terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Justiça em Portugal

Na linha do que ultimamente tem denunciado, o bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, afirmou, na abertura do Ano Judicial: “Muitas pessoas que actuam em nome do Estado e cuja principal função seria acautelar os interesses públicos acabam mais tarde por trabalhar para as empresas ou grupos que beneficiaram com esses negócios.” “Há pessoas que acumularam grandes patrimónios pessoais no exercício de funções públicas ou em simultâneo com actividades privadas, sem que nunca se soubesse a verdadeira origem do enriquecimento.”
"Há um sentimento generalizado na sociedade portuguesa de que o sistema judicial é forte e severo com os fracos, e fraco, muito fraco e permissivo com os fortes.” São afirmações duras e incisivas. Foram ouvidas pelo Presidente da República, pelo ministro da Justiça e pelos mais altos magistrados do Poder Judicial. O Procurador-geral da República, que já mandou abrir um inquérito, também ouviu o bastonário da Ordem dos Advogados. Os portugueses ficam à espera dos resultados. Todos queremos ficar tranquilos.
FM

Remodelação no Governo

Os ministros da Saúde e da Cultura foram substituídos. Correia de Campo e Isabel Pires de Lima vão ceder os seus lugares a Ana Jorge e a José António Pinto Ribeiro, respectivamente. Pessoalmente, penso que José Sócrates poderia ir mais longe. Ficou por aqui, convencido de que isto é o suficiente para calar os descontentes. Não é. Os protestos continuarão, porque há no Governo quem ande por ali a criar conflitos. Os ministros da Economia, Obra Públicas e Educação, por exemplo, podiam, muito bem, dar o lugar a outros, no sentido de aplacar as iras dos muitos portugueses descontente com a política do Governo do PS. Defendo que o Governo tem de fazer reformas impopulares, mas nunca pode avançar com elas sem as explicar muito bem. O povo gosta de dialogar com os governantes. Gosta que o oiçam, gosta de compreender o porquê das decisões. As reformas da área da Saúde estavam a mexer com as pessoas, ao “roubaram-lhe” um serviço de proximidade, tão necessário à tranquilidade de quem sofre e de quem está fragilizado pela idade ou pela solidão. Na área da Cultura, tudo girava como se nem ministro tivéssemos. Claro que esta mini-remodelação pouco poderá alterar a linha de orientação do Governo. Mas José Sócrates, que é um político determinado e experiente, saberá que, se continuar a hostilizar o povo, não chegará longe.
FM

MAR SEM SAL


MAR SEM SAL é um blogue que me chegou a casa por mão amiga. Trazia a recomendação de que é preciso estar atento. Já o vi. Está a começar e promete opinião com personalidade. Junto ao cabeçalho está um ponto de partida que vale a pena meditar: “Quando descobrimos aquilo de que somos feitos e a maneira como somos construídos, descobrimos um processo incessante de construção e destruição e apercebemo-nos de que a vida está à mercê desse processo interminável. Tal como os castelos de areia das praias da nossa infância, a vida pode ser levada pela maré.” António Damásio, O Sentimento de Si (1999).
A dona deste blogue assina e apresenta-se de forma original: SAL. Talvez por a sua cultura e a sua personalidade andarem muito na crista das ondas que dominaram os seus horizontes, desde tenra infância. E diz mais: "Sou cantora, professora do ensino especializado de música e investigadora. Sou uma pessoa que se recusa a ter um papel passivo nesta sociedade."
Com os meus parabéns, ficarei atento. Mas sei, à partida, que SAL não será levado pela maré, porque tem de cumprir a sua missão de temperar e dar sabor à vida.

