Muito mais que cidadania…
Por Alexandre Cruz
1. Na data histórica de 31 de Janeiro, no Porto, deu-se início às comemorações do Centenário da República Portuguesa. Começaram, neste contexto histórico, a ser partilhadas muitas mensagens repletas de história e muitas entrevistas a personalidades do mundo da política e da cultura. Também aquelas perguntas breves de rua (sobre acontecimentos relacionados com a instauração da república e personalidades situadas nessa época complexa) manifestam grande desconhecimento da nossa história nacional, ou então um enviesamento menos saudável no que à história diz respeito. Um vasto conjunto de “refrães” enaltecedores da ideologia republicana está no ar; aquilo que é uma oportunidade cívica não se pode asfixiar em visões limitadas e circunscritas a ideias fechadas.
2. Um dos traços comuns do lançamento das comemorações é a necessidade de espevitar a intervenção cívica para aquilo que são as realidades e os problemas da sociedade em geral, e o tempo e o modo como a actividade política enobrece o compromisso público e particular com o bem comum. Das palavras mais ditas como apelo é a palavra «cidadania». Indo ao dicionário, cidadania no espírito da república pode-nos orientar mais para a noção de “cidade” que de “humanidade”. Poderíamos dizer, com as devidas limitações de todas as comparações, que a república cidadânica, inspirada na Revolução Francesa (1789), nascendo em contraposição e reacção ao modelo anterior (mais assente no “campo” que na cidade), aponta o caminho da exaltação mais de direitos de cidadania que de direitos humanos.
3. Se a república é o actual modelo de governança, este também precisa – à semelhança de outros modelos ao longo dos tempos – de ser confrontado para se ir purificando. A República nasceu com Platão, a comunidade ideal onde a todos é garantido o essencial; as repúblicas actuais, no “dia seguinte” à sua instauração, precisam de alerta contínuo para não caírem nos males que denunciaram no regime anterior. É bom sentir que só «cidadania» é muito pouco e que o «ser humano» é que é tudo! Ou seja: relativizar a ideologia, ela depende da sua prática.