Sem muros
nem fronteiras
nem fronteiras
Por António Marcelino
Nem sempre é fácil viver num mundo complexo como o nosso, que é, ao mesmo tempo, pequeno e grande, fechado e aberto, indiferente e cordial. Onde tudo se conhece e poucos se conhecem, todos opinam e poucos escutam, todos falam de amor e poucos se amam. Cheio de riquezas e de misérias, de capacidades e de restrições, de esperanças e de desesperos… O Vaticano II definiu-o de modo ainda mais eloquente (GS 5-9).
Mas é este o nosso mundo. Aquele em que vivemos, e só pode melhorar se dele fizermos um projecto e pusermos em acção, de modo activo e concertado, nossa vontade e nossas potencialidades, alargando o circulo e o número dos interessados em igual projecto.
Ninguém deve esperar para começar. Quanto mais ingente a tarefa, mais urge o tempo para a realizar. Os cristãos acordados e todas as pessoas de boa vontade que sofrem com o que falta e se alegram com o que se vai conseguindo de bom e de auspicioso, têm de estar conscientes desta tarefa e desta urgência.
A Igreja, com todas as mazelas que sofreu ao longo do tempo, tem como missão ajudar a redimir o tempo perdido e necessário. Ela há-de levar ao despertar da fé, consciente e activa, na medida em que, lendo e discernindo os “sinais dos tempos”, se empenhar no serviço às pessoas, se unir e estimular aos que lutam por projectos sociais de justiça e de verdade.
O presidente da França, por altura da visita de Bento XVI ao seu país, não teve pejo, num mundo laico, como o francês, em reconhecer, de modo público, a importância da Igreja na sociedade e para a sociedade, vendo na mensagem cristã, posta em prática, um factor de equilíbrio e de coesão social e moral. E afirmou textualmente: “O catecismo dotou de um sentido moral, bastante afinado, gerações inteiras de cidadãos. Em tempos recebia-se educação religiosa, mesmo nas famílias não crentes. Isso permitia a recepção de valores necessários para o equilíbrio da sociedade”. E, mais tarde, em iguais circunstâncias, disse ainda: “Nós assumimos as nossas raízes cristãs. Seria uma autêntica loucura privarmo-nos da sabedoria das religiões. Seria um crime contra a cultura e contra o pensamento. Chegou a hora de passarmos a uma “laicidade positiva”.
A Igreja, consciente da sua missão e da sua história, mesmo com suas páginas menos brilhantes e ensanguentadas, foi sempre pátria de santos, conhecidos ou anónimos, e tem, por isso, de se empenhar cada vez mais, na tarefa ingente de ajudar a sociedade a equilibrar-se, para que possa ser uma sociedade bela e justa, de todos e para todos. Ela é global, pela sua mensagem e missão, antes de qualquer outra globalização. Os valores que propugna e propõe, em qualquer tempo e lugar, não estão sujeitos à erosão, nem ficam desgastados pela incoerência de quem os não vive ou os não pratica.
Terminou o tempo dos anátemas, das críticas inconsequentes, da distribuição de culpas, das sondagens para ilustrar e entreter. O tempo é de compromisso, testemunho, acção inteligente, organizada e corajosa. Para isso, há que romper com os muros interiores que ainda subsistem em pessoas e grupos e dividem sempre, mas não têm mais sentido num mundo plural, diverso e complexo. Há que romper com as exclusões e evitar os desencontros, tornando mais difíceis as relações pessoais e os projectos comuns.
Ninguém melhora o mundo distante se não melhorar antes e ao mesmo tempo o seu mundo interior e o da sua imediata proximidade, aí onde os sentimentos clamam por verdade e os actos por coerência.
O papel da Igreja é gerar fermento renovador que levedará a massa amorfa. O que se faz no templo se não se repercute na vida das pessoas e da sociedade nunca servirá de louvor ou de glória para Deus. O que se faz a olhar só para dentro encurta a vista do coração e da vontade, fomenta o narcisismo e torna-se lixo inútil. A hora é de novas oportunidades e de apelos urgentes, mas também, hora de conversão ao essencial.