e a alma
Depois do 25 de Abril, de todas as antigas colónias portuguesas, Timor foi certa-mente a mais amada. Não por ser a maior, nem a mais rica ou poderosa. Nem por ser a mais politicamente rentável. Foi a que, não obstante a distância, acabou por ser seguida de mais perto, pela cruel ocupação de que foi vítima, pela interdição de se ensinar a língua portuguesa e, sobretudo, a que em 1999, desencadeou nos portugueses uma maior onda de vibração e ternura muito para além da solidariedade convencional. Todos, sobretudo aqueles que visitaram Timor, se aperceberam que a independência aconteceu quase por milagre, contra toda a lógica da força e das vulgares contas políticas, apenas pela determinação heróica dum povo, consciente da sua dimensão e dos seus limites. E, todavia, assumindo a independência como afirmação da sua história, cultura - e fé - que não tolerava aglutinações fáceis de invasores da última hora.
Sabe-se de quanta dor e morte foi atravessado este trajecto, conquistado mais com a alma do povo do que com a força das armas. Parece até que a arquitectura política do Estado de Timor tinha mais força simbólica do que real e que o tempo e a alma – repita-se – ofereceriam a consolidação dum projecto de identidade e independência sem reservas. Mas ninguém, minimamente avisado, ignorou as fragilidades e ameaças, internas e externas. O que agora aconteceu disso é a prova. O que se não adivinhava era que dos próprios protagonistas pudessem sair golpes rudes numa independência recente dum pequeno país que ainda amadurece as novas formas de viver.
A primeira tentação é a de desencanto pela causa em que tantos nos empenhámos e que ora padece de convulsões e desequilíbrios. Mas a segunda tentação pode ser pior: deixar o povo à mercê dos políticos que colocam as quezílias pessoais à frente da sobrevivência da sua Pátria. Como em outros momentos, não podemos abandonar Timor. Sobretudo o Povo que, mais uma vez, experimentou o arrepio do medo e a ameaça recôndita de ser entregue a qualquer ditador.