutros campos, deixaram marcas desse tempo que a custo vão sobrevivendo na sociedade consumista que nos envolve e por vezes nos domina. Ainda há, apesar de tudo, embora em pequeníssimo número, casas construídas ao jeito antigo do auxílio fraterno ou da troca de serviços. Por isso, desse esforço de construir a sua casa, o amor que o gafanhão lhe vota e o gosto por manter a tradição deixada pelos seus antepassados de “fazer casa quem casa”.
A vida duríssima que procurou e aceitou, ou não soube evitar, despertou nele um respeito muito grande pelo dinheiro, símbolo, ontem como hoje, do trabalho. E como, para o conseguir, do corpo lhe saía, facilmente se compreende o espírito de poupança, que não de avareza, seguido e continuado até aos nossos dias, com frutos projectados em empresas que fizeram a Gafanha comercial, industrial e agrícola.
Saliente-se que, a par do trabalho na indústria e mesmo no comércio, o gafanhão alimentou sempre o trabalho na horta como tarefa complementar e de ajuda à mulher, a primeira responsável pela azáfama agrícola, sobretudo no século XX.
O contacto permanente com a natureza, a dependência das condições climatéricas e o sentido do divino bebido no seio da família fizeram do gafanhão um ser religioso por excelência, embora com um outro resquício do supersticioso, alimentado, este, aliás, por alguma ignorância que as poucas letras ajudavam a criar. O sentimento de caridade e o gosto pela solidariedade, contudo, fizeram desde sempre desta terra um manancial de iniciativas próprias e vizinhas. Aliás, ainda há poucos anos perduravam os róis de gado, quais seguros que garantiam uma certa estabilidade económica do proprietário rural, quando ameaçada por morte ou incapacidade do animal.
Mas o gafanhão não ficou só agarrado à terra e à ria. Conquistadas estas, ei-lo à procura de mais. Mistura-se com o cagaréu na safra do sal e cedo passou a dominá-la, aprende com os Ílhavo os segredos da pesca e com os Mónicas a arte de manejar o enxó e de fazer veleiros que o fizeram sonhar com o mar alto. Antes descobrira a aventura do mar na arte da Xávega, primeiro com os pés bem assentes na terra e depois agarrado ao remo com unhas e dentes, não fosse alguma onda mais traiçoeira arrastá-lo. Vencido o temor inicial, aí vai ele na frota a caminho dos bancos da Terra Nova e da Gronelândia, em missão nunca sonhada pelos seus avós. Depois, a emigração, o comércio e a indústria, numa ânsia de fazer render talentos porventura adormecidos. O gafanhão das sete partidas e dos sete ofícios marca sempre a sua presença, onde quer que se encontre, viva ou trabalhe, pela dignidade, pelas amizades que sabe cultivar, pela simplicidade e humildade, pelo amor entranhado à terra que o viu nascer. Como outros povos, certamente. Mas com muito orgulho pela noção exacta de que é, realmente, ele próprio, um bocado da Gafanha.

Fernando Martins

REPÚBLICA VIVA




Nenhum tempo, nenhum facto da história deve ser lido com leviandade. E ainda menos com uma perspectiva interesseira em extrair lições de proveito rápido. O tempo e os acontecimentos merecem grande serenidade e discernimento para que os sinais que vão surgindo tenham uma interpretação que torne a história em mestra e a vida corrente em contínua aprendiz. Sem medo das luzes e das sombras que a travessia dos tempos induz.
Ainda estamos relativamente longe do centenário da Implantação da República e já se ouvem foguetes de glória. Sem se explicar muito bem a cor da bandeira e a praça certa para festejar não se sabe ainda muito bem o quê. É aqui que começa a ambiguidade com adquiridos ideológicos que justificam todos os erros e exaltam todas as virtudes.
Fazendo lembrar sobressaltos revolucionários que se entendem no tempo em que acontecem mas que não sobrevivem aos crivos implacáveis da análise histórica. É essa joeira fria que nos depura o trigo e o joio, o grão e as poeiras. É essa atitude que nos enriquece na visitação dos factos sem vencedores nem vencidos antecipados.
Provavelmente muitos de nós, da República nascida em 1910, pouco mais temos que preconceitos ou chavões reduzidos a meia dúzia de factos que nos descreveram como heróicos ou mesquinhos. Que ninguém tenha medos dos factos, do que os precedeu, dos contextos em que se verificaram, dos líderes que os protagonizaram, dos horizontes que abriram, das mudanças históricas que criaram. Mas que não venham misturados de jogos subtis e presunções anacrónicas e obsoletas. Todos precisamos aprender e assumir responsabilidades no melhor e no pior que assumimos no tempo.
Quando se fala da I República, quase sempre se antagoniza com outra pedra do xadrez chamada Igreja Católica. Como se se esgotasse no duelo entre as duas instituições toda a gama de factos e consequências. Como se não existisse o povo. Trabalhar as análises sobre preconceitos é um erro não apenas histórico mas de consequências negativas para os tempos de hoje e para a convivência saudável da comunidade nacional. Por isso se saúda a proposta da Conferência Episcopal Portuguesa em Roma para uma evocação do centenário da I República com uma "interpretação exacta dos acontecimentos". Para bem ou para mal a I República ainda está viva.