Fernando Martins

Na Linha Da Utopia



Cultura como desenvolvimento


1. São muitas as teorias e ideias sobre a cultura, mas na realidade as propostas de cultura apresentam-se sempre como um esforço repleto de fronteiras e incertezas. Como criar dinâmicas de tal forma interessantes e estimulantes em que as liberdades, o passado, presente e futuro, se juntem a celebrar a cultura e a vida? É a pergunta que percorre o tempo da história na expectativa de uma vivência cultural de tal forma intensa como se quase não precisássemos de apelar à cultura (cívica) da participação.
2. As coordenadas do tempo (passado, presente e futuro) não podem estar fora desse palco cultural. A própria visão cultural não pode ser em círculo fechado. Um horizonte cultural rasgado colocará no mapa da vida das sociedades a cultura no primeiro plano e não do último, como se de um acessório se tratasse. É também aqui, sem saudosismos mas como factor de “pertença”, que os séculos que nos precederam terão sabido erguer um património artístico e cultural ligado umbilicalmente à vida das gentes, numa convivência natural enraizada de tal forma que os laços de geração em geração conseguiram passar essas “tradições”. Algumas admiráveis, outras, como sabemos, nem tanto.
3. Às perguntas essenciais sobre o lugar da cultura no futuro das sociedades, poderemos responder com o que pensarão aqueles que serão o “amanhã” (os jovens de hoje) sobre o assunto. Há dias um professor especializado nestas áreas dizia que de forma crescente os jovens respondem ao jeito dos “links” (ficheiros, sectores) do computador, faltando uma visão de unidade geral de toda a informação que se “descarrega”. Nestas visões crescentes “espartilhadas” que lugar para a cultura, como elo de unidade do que somos com tudo o que antes de nós foi caminho humano? Haverá futuro sem consciência do passado?
4. É neste sentido que a cultura em Portugal terá de deixar de ser um acessório num palco de cumprir calendários. Talvez deva ser vista como factor essencial de desenvolvimento social. As gentes precisam de se sentir identificadas com as suas raízes para redescobrir as dinâmicas de participação comunitária. Quanto mais existir esse reconhecimento da “tradição” (mesmo folclórica, de bandas de música, colectividades que fazem continuamente um trabalho heróico), tanto mais haverá aptidão e curiosidade no apreço do fascinante futuro. Talvez esse “elo de unidade” possa reerguer a cultura portuguesa como factor de desenvolvimento humano e social. Mais (mais aberto) e melhor!


Alexandre Cruz

Reflexo


O (des)encanto da repetição

Ano após ano, temos celebrações que se repetem no nosso calendário e que, talvez por isso, nem sempre despertem o encanto da novidade que arrebata e surpreende. A Quaresma que proximamente se inicia pode não gerar o impacto mediático de outras celebrações do ano litúrgico nem mesmo o do Carnaval, a ela umbilicalmente ligado, numa sublime ironia, mas apresenta-se em 2008 com muitos caminhos de purificação prontos a percorrer, individual e colectivamente, em Portugal e no mundo.
À carnavalesca folia colectiva segue-se a discrição árida do tempo quaresmal, numa transição que parece humanamente impossível no quadro de apenas algumas horas. Não deixam, contudo, de ser momentos profundamente humanos, de buscas interiores e exteriores, de quadros desenhados numa dinâmica comum a milhões de pessoas.
A verdade é que, todos os anos, a Quaresma surge com os seus apelos de simplicidade, de solidariedade – menos “folclórica” do que o Natal, é certo -, de silêncio, interioridade e conversão. Palavras alheias ao frenesim do consumo e, admitamos, dos media, mais interessados naquilo que julgam não se virá a repetir.
Pensadores de todos os tempos pasmaram diante deste jogo de atracção e repulsa pelo “eterno retorno”, pela sequência dos momentos que vemos surgirem diante de nós com uma familiaridade invulgar, para serem vividos e transformados, uma e outra vez.
Há uma estranha tendência da humanidade de repetir a sua história no que ela tem de pio: assistimos hoje a várias tragédias humanas, mas o olhar crente não pode deixar de ficar impressionado com uma nova fuga para o Egipto por causa da fome, situação que já no início da Bíblia se via retratada no livro do Génesis.
Desta vez, cabe aos palestinianos de Gaza fazerem o percurso encetado por Abraão, José, Jacob e seus descendentes para um local associado à escravidão do povo, mas que acaba por ser um último refúgio em tempos de crise.
Terrível destino, este o da humanidade, se não parar de repetir a sua história. A Quaresma aí está, uma e outra vez, com o seu sereno convite a mudar de vida...


