quarta-feira, 14 de novembro de 2007

REPÚBLICA VIVA




Nenhum tempo, nenhum facto da história deve ser lido com leviandade. E ainda menos com uma perspectiva interesseira em extrair lições de proveito rápido. O tempo e os acontecimentos merecem grande serenidade e discernimento para que os sinais que vão surgindo tenham uma interpretação que torne a história em mestra e a vida corrente em contínua aprendiz. Sem medo das luzes e das sombras que a travessia dos tempos induz.
Ainda estamos relativamente longe do centenário da Implantação da República e já se ouvem foguetes de glória. Sem se explicar muito bem a cor da bandeira e a praça certa para festejar não se sabe ainda muito bem o quê. É aqui que começa a ambiguidade com adquiridos ideológicos que justificam todos os erros e exaltam todas as virtudes.
Fazendo lembrar sobressaltos revolucionários que se entendem no tempo em que acontecem mas que não sobrevivem aos crivos implacáveis da análise histórica. É essa joeira fria que nos depura o trigo e o joio, o grão e as poeiras. É essa atitude que nos enriquece na visitação dos factos sem vencedores nem vencidos antecipados.
Provavelmente muitos de nós, da República nascida em 1910, pouco mais temos que preconceitos ou chavões reduzidos a meia dúzia de factos que nos descreveram como heróicos ou mesquinhos. Que ninguém tenha medos dos factos, do que os precedeu, dos contextos em que se verificaram, dos líderes que os protagonizaram, dos horizontes que abriram, das mudanças históricas que criaram. Mas que não venham misturados de jogos subtis e presunções anacrónicas e obsoletas. Todos precisamos aprender e assumir responsabilidades no melhor e no pior que assumimos no tempo.
Quando se fala da I República, quase sempre se antagoniza com outra pedra do xadrez chamada Igreja Católica. Como se se esgotasse no duelo entre as duas instituições toda a gama de factos e consequências. Como se não existisse o povo. Trabalhar as análises sobre preconceitos é um erro não apenas histórico mas de consequências negativas para os tempos de hoje e para a convivência saudável da comunidade nacional. Por isso se saúda a proposta da Conferência Episcopal Portuguesa em Roma para uma evocação do centenário da I República com uma "interpretação exacta dos acontecimentos". Para bem ou para mal a I República ainda está viva.

A PROPÓSITO DO SEMINÁRIO…


A propósito da efeméride do Seminário de Santa Joana Princesa, dei mais uma vista de olhos ao livro “A alma e a pena do arcebispo”, com selecção de textos de D. João Evangelista de Lima Vidal da responsabilidade de João Gonçalves Gaspar. Estive a reler, precisamente, o tema “Na entrada dos primeiros alunos no novo Seminário”, com data de 17 de Novembro de 1951. É uma delícia esta escrita poética do saudoso arcebispo, que justifica, pois, uma leitura de quando em vez, para então sentirmos o palpitar do entusiasmo do primeiro bispo da restaurada Diocese de Aveiro.
“Estamos longe, bem longe ainda, desse absoluto almejado arrumo; falta ainda um novelo espantoso de inquietações, de esforços, de lutas, uma mina de ouro, para nós podermos dizer que a construção do Seminário foi empresa que, realizado integralmente o seu curso, ora a cavalo ora a pé coxo, ou a cem à hora ou à velocidade da lesma, está agora nas prateleiras de algum silencioso e venerando arquivo”, lembra D. João, de quem bem me recordo.
E a seguir sublinha:
“Todos sabem até que eu, se fosse a fazer aquilo que mais me estava no gosto, preferia mil vezes que só houvesse vida de seminário no Seminário depois de se ouvir lá a última martelada dos operários, depois de se extinguir lá o último grão de poeira das obras, depois de não haver mais nada a fazer lá senão abrir a porta e entrar. Mas foi preciso apressar e fazer como os cães: acomodar um canto entre o tumulto, defendê-lo com umas aparas ou com umas ripas, abrir-lhe a cova, dar-lhe umas voltas e, fechados os olhos, fechados também os ouvidos, fazer por dormir.”
:
Foto de D. João, desenho de Gaspar Albino

Efeméride


NOVEMBRO - 1951


Neste dia, mas em 1951, O Seminário Diocesano de Santa Joana Princesa, instituído em 1939, foi transferido para o novo edifício, no lugar de Santiago, freguesia da Glória, como refere João Gonçalves Gaspar, em Calendário Histórico de Aveiro.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Na Linha Da Utopia




Museus, Cultura, sempre “depois”!

