Gerir a ajuda - Envolver quem precisa
“Não sabes a alegria que me deu todo este processo” – confidencia o Padre Serrano, coordenador do serviço social dos Jesuítas para o Haiti, em carta recente aos amigos.
O processo referido diz respeito à descarga e distribuição da ajuda alimentar à população, após as peripécias do transporte de São Domingos para as localidades de destino.
“Uma alegria ligada a uma nova compreensão da situação, a uma referência muito concreta às pessoas, a uma nova forma de gerir a ajuda… Há que integrar as pessoas no próprio processo” – esclarece, emocionado e satisfeito.
E para ilustrar a sua convicção, afirma: “Quando se amontoaram à nossa porta, recordo a voz e o rosto de Soucet, uma mulher vigorosa que exigia alimento, com irritação ostensiva. Recordo o meu temor perante tanta gente. Agora vejo caras amigas, pessoas com as quais se comparte e trabalha pela mesma causa… Agora temos segurança e protecção mais forte do que aquela que podiam brindar-nos as forças militares, temos o acompanhamento de quem pretendemos ajudar” – atesta, concluindo o seu precioso e comovente relato.
Gerir a ajuda, envolvendo os próprios necessitados, ouvindo-os e responsabilizando-os, reconhecendo as suas capacidades e valorizando-as, confiando no acerto da informação que chega e da que é transmitida – eis a proposta desafiante.
“Enquanto nos reuníamos para organizar a distribuição, um grande número de pessoas começou a dar murros na porta, pedindo alimento” – adianta aquele responsável que, de forma pedagógica, continua, “ suspendemos a reunião e pensámos no pior. Foi preciso chamar a polícia, mas a multidão não dispersou.”
E o Padre Serrano anota que, para se irem embora, foi preciso fazer a promessa de eu ir falar com eles, logo que pudesse, e de, no dia seguinte, lhes darmos da ajuda recebida.
“Nessa tarde tivemos uma excelente assembleia de moradores. Reconheceram ser necessário tempo para organizar a distribuição e nós verificámos que também eles deviam beneficiar dos bens chegados. Dei-lhes conta do nosso medo e dos sentimentos de insegurança.”
Garantiram que naquela zona seriam os garantes da ordem e da paz, organizaram-se para receber a ajuda e comprometeram-se a descarregar os camiões.
“E tudo correu de forma excelente” – remata o coordenador do apostolado social dos Jesuítas para a zona das Antilhas.
Este modo de proceder está em profunda consonância com o pensamento social cristão que sempre descobre nas desgraças uma oportunidade de superação e de promoção dos atingidos.
O “plano de reconstrução” do Haiti deve basear-se nos direitos humanos e ter em conta o princípio da subsidiariedade, valorizando as capacidades das pessoas e das suas organizações. Esta advertência é feita pelo representante da Santa Sé nas Nações Unidas, Dom Silvano Tomasi, que destaca como fundamentais os direitos: à vida, à nutrição, à agua, ao desenvolvimento, a uma esperança de vida adequada, a um trabalho digno. E acrescenta: “Estes direitos já estavam em grande medida ausentes”.
A tragédia veio mostrar a sua falta, realçar a urgência da sua realização e indicar o caminho da superação: todos somos responsáveis uns pelos outros; cada um deve ser tido em conta nas suas aptidões e contribuir com o que pode; tem de haver quem coordene e impulsione as iniciativas adequadas às capacidades das pessoas e às exigências das situações.
Pe. Georgino Rocha