Porque em devir e abertos ao futuro, a esperança é princípio constituinte do cosmos, do Homem e da História. A abertura ao futuro torna-se espera no animal, que precisa de procurar o que lhe falta. Tanto o animal como o Homem esperam, com uma diferença: o animal fica satisfeito, quando obtém o que procura, mas o Homem, após a realização de cada projecto, continua ilimitadamente aberto a um para lá, que o move, num transcendimento sem fim. Segundo essa abertura ao futuro aconteça na confiança ou na desconfiança, a espera configura-se como esperança ou desesperança.
A esperança tem um duplo pólo: subjectivo e objectivo, devendo assim falar-se de esperança esperante e esperança esperada. Neste quadro, é fácil constatar no Homem a diferença constitutiva entre a primeira e a segunda: por mais que a esperança esperante se materialize nas suas realizações concretas, nunca se realiza adequadamente, continuando insuperável um abismo, de tal modo que se impõe um plus ultra, um para lá de todo alcançado. Aí está a razão por que todo o ser humano morre inacabado, insatisfeito, sempre por fazer adequada e plenamente.
Insere-se aqui a esperança pessoal para lá da morte, mas uma esperança tal que salve o ser humano real, de modo pessoal, e não numa "imortalidade" impessoal, apenas pela continuação na família, nas obras, na natureza, na sociedade...
A esperança não é certeza. Tem razões, mas não é demonstrável cientificamente. Não consiste em mero desejo, não pode ser wishful thinking. Tem de fundamentar-se no possível, em potencialidades reais. Assim, quando se pensa na vida eterna pessoal, entende-se que só Deus pode ser fundamento dessa esperança. Como viu São Paulo na Carta aos Romanos, "só o Deus que criou a partir do nada pode ressuscitar os mortos". Na sua continuação, Kant postulou a imortalidade, mas simultaneamente postulou o Deus criador como seu garante. Imortalidade pessoal e Deus pessoal criador implicam-se mutuamente.
Mas será que queremos a vida eterna?
Na sua segunda encíclica, sobre a esperança (Spe salvi), Bento XVI debate-se honestamente com esta pergunta. Reconhece que muitos hoje recusam a fé porque "a vida eterna lhes não parece algo desejável". Querem a vida presente, e a vida eterna é "um obstáculo". Continuar a viver para sempre, numa vida interminável, "mais parece uma condenação do que uma graça". Quereríamos adiar a morte, mas viver sempre, sem um final, tornar-se-ia, em última análise, "insuportável". A eliminação da morte - pense-se no romance de José Saramago: As Intermitências da Morte - faria da vida na Terra uma impossibilidade, e que benefícios poderia trazer para o indivíduo? Então, na nossa existência, há uma contradição: por um lado, "não queremos morrer", mas, por outro, "também não desejamos continuar a existir ilimitadamente nem a Terra foi criada com esta perspectiva." Que queremos então realmente?
Esta pergunta abre para outra: "que é realmente a 'vida' e que significa verdadeira-mente 'eternidade'?"
O Papa responde apelando para algumas das nossas experiências - a beleza, o amor, a criação -, em que nos aproximamos do que seria verdadeiramente viver, de tal modo que aí até dizemos: assim deveria ser sempre.
No fundo, queremos esta vida, que amamos, mas plena. Queremos a bem-aventurança, a felicidade. Não sabemos exactamente o que queremos, pois é o desconhecido - um "não sei quê -, mas neste não saber sabemos e experienciamos que essa realidade tem de existir: é ela que nos arrasta e é para ela que somos impelidos.
Não sabemos o que queremos dizer com "vida eterna". Apenas podemos pressentir que "a eternidade não é um contínuo suceder-se de dias no calendário, mas como o instante pleno de satisfação, no qual a totalidade nos abraça e nós abraçamos a totalidade". Seria o instante da submersão na imensidade do ser, na vida plena, "no oceano do amor infinito, no qual o tempo já não existe."
Na Páscoa, o que se celebra são estes mistérios do cosmos, do Homem e da História, da vida, da morte e da vida eterna.
Anselmo Borges