1. «É impossível gerir uma casa sem saber o que acontece amanhã!», lamenta o director do Museu de Arqueologia de Lisboa, Luís Raposo (Público, 13.XI.2007). É o desabafo que espelha a realidade de grandes museus do país que, por falta de pessoal vigilante e devido a desarticulação de serviços, se vêem obrigados a fechar (tanto algumas salas de exposição como em horas especiais). O Museu Nacional de Arte Antiga já no Domingo passado esteve semifechado, e as palavras da Ministra da Cultura confirmam a «situação de colapso provocado pela falta de atenção do Instituto dos Museus e da Conservação» (IMC), ainda sublinhando que «não há a mais pequena responsabilidade do Ministério da Cultura neste assunto». Mãos lavadas em assunto cultural!...
2. O director do IMC prefere não comentar a acusação de “esquecimento” de sua parte em manter os mínimos da “precariedade cultural” no solicitar atempadamente ao Ministério da Cultura a requisição da prorrogação dos contratos para este, por sua vez, se dirigir com “pressão” ao das Finanças a “mendigar” a sustentabilidade apertada das portas abertas dos museus. A resposta, no dizer da tutela da Cultura, “é natural que demore alguns dias” (semanas?). A certeza é de que até chegar a solução (sempre retardada e provisória… com excedentários provisórios?), uma parte expositiva dos museus pode estar encerrada (provisoriamente!), indo por água abaixo tanto esforço e investimento em captar os (já de si) difíceis PÚBLICOS.
3. A situação é de tal maneira apertada que o director do Museu Nacional de Arte Antiga considera a nomeação de vigilantes «um balão de oxigénio!» No meio de toda esta provisoriedade, não deixa de ser interessante a existência de reclamação de público detectada no Domingo passado, sinal (apesar das limitações) de louvável esforço no divulgar da fundamental abertura dos museus e património às gentes. Desta situação, todos declaram convictamente que O PROBLEMA É ANTIGO, num país ainda à procura da sobrevivência onde é “tese” a cultura vir sempre depois, se houver tempo e no infalível dogma da provisoriedade. Neste panorama, como é possível a (essencial e definitiva) abertura cultural das mentalidades em que os museus façam parte da vida das gentes e cidades e estas sintam-se “em casa” nos seus (amados ou tantas vezes esquecidos?) museus?
4. No fundo, o dinheiro existe sempre para o que se considera que é importante. Que o diga a (pós)cultura do futebol, falado em todos os lados!... Como (nos) sentimos (n)os museus, e como eles estão com o seu património histórico-cultural no centro das nossas cidades? Como transferir públicos dos centros comerciais para os centros culturais?! Talvez seja de concluir que muito do futuro (humano) passa hoje pelo modo como (vi)vemos os museus e o património que temos à nossa volta. Quando não seremos estranhos em casa!

Alexandre Cruz

Banco Alimentar


UM BOM ENSAIO
DE SOLIDARIEDADE


Quem nunca fez uma experiência de solidariedade não sabe o que perdeu. O facto de nos sentirmos com capacidade para partilhar o que temos, mormente o nosso tempo, é de uma riqueza interior que nem tem explicação. Por isso, acon-selho essa vivência, nem que seja, e já não é pouco, colaborar, simplesmente, num peditório.
O Banco Alimentar Contra a Fome está a organizar mais um peditório anual de recolha de alimentos junto das superfícies comerciais. É nos dias 1 e 2 de Dezembro que tal acção vai acontecer. E para isso precisa de gente que se disponibilize para colaborar, nas diversas tarefas que essa recolha impõe. Se tem um tempinho livre, inscreva-se no CUFC, junto à Universidade de Aveiro. Depois, tudo será fácil.

GAFANHA DA NAZARÉ: Subsídios para a sua história

A partir de hoje, passarei a publicar alguns escritos, que mais não são do que modestos contributos para a história da Gafanha da Nazaré. Serão escritos despretensiosos, objectivos quanto possível, já publicados em circunstâncias especiais. Outros resultam de intervenções em palestras, colóquios e encontros de jovens e menos jovens. Quem me ouviu ou quem me leu há-de verificar, no entanto, que não faltarão, agora, alterações aos textos, resultantes, naturalmente, da evolução dos tempos. Por norma, modifico bastante a minha escrita, sempre ao sabor da maré, mas faço-o no respeito absoluto pela essência do que primeiramente publiquei.
Penso que a história da Gafanha da Nazaré, como das outras Gafanhas, ainda está por fazer. Há muita gente que escreve, mas falta, indubitavelmente, uma recolha criteriosa do que há, publicado ou na memória de muitos gafanhões, porque as actuais gerações precisam desse trabalho. De diversas pessoas tenho recebido incitamento para tornar público os vários escritos que a vida dos gafanhões me suscitaram. Confesso, no entanto, que tenho andado um pouco indiferente a esses apelos. Por comodismo, sobretudo. Mas prometo que não deixarei de pensar nisso.
Hoje, portanto, aqui deixo a promessa de começar a publicar no meu blogue o que considerar importante para a história deste povo, na certeza de que estarei a homenagear quantos aqui nasceram e quantos, vindo de todos os recantos do País, fizeram as Gafanhas, à custa de suor e lágrimas. Mas também de alegrias, pela certeza de terem ajudado a dar vida a uma terra que fica no coração de quem um dia a conheceu.
Ainda quero deixar um pedido a todos: As contribuições dos meus leitores são indispensáveis.

