Carta demolidora ao Papa
Por Anselmo Borges
O autor da carta, Henri Boulad, 78 anos, é um jesuíta egípcio de rito melquita. Não é um jesuíta qualquer: há treze anos que é reitor do colégio dos jesuítas no Cairo, depois de ter sido superior dos jesuítas em Alexandria, superior regional, professor de Teologia no Cairo. Conhece bem a hierarquia católica do Egipto e da Europa. Visitou quarenta países nos vários continentes, dando conferências, e publicou trinta livros em quinze línguas. A sua carta, inspirada na "liberdade dos filhos de Deus" e a partir de "um coração que sangra ao ver o abismo no qual a nossa Igreja está a precipitar-se", funda-se, pois, num "conhecimento real da Igreja universal e da sua situação actual".
A carta tem três partes: a presente situação, a reacção da Igreja, propostas.
Há constatações que não podem ser ignoradas. 1. Assiste-se à queda constante da prática religiosa. Quem frequenta as igrejas na Europa e no Canadá são pessoas da terceira idade, de tal modo que, por este andar, será necessário fechar igrejas e transformá-las em museus, mesquitas ou bibliotecas. 2. Os seminários e os noviciados também continuam a esvaziar-se. 3. São muitos os sacerdotes que abandonam, e os que ficam - a sua média etária ultrapassa frequentemente a da reforma - têm a seu cargo várias paróquias. "Muitos deles, tanto na Europa como no Terceiro Mundo, vivem em concubinato à vista dos fiéis, que normalmente os aceitam, e do seu bispo, que não aceita, mas vai fechando os olhos por causa da escassez de clero." 4. A linguagem da Igreja é "obsoleta, anacrónica, aborrecida, repetitiva, moralizante, completamente inadaptada ao nosso tempo". 5. Impõe-se uma "nova evangelização", inventando uma linguagem nova. "Temos de constatar que a nossa fé é muito cerebral, abstracta, dogmática, e se dirige muito pouco ao coração e ao corpo." 6. Não é, pois, de estranhar que muitos cristãos se voltem para as religiões da Ásia, as seitas, a New Age, o ocultismo. A fé cristã aparece-lhes hoje como "um enigma, restos de um passado acabado". 7. No plano moral, "as declarações do Magistério, repetidas à saciedade, sobre o casamento, a contracepção, o aborto, a eutanásia, a homossexualidade, o casamento dos padres, os divorciados que voltam a casar, etc., já não dizem nada a ninguém e apenas provocam indiferença". 8. A Igreja católica, que foi a grande educadora da Europa, "parece esquecer que esta Europa chegou à maturidade" e "não quer ser tratada como menor de idade". 9. Paradoxalmente, são as nações mais católicas do passado que agora caem no ateísmo, no agnosticismo, na indiferença. Quanto mais dominado e protegido pela Igreja foi um povo no passado, "mais forte é a reacção contra ela". 10. O diálogo com as outras Igrejas e religiões está hoje em "preocupante retrocesso".
A reacção da Igreja é a de minimizar a gravidade da situação, apelar à confiança no Senhor, apoiar-se na ala mais conservadora ou nos países do Terceiro Mundo. Esquece-se que "a modernidade é irreversível" e que também "as novas Igrejas do Terceiro Mundo atravessarão, mais cedo ou mais tarde, as mesmas crises que a velha cristandade europeia conheceu".
Que fazer? "A Igreja tem hoje uma necessidade imperiosa e urgente de uma tríplice reforma." 1. Uma reforma teológica e catequética, para repensar a fé e "reformulá-la de modo coerente para os nossos contemporâneos". 2. Uma reforma pastoral, "para repensar de cabo a rabo as estruturas herdadas do passado". 3. Uma reforma espiritual, para revitalizar a mística e repensar os sacramentos. "A Igreja de hoje é demasiado formal, demasiado formalista", como se o importante fosse "uma estabilidade puramente exterior, uma honestidade superficial, certa fachada".
Que sugere então o padre H. Boulad? "A convocatória de um sínodo geral a nível da Igreja universal, no qual participassem todos os cristãos - católicos e outros - para examinar com toda a franqueza e clareza estes e outros pontos. Esse sínodo, que duraria três anos, terminaria com uma assembleia geral que sintetizasse os resultados desta investigação e tirasse daí as conclusões."
In DN