Octávio Carmo

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

2008 Ano Vieirino




Padre António Vieira:
Religioso, Escritor, Diplomata,
Pregador, Teólogo, Profeta

O ano de 2008, em que passam quatrocentos anos sobre o nascimento do Padre António Vieira, S.I., será ano vieirino ; ano de evocação da vida e da obra de uma figura ímpar da Cultura Portuguesa e Brasileira; ano de celebração de um homem de todos os tempos.
Ao longo da sua longa vida (1608-1697), repartida entre Portugal e o Brasil, com passagens por França, Holanda, Inglaterra e Itália, sempre este Jesuíta se assumiu como Actor no grande teatro do mundo, desdobrando-se em desempenhos tão fascinantes pela diversidade como pela genialidade da representação. Religioso, Escritor, Diplomata, Pregador, Teólogo, Profeta…, conheceu o triunfo e os aplausos, mas também o insucesso, a censura, o descrédito, a que quis e soube resistir.
Nele impressiona uma imensa energia, manifestada na acção e no discurso, aliás indissociáveis: para Vieira, dizer é fazer. A sua extensa e variada obra, reflectindo a sua extensa e variada vida, molda uma imagem viva do autor. Hoje, ler Vieira não é apenas entrar no grande teatro do mundo barroco: é descobrir, com maravilha, o infinito universo da palavra, prodígios, subtilezas e meandros da língua.


Na Linha Da Utopia


O mal necessário?

1. Um rasto continua da recente crise de um grande banco português: infelizmente, a desconfiança é um contra-valor que tem lugar cativo. No antes, no durante a gestão do processo, e nos “depois” que parecem sempre indecisos na neblina da dúvida. Neste caso, pouco interessam os nomes e as coisas concretas; interessa bem mais compreender esta postura que depois traz para a casuística das situações uma mentalidade aprisionada pouco liberta/libertadora.
2. Mais ainda, dir-se-á que os apelos reclamantes do “outro lado” da moeda têm sido de contínua solicitação de mais inspecções, mais investigações, mais “judiciarismo”, como se à partida não acreditássemos que será possível fazer-se um caminho na confiança da liberdade responsável. De forças partidárias que há tempos reclamavam a distribuição de lugares, até à sempre recorrida justiça inspeccionadora, a que se pode juntar a realidade e os frutos da própria autoridade de inspecção alimentar, será que precisamos sempre de um “polícia” para ser feito o bem necessário? Perguntar é procurar razões…
3. Mesmo sem os pessimismos, afinal, pelos séculos fora, o que fez do chico-espertismo do escape ao sistema uma verdadeira autoridade silenciosa minadora do rigor da liberdade? O que trouxe para alguma da mentalidade uma certa necessidade de haver sempre quem inspeccione para obter uma perfeição crescente? Porque diante de situações de demonstrada corrupção a primeira palavra de ordem é o reclamar da justiça penitenciária em vez de “vamos mudar a mentalidade” estabelecendo naturalmente a justiça como valor positivo e não meramente numa óptica criminal?... Perguntas todas e muitas mais bem antigas.
4. Uma pedagogia das minuciosas e sensíveis responsabilidades pela positiva está sempre a ver se vem à tona da água. Felizmente, em tantos quadrantes sociais ela vai aperfeiçoando o seu percurso renovador sem uma necessidade inspeccionadora; noutras ainda se prefere a lógica vigilante à aceitação livre das mudanças boas para cada um e para todos. Outros séculos foram propostas à sociedade formas pedagógicas e mesmo novelísticas de afirmar as vantagens da prática da justiça. Uma cultura diária pela positiva virá destronar a sensação do “mal necessário” de que, inseguros, precisamos cada vez mais e mais de inspecções para tudo… Qual “big brother”?! Enquanto for assim, continuamos longe; a mentalidade de fazer todo o bem pelo bem, como serviço, será o sinal do tempo novo.

Alexandre Cruz

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