Fernando Martins

Semana dos Seminários








Seminário de Santa Joana Princesa, uma jóia a preservar…

O Seminário de Santa Joana Princesa, em Aveiro, é uma jóia a preservar, para dar vida a projectos de formação, que enriqueçam quantos acreditam que nem só de pão vive o homem.
Estamos a viver, até domingo, a Semana dos Seminários, o que nos obriga a pensar um pouco na importância destes edifícios, onde há décadas a alegria esfuziante de muitos jovens, a reflexão e o estudo se tornavam imagens de marca. Desse ambiente e de quantos se envolveram nos projectos de formação dos Seminários nasceram os padres que hoje servem o povo de Deus, mas também muitos outros que, sentindo que a sua vocação não era o sacerdócio, partiram para a vida com hábitos de trabalho, cultura e valores humanos que são, sem dúvida, uma mais-valia para a sociedade.
Hoje, com projectos e formações muito diversos, mas também com menos jovens a aderirem à vocação da disponibilidade total para servir as comunidades católicas, os Seminários sentiram a premência de se reconverterem, sem, porém, abdicarem dos caminhos que levem a valorizar quantos desejam saber mais, para mais eficientemente contribuírem para a elevação moral, espiritual e cultural da sociedade. Por isso, se não há tantos jovens, eventualmente, a caminho do sacerdócio, há outros jovens, de todas as idades, à procura do saber. Em Aveiro, o ISCRA (Instituto Superior de Ciências Religiosas) assumiu a tarefa de dar mais vida ao Seminário de Santa Joana Princesa, proporcionando formação a clérigos e a leigos, da diocese e de outras regiões do País. Para além disso, os serviços diocesanos garantem ali a realização de várias acções abertas a todas as pessoas ou apenas aos seus membros, o que mostra, à evidência, que, afinal, o edifício do Seminário, com mais de meio século de existência, tem certezas de sobrevivência, na plenitude da razão de quem o sonhou.
Uma sugestão aqui fica, dirigida a todos: vale a pena passar por lá para apreciar o edifício, belo e típico exemplar da arquitectura dos anos 50 do século passado, mas também para sentirem e constatarem o palpitar de vida cultural e espiritual que enche claustro (há exposições permanentes e temporárias) e salas de aula.

Fernando Martins

Arte Nova


CASA MAJOR PESSOA VAI SER ABERTA AO PÚBLICO
Por notícia da Rádio Terra Nova, a Casa Major Pessoa vai ser aberta ao público, passando, em breve, a Museu da Arte Nova, em Aveiro. O empreiteiro, depois de ter concluído as obras de recuperação e restauro, já entregou as chaves à Câmara Municipal de Aveiro, pelo que num futuro próximo aquele edifício ficará à disposição dos aveirenses e dos turistas, sobretudo dos admiradores da arquitectura e da Arte Nova, em particular. Esta é, sem dúvida, uma boa notícia, ou não tivesse sido a Casa Major Pessoa, no Rossio, durante muitos anos, um triste exemplo do abandono e da degradação.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

AÇORES: Ilha de S. Jorge


FAJÃ DO OUVIDOR
Aqui está mais um postal que me chegou dos Açores, mais concretamente da ilha de S. Jorge. Fajã do Ouvidor fica em Velas e oferece, a quem por ali aparecer, vistas bonitas, que são um desafio a artistas, de várias áreas, para que as mostrem ao mundo... Por mim, limito-me a apresentar o que me vai chegando por empenho do meu leitor João Paulo, o que agradeço. Seria tão bom que outros leitores do meu blogue colaborassem... Mas esse dia há-de chegar, estou em crer.

Na Linha Da Utopia



“PORQUE NÃO TE CALAS!”