A PROPÓSITO DO SEMINÁRIO…


A propósito da efeméride do Seminário de Santa Joana Princesa, dei mais uma vista de olhos ao livro “A alma e a pena do arcebispo”, com selecção de textos de D. João Evangelista de Lima Vidal da responsabilidade de João Gonçalves Gaspar. Estive a reler, precisamente, o tema “Na entrada dos primeiros alunos no novo Seminário”, com data de 17 de Novembro de 1951. É uma delícia esta escrita poética do saudoso arcebispo, que justifica, pois, uma leitura de quando em vez, para então sentirmos o palpitar do entusiasmo do primeiro bispo da restaurada Diocese de Aveiro.
“Estamos longe, bem longe ainda, desse absoluto almejado arrumo; falta ainda um novelo espantoso de inquietações, de esforços, de lutas, uma mina de ouro, para nós podermos dizer que a construção do Seminário foi empresa que, realizado integralmente o seu curso, ora a cavalo ora a pé coxo, ou a cem à hora ou à velocidade da lesma, está agora nas prateleiras de algum silencioso e venerando arquivo”, lembra D. João, de quem bem me recordo.
E a seguir sublinha:
“Todos sabem até que eu, se fosse a fazer aquilo que mais me estava no gosto, preferia mil vezes que só houvesse vida de seminário no Seminário depois de se ouvir lá a última martelada dos operários, depois de se extinguir lá o último grão de poeira das obras, depois de não haver mais nada a fazer lá senão abrir a porta e entrar. Mas foi preciso apressar e fazer como os cães: acomodar um canto entre o tumulto, defendê-lo com umas aparas ou com umas ripas, abrir-lhe a cova, dar-lhe umas voltas e, fechados os olhos, fechados também os ouvidos, fazer por dormir.”
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Foto de D. João, desenho de Gaspar Albino

Efeméride


NOVEMBRO - 1951


Neste dia, mas em 1951, O Seminário Diocesano de Santa Joana Princesa, instituído em 1939, foi transferido para o novo edifício, no lugar de Santiago, freguesia da Glória, como refere João Gonçalves Gaspar, em Calendário Histórico de Aveiro.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Na Linha Da Utopia




Museus, Cultura, sempre “depois”!

1. «É impossível gerir uma casa sem saber o que acontece amanhã!», lamenta o director do Museu de Arqueologia de Lisboa, Luís Raposo (Público, 13.XI.2007). É o desabafo que espelha a realidade de grandes museus do país que, por falta de pessoal vigilante e devido a desarticulação de serviços, se vêem obrigados a fechar (tanto algumas salas de exposição como em horas especiais). O Museu Nacional de Arte Antiga já no Domingo passado esteve semifechado, e as palavras da Ministra da Cultura confirmam a «situação de colapso provocado pela falta de atenção do Instituto dos Museus e da Conservação» (IMC), ainda sublinhando que «não há a mais pequena responsabilidade do Ministério da Cultura neste assunto». Mãos lavadas em assunto cultural!...
2. O director do IMC prefere não comentar a acusação de “esquecimento” de sua parte em manter os mínimos da “precariedade cultural” no solicitar atempadamente ao Ministério da Cultura a requisição da prorrogação dos contratos para este, por sua vez, se dirigir com “pressão” ao das Finanças a “mendigar” a sustentabilidade apertada das portas abertas dos museus. A resposta, no dizer da tutela da Cultura, “é natural que demore alguns dias” (semanas?). A certeza é de que até chegar a solução (sempre retardada e provisória… com excedentários provisórios?), uma parte expositiva dos museus pode estar encerrada (provisoriamente!), indo por água abaixo tanto esforço e investimento em captar os (já de si) difíceis PÚBLICOS.
3. A situação é de tal maneira apertada que o director do Museu Nacional de Arte Antiga considera a nomeação de vigilantes «um balão de oxigénio!» No meio de toda esta provisoriedade, não deixa de ser interessante a existência de reclamação de público detectada no Domingo passado, sinal (apesar das limitações) de louvável esforço no divulgar da fundamental abertura dos museus e património às gentes. Desta situação, todos declaram convictamente que O PROBLEMA É ANTIGO, num país ainda à procura da sobrevivência onde é “tese” a cultura vir sempre depois, se houver tempo e no infalível dogma da provisoriedade. Neste panorama, como é possível a (essencial e definitiva) abertura cultural das mentalidades em que os museus façam parte da vida das gentes e cidades e estas sintam-se “em casa” nos seus (amados ou tantas vezes esquecidos?) museus?
4. No fundo, o dinheiro existe sempre para o que se considera que é importante. Que o diga a (pós)cultura do futebol, falado em todos os lados!... Como (nos) sentimos (n)os museus, e como eles estão com o seu património histórico-cultural no centro das nossas cidades? Como transferir públicos dos centros comerciais para os centros culturais?! Talvez seja de concluir que muito do futuro (humano) passa hoje pelo modo como (vi)vemos os museus e o património que temos à nossa volta. Quando não seremos estranhos em casa!

Alexandre Cruz

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