1. O original da frase é em espanhol. Este é mais um “refrão” que fica da diplomacia internacional destes dias. Na recente cimeira ibero-americana, diante da não respeitabilidade de regras civilizadas pelo presidente venezuelano, o verniz estalou; mas, ao mesmo tempo parece que tudo vai continuar na mesma, não se notando tanto qualquer mudança de atitude. Quem aplaude é o (pai Filed) presidente cubano que sente o legado garantido de uma linha de pensamento e acção para quem os males sociais são o discurso triunfante… E como em todos os sistemas e sociedades esses males (da pobreza e da desigualdade) infelizmente estão sempre garantidos, então parece mesmo que essa perpetuação de algumas figuras ditatoriais no poder persistem; é o que vamos assistindo no progressivo fechamento da Venezuela…
2. Hugo Chávez vai copiando Fidel Castro, tanto na longevidade do discurso que quebra todas as regras das sessões comuns (da vida em comunidade política), como na irreverência perturbadora da ordem da normalidade. Diante da má educação sempre espectacular para dar vida à Cimeira dando nas vistas gritando umas coisas, nesse momento, várias vezes o primeiro-ministro espanhol apelou ao respeito dos princípios do “diálogo”, todavia, esta uma palavra que se vai asfixiando no dicionário dos lados venezuelanos. No feio panorama, o rei de Espanha procura salvar a honra da pátria, em palavras na generalidade aprovadas pelo bom senso da análise mesmo internacional. Quanto ao resto e aos outros presentes, o “silêncio diplomático” e o salvar da pele pessoal da sua própria nação, continua a imagem da marca política, demonstrativa que estamos muito longe de uma Verdade democrática efectivamente conhecida e reconhecida…
3. Mas o mais importante no meio de tudo isto será mesmo o verbo “calar”, que nos desperta para as fundamentais condições do diálogo. Este exige momentos de silêncio e de palavra. O entrelaçar desordenado, e nada educado, do corte da palavra do outro deita a perder toda a democracia eleita que se representa. Para esses lados da Venezuela “eleição democrática” também parece conceito em perigo, e o espectáculo internacional de Chávez vai sendo reflexo do caminho prolongado no poder onde se pretende chegar. Pior ainda (e existe quem o absolva por tal razão), será dizer-se que só por Bush ser “mau” e por Chávez ser contra-americano, então está tudo bem. Para mal dos pecados, o rei de Espanha terá de ter razão (no conteúdo): o calar, o fazer silêncio, o ouvir, será de ser uma base mínima para o “jogo” político-democrático. A Venezuela de Chávez ainda terá esses mínimos?! Não chega minimamente iludir-se e dizer que os portugueses na Venezuela estão bem. Como se estivessem…!

Alexandre Cruz

domingo, 11 de novembro de 2007

ARES DO OUTONO


ORAÇÃO


O Outono é Primavera
Frutificada. E o sentimento
Do amor,
Cristalizando,
Tornou-se incandescente.
É o coração aceso
De Cristo,
O novo Sol.

Teixeira de Pascoaes


In “Últimos Versos”

CONVÍVIO NO STELLA MARIS




ENCONTROS LEVAM-NOS A OUTROS TEMPOS E LUGARES


Realizou-se ontem, no Stella Maris, o anunciado encontro de convívio, promovido pela direcção daquela instituição da Igreja Católica, vocacionada para o apoio, a vários níveis, aos homens do mar e da ria e suas famílias. Foram muitos os que aderiram a esta iniciativa, ou não houvesse, como mesa de fundo, um jantar à moda serrana, animado por belíssimos fados de Coimbra, interpretados por quatro gafanhões de gema, que há muito teimam, conseguindo, manter vivo o gosto pela canção coimbrã na região.
A organização sentou-me numa mesa, onde foi fácil cultivar amizades, à roda da sopa de castanhas e da vitela à serrana. Com vinhos também daquelas bandas, mais doces, fruta e castanhas assadas, que as vésperas do S. Martinho recomendavam. Digo que foi fácil cultivar amizades porque um casal, que ali me foi apresentado, era mesmo um casal caramulano, com gosto pela serra de tantos matizes e de tantas lendas e tradições. Não foi difícil, por isso, falar do Caramulo e lembrar passeios e vivências experimentados por mim, com o prazer que me vem de procurar uns ares bem diferentes dos ares marinhos que respiro desde o nascimento, aqui na Gafanha da Nazaré, terra que o mar e a ria beijam por todos os lados.
O Caramulinho, um golfinho magicamente feito pedra granítica, que certo dia fugiu do mar sem se saber como nem porquê (não teria o mar andado por ali?), os tempos dos muitos tuberculosos, também gafanhões, que procuraram cura nos sanatórios caramulanos, hoje todos desaparecidos, com um reconvertido em lar e outros em unidade hoteleira, as aldeias que insistem em existir em qualquer recanto serrano, as lendas de lutas entre cristãos e sarracenos, com a festa das cruzes a assinalar e a manter viva e expressiva uma certa união, as pessoas e os sabores e saberes de gente que ainda vai tendo todo o tempo do mundo para recordar, de tudo um pouco se falou neste jantar de convívio do Stella Maris.
Ainda houve espaço para trazer à memória Jaime de Magalhães Lima e o seu livro “Entre Pastores e nas Serras”, onde sobressaem as belezas do Caramulo, que o multifacetado escritor calcorreou pelo deleite do contacto com a serra e pessoas com quem se cruzou. Mas disso falarei noutro momento, já que é uma pena não ser conhecido este belo escrito intemporal do “franciscano eixense”, que foi, sem dúvida, um precursor do espírito ecológico entre nós. E no fim da azáfama da conversa, enquanto se comia e bebia, sem exageros que não estamos em tempos disso, vieram as canções coimbrãs, de melodias simples, de que todos gostam, e de poemas cheios de sabedoria, que outrora interiorizámos, ao ponto de todos as trautearmos com vozes nem sempre afinadas. Mas que importa essa desafinação, se afinados estavam os nossos propósitos de ajudar o Stella Maris, de âmbito diocesano e com sede na Gafanha da Nazaré, a unir pessoas, de todas as idades, para melhor servir os homens do mar e da ria e seus familiares, como sublinhou o presidente da direcção, o diácono Joaquim Simões?
Fernando Martins

Na Linha Da Utopia


E os Idosos (que seremos)?



1. Temos de conjugar na primeira pessoa do plural. A abordagem à realidade da pessoa idosa (em Portugal), para ser integral e mais capaz, terá de ser realizada numa envolvência afectiva em que ao falarmos da pessoa idosa falamos de “nós”, do presente ou das expectativas futuras. Tantas vezes, arrepia a “frieza” insensível com que se abordam estas questões relacionadas com a comummente designada “terceira idade”, numa visão prática e quantitativa das coisas como se de pessoas (de nós próprios, dos que falamos e dos que decidimos!) não se tratasse.
2. Há dias foi notícia que, em Portugal, em média, as autoridades competentes, encerram um Lar de Idosos por semana. Nessa mesma notícia (Diário de Notícias, 9 de Novembro), revela-nos o presidente do Instituto de Segurança Social, Edmundo Martinho, que “a esmagadora maioria são ilegais, sem qualquer tipo de alvará”. Solução encontrada: Lar fechado e distribuição dos utentes pelas instituições na área de proximidade, parecendo que tudo fica resolvido… Segundo aquele responsável, este ano o Instituto “já fechou cerca de cinquenta casas”.
3. Se esta é uma problemática emergente nas nossas sociedades (de longevidade) ditas de ocidentais que começa a ser acompanhada em termos de estudos (gerontologias e geriatrias), já a resposta social continua nos moldes antigos, assente numa boa vontade e numa confiança que nem sempre merece esses créditos. Ao abandono da pessoa idosa, uma triste ‘imagem de marca’ da pobreza da nossa sociedade, muitas vezes corresponde também um oportunismo negocial que não garante uma dignidade correspondente... Área muito sensível, mas em que mesmo situações de “esquecimentos” nessas casas também têm sido detectadas pelas entidades. Mas, seja dito, a sua decisão “encerradora” não acrescenta qualquer solução para as “vítimas” de todo este complexo mundo que é o acompanhamento da pessoa idosa.
4. Quantos idosos nos lares sem visitas de familiares há tantos anos (já foram feitas as partilhas!)?! E como outras sociedades (por exemplo, africanas e islâmicas) nos dão a lição de não tirar de casa aqueles que a construíram e que são os depositários da cultura e da tradição das histórias e dos valores que garantem a ponte com as novas gerações! E quanta gente (sem qualquer apoio significativo nesse trabalho heróico) dá a sua vida nessa generosidade incansável, dia e noite, nesse aconchego caloroso da companhia matando a solidão gerada por um sistema de sociedade por vezes tão competitivo quanto frio! E como são tão complicadas as “papeladas” das promessas de subsídios político-financeiros, papéis que fazem os irmãos idosos desistir dessa gota de água para o seu “oceano” dos medicamentos!...
5. Como vamos estamos habituados, “fechar” é fácil, e depois?! Não haverá mais tempo, apoio, formação, …para as transições de regimes?... Heróicas as instituições e as casas que nestas décadas são a “casa de família” dessa multidão silenciosa que nos deu a vida e que de outro modo mergulhariam, resignadamente, na solidão que mata!... Não (os) esqueçamos, nestes assuntos, estamos a falar de “nós” e do futuro social. Só semeando poderemos colher… Há qualquer coisa de injusto, perturbador e de inconsequente na nossa sociedade (de todos) a este respeito...

Alexandre Cruz

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS – 46



A VELHA DA CHANQUINHA

Caríssima/o:

Como todo o jovem que se prezava à época, fui convocado para a tropa – avancei para Mafra! Feito o COM, passei fugazmente por Tancos e fiquei sediado na Ota, de onde, a um mês da disponibilidade, me enviaram para S. Jacinto.
Mas ainda hoje – e saiba-se lá porquê?! - Mafra se sobrepõe e apaga a memória dos outros lugares.
Será que as lendas nos ajudam a compreensão?

1. A Velha da Chanquinha - « A criação da Tapada Real de Mafra deu origem a várias lendas, entre as quais se pode referir a história da Velha da Chanquinha.
Diz-nos esta lenda que havia uma velha que vivia no seio da Tapada, num local a que hoje se chama "Currais da Chanquinha".
O Rei, com o objectivo de a convencer a sair dali, ofereceu-lhe um barrete cheio de moedas de ouro. Por sua vez a velha, como gostava muito das suas terras, ter-lhe-á oferecido dois barretes cheios de moedas de ouro para de lá não sair.
Porém, ainda segundo a lenda, a velha lá foi obrigada a abandonar aquele local, tendo ido viver fora da Tapada para uma povoação que, devido à sua teimosia, ainda hoje é chamada A-da-Perra (Lugar da Teimosa). » (de uma publicação da Câmara Municipal de Mafra)
2 . Ratos e túneis gigantes - Muitas são as lendas em torno do Palácio de Mafra mais ou menos aterradoras. A da existência de enormes ratazanas nos subterrâneos é a mais popular, e aquela que mais se confunde com a realidade. Quando se fala no Palácio, logo há quem conte histórias tenebrosas com ratos à mistura, como a dos dois soldados que teriam sido devorados pelos roedores quando tentavam exterminá-los - não teria sobrado nada, nem mesmo o metal dos lança-chamas que empunhavam. Ou como a do pessoal da Escola Prática de Infantaria que alimentava os ratos com cadáveres de gatos e cães, e até com o de uma vaca pendurada por cordas, a qual teria ficado reduzida a esqueleto em escassos minutos. Para descanso de uns e, quiçá, desencanto de outros, os subterrâneos do Palácio de Mafra foram explorados à exaustão e não deram mostras de serem habitados por ratazanas fora do normal. Um ou outro ratinho, mas não mais do que seria de esperar numa zona de esgotos.A existência de um túnel que, supostamente, ligaria o Convento de Mafra à Ericeira e por onde teria escapado o Rei D. Manuel II rumo ao exílio a 5 de Outubro de 1910, pertence também ao domínio do imaginário. De facto o túnel existe, mas não passa da Vila de Mafra, tendo sido construído para escoar os esgotos do Palácio.»

[In Blog da Sabedoria]

Lendas magníficas sairiam do bornal do Ângelo e de outros Amigos que em paragens mais longínquas militaram. Venham elas!

Manuel

TODOS SOMOS CO-RESPONSÁVEIS PELO CRESCIMENTO DA IGREJA



Pediu Bento XVI aos bispos portugueses

É preciso mudar o estilo de organização e a mentalidade dos membros da Igreja Portuguesa


“É preciso mudar o estilo de organização da comunidade eclesial portuguesa e a mentalidade dos seus membros para se ter uma Igreja ao ritmo do Concílio Vaticano II, na qual esteja bem estabelecida a função do clero e do laicado, tendo em conta que todos somos um, desde quando fomos baptizados e integrados na família dos filhos de Deus, e todos somos co-responsáveis pelo crescimento da Igreja” – pediu esta manhã (10 de Novembro) Bento XVI aos bispos portugueses.

Leia mais na Ecclesia

sábado, 10 de novembro de 2007

QUASE LHES PERDOO OS 80 MILHÕES



Não sei o que se passou exactamente em Fátima em 1917. Sei que os "videntes" não viram Nossa Senhora no sentido do nosso ver terreno, como quando vemos as plantas ou o céu ou as pessoas.
Embora se possa ser católico e não acreditar em Fátima - pude constatar que teólogos estrangeiros eminentes, de visita a Portugal, não manifestaram interesse em ir lá -, não me custa aceitar que tenha havido aí uma experiência religiosa, mas, evidentemente, no horizonte de compreensão próprio de crianças e no quadro de esquemas de uma religiosidade popular. Assim se explica, por exemplo, que Nossa Senhora tenha "mostrado" os horrores do inferno aos pastorinhos, o que não é uma atitude particularmente maternal, quando se pensa em crianças de 10, 9 e 7 anos. Aí está um exemplo de religião sacrificial e dolorista, como se transmitia nas pregações da altura. Isto significa que o Evangelho é que deve ser a medida crítica de Fátima e não o contrário.
Seja como for, Fátima impôs-se, e de modo impressionante, a nível nacional e internacional. Ali se congregam multidões de milhões de pessoas. A quase totalidade dos portugueses já passou por lá, e as peregrinações são diárias. Há pouco tempo, um jornalista atirou-me, provocatoriamente: "Nossa Senhora de Fátima é a maior mulher de Portugal, a mais influente." Eu diria que sim, sendo depois preciso analisar essa influência.
Em princípio, é uma influência positiva. Há excessivo sofrimento no mundo: físico, material, moral, psíquico, espiritual... E Fátima, como diz frei Bento Domingues, é o cais de todas as lágrimas dos portugueses. Ali vão buscar alguma paz, alívio, conforto, conselho, esperança. Ali desabafam as suas mágoas. Quem melhor do que "a Mãe" poderá entender o que se passa no coração dos homens e das mulheres? E aí está a razão por que, pelo menos em parte, Fátima passa ao lado do "controlo" da hierarquia. As pessoas vão lá numa relação muito íntima, pessoal e única, com Nossa Senhora e com Deus. E ninguém tem nada com isso. Ainda estou a ver na televisão: quando o cardeal Sodano começou a "revelar" o "terceiro segredo de Fátima", os peregrinos continuaram, serenos, nas suas devoções e nos seus diálogos com "a outra dimensão".Inaugurou-se no dia 13 de Outubro a igreja da Santíssima Trindade. Fui confrontado com a pergunta do escândalo: Como é possível gastar ali 70 milhões de euros (80, com os acessos)? Não há tantos pobres? (É realmente uma vergonha nacional haver dois milhões de pobres - desses, 700 mil têm de (sobre)viver com seis euros por dia).
Costumo responder que se deveria ser mais contido nos gastos. Como diz Carlos Fiolhais, os portugueses gostam de conjugar o verbo derrapar, e até em Fátima houve derrapagem de 40 para 70-80 milhões de euros.
Mas também não tenho uma visão miserabilista da existência. O Homem não vive só de pão. Depois, quem pagou são os peregrinos, que têm direito a algum conforto. Que dizer do desperdício do excesso de estádios de futebol vazios?
Acima de tudo, foram convocados artistas de renome, nacionais e estrangeiros, e o que resultou é simplesmente belo. Agora, Fátima é um conjunto harmonioso no seu todo, que alguém já comparou a um barco. Ah!, aquele Cristo crucificado no interior da igreja, meio selvagem, fixando, de olhos abertos, cada um: ele é a mensagem de convocação para a Vida e a Liberdade; aquela Virgem, finalmente uma jovem rapariga airosa, de braços abertos acolhedores; aquele grande painel do presbitério, símbolo da Jerusalém Celeste: a esperança da Humanidade com Deus e a sua glória!
Jesus foi confrontado com o luxo de uma libra de perfume de nardo puro - o seu preço correspondia a um ano de salário - que uma mulher lhe derramou sobre a cabeça. Os discípulos ficaram indignados: "Para quê este desperdício? Podia vender-se por bom preço e dar-se o dinheiro aos pobres." Jesus respondeu que não faltariam oportunidades a quem lhes quisesse fazer bem.
A religião sem a beleza é inverdadeira. Sem o gratuito - a graça -, é uma desgraça.

sexta-feira, 9 de novembro de 2007

POR CADA SEMANA É ENCERRADO UM LAR DE IDOSOS

Presidente de IPSS escuta utente de lar (foto do meu arquivo)

As notícias de hoje dão conta de que por cada semana encerra um Lar de Idosos. Inexistência de alvará e falta de condições para ser desenvolvido um trabalho competente e digno do respeito de que precisam os utentes estarão na base das decisões dos departamentos do Estado que superintendem nestas questões.
Paralelamente a estas situações, há registo de maus-tratos e de explorações em alguns lares, onde se esperava que houvesse um ambiente acolhedor, marcado pela bondade, pela compreensão, pela atenção sem limites, pela disponibilidade caritativa. O idoso, que tanto deu, normalmente, à sociedade, em geral, e à família, em particular, precisa de carinho e de cuidados especiais e próprios de quem se sente retirado do seu “cantinho”. Não está numa pensão qualquer, muito menos num armazém de velhos que esperam simplesmente pela morte. Pode ter sido abandonado pela família e pelos amigos, o que acontece frequentemente, mas não pode nem deve ser esquecido pela sociedade. Aqui, portanto, o Estado tem a obrigação de estar atento a casos muito tristes de exploração a tantos níveis de que sofrem alguns idosos.
Já visitei, em trabalho jornalístico e de dirigente da solidariedade social, muitos Lares de Idosos. Uns que são autênticos modelos de bem tratar os utentes, mas outros que não passam de caixotes do lixo, para onde atiraram os idosos, quais trapos velhos que urge arrumar num canto, para que ninguém mais os veja. Para que sejam pura e simplesmente esquecidos. Para que se tornem mortos vivos, com os olhares perdidos em horizontes sem luz… e sem vida digna. Por isso, o meu aplauso para quem trata os idosos como pessoas, mas também para os serviços que estão atentos a quem não respeita os utentes dos Lares.
Fernando Martins

INCÓMODOS DA ESCOLA PELOS RESULTADOS CONHECIDOS


Os problemas da educação e da escola, ao lado dos da saúde, são entre nós os mais preocupantes para as pessoas. Não são os únicos, mas certamente os que mais doem.
Com dados do Ministério publicaram-se, a nível nacional e por escolas, resultados do secundário e de português e matemática do 3º ciclo, do ano escolar 2006/2007. Há sempre quem critique esta publicação e quem elogie a coragem de se fazer. Leituras diversas e carregadas de conceitos e preconceitos, consoante de onde o vento sopra.
Um dado que se vem afirmando em cada ano, e no ano que terminou foi ainda mais eloquente, refere-se aos resultados das escolas privadas, em confronto com os das escolas estatais. Tal confronto não agrada aos que, de há muito tempo, vêm denegrindo o ensino particular, e ponho neste campo alguns responsáveis dos sindicatos de professores. Nem agrada àqueles que vão asfixiando estas escolas, cortando turmas, regateando acordos, demorando pagamentos, multiplicando inspecções, calando legítimas opções dos pais, exigindo coisas, em relação às quais fazem vista grossa quando se trata das escolas do Estado. Esta atitude é a do Ministério e dos seus executivos, desde as direcções regionais às distritais, incluindo ainda alguns zelosos responsáveis locais, vizinhos do lado de uma escola com êxito e criatividade, mas que escapa à sua jurisdição. Tudo sugere alguma reflexão com dados que escapam a muita gente, não esquecendo que é complexa a grelha de leitura dos resultados finais.
O ensino privado responde aos requisitos legais e não é um favor do Estado. É um direito constitucional e, por isso mesmo, democrático e merecedor de respeito e apreço. Constitui um serviço público e, pelo que se vê, no seu conjunto com algum êxito e reconhecida qualidade. Não se pode considerar meramente supletivo do Estado, como alguns teimam em o afirmar. Um serviço diversificado, que vai de escolas reputadas dos meios urbanos com contratos simples, e longas listas de pedidos de inscrição, até às escolas de dimensão média, disseminadas pelo país, muitas delas com contratos de associação, dispensando aos seus alunos, a par das do Estado, ensino gratuito.
A rede pré escolar, com muitas escolas privadas e atendendo à dupla dimensão escolar e social, por isso mesmo com prolongamentos normais de horário, exigência à qual o Estado acabou por ter de se vergar, foi durante anos rede quase única ao encontro dos pais. Sofre agora um tipo de depreciação, que vai até à dispensa dos seus serviços, em troca de medidas pouco realistas e pressões ideológicas e profissionais, a que o governo se tem vindo a submeter e a que procura dar soluções de gabinete.
No furor da revolução militar assaltaram-se escolas privadas de vilas e aldeias que, por esse país fora, levaram durante décadas o ensino para além do elementar ao povo e permitiram a muita gente humilde ter acesso à universidade e a empregos qualificados. Depois criaram-se escolas estatais, inviabilizando as já existentes. O país empobreceu-se com esta duplicação dispensável e injusta, que o colectivismo estatal exigia e a Constituição socialista procurou consagrar. No fundo, um ataque claro à Igreja, por parte daqueles que se incomodavam pelo seu serviço aos mais pobres.
Fez-se crer que as escolas particulares eram elitistas e para os ricos. O atrevimento da ignorância e da má fé! Se havia e felizmente ainda há escolas mais qualificadas, será que isso é ou foi alguma vez um prejuízo para o país? O Estado tem como dever garantir a todos educação e ensino qualificados. Que o faça quem melhor o pode fazer, sem que os pais, que pagam os seus impostos, sejam onerados pela escolha da escola. Por essa Europa muitos já perceberam que o Estado, se não pode descuidar a educação, não tem que ser ele, necessariamente, o educador de crianças e jovens. Educar é missão de quem melhor a sabe e pode realizar. É a isso que os alunos têm direito.
Dignificar os professores porque indispensáveis, embora a escola não exista por causa deles; inovar, porque sem criatividade nada se qualifica; dar à escola autonomia administrativa e pedagógica, porque só assim se pode educar e melhorar o ensino. Há que respeitar quem trabalha e tem resultados. O país precisa de quem o dignifique e enriqueça.
António Marcelino

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

ARES DO OUTONO


Cada arbusto, por mais simples e modesto que seja (se é que há arbustos simples e modestos), é um mundo de cores variadas e de formas incrivelmente belas. Como este arbusto do meu quintal, visto em dia claro, como foi o de hoje. Vejam a variedade de tonalidades, de formas, de espaços esparsos por onde se escoa a luz, como que à procura de gente.

Na Linha Da Utopia



FERNANDO VALENTE, A HOMENAGEM


1. É com emoção que estas palavras são escritas. Afinal, a todas as expressões de arte pertence a emoção sensibilizante, essa que nos transporta para uma nova dimensão de recriar o tempo e reinventar as possibilidades da história. Já passaram dez anos, parece que a notícia chocante aconteceu “ontem”. A história da música portuguesa recente regista e assiná-la o nome de Fernando Valente. Uma valentia surpreendente e irreverente inscrita naqueles que habitam o génio, este que, vivendo da superação contínua, não tem quaisquer fronteiras nem barreiras, antes anseia ardentemente por todo o futuro…
2. Aveiro presta homenagem a uma vida que começou em Canelas (Concelho de Estarreja), terra de músicos centenários que respira o ritmo da Banda Bingre Canelense, colectividade fundada em 1865 (com 141 anos de actividade ininterrupta, sendo a associação mais antiga do concelho). O génio nasce (sempre) simples, vivendo e vendo a sua terra, observando as suas gentes e daí retirando o horizonte da aprendizagem, agarrando a decisão de avançar e escalar a paixão musical, trazendo para a ribalta um instrumento pouco animado em Portugal, o Saxofone. Aveiro acolheu o aluno, o músico, o compositor, o docente nos Conservatórios de Música, de Aveiro e de Águeda.
3. Há 20 anos, na linda terra de Canelas, não esquecemos (pessoalmente) a alegria do Compasso Pascal, que ao chegar a casa do Fernando Valente (quando ele tinha possibilidade de estar) a música do seu saxofone genial transparecia esse espírito pascal festivo! Essa sua energia e alegria contagiantes marcaram os dias e os serões de Aveiro. Os bares da cidade, “hoje”, acolhem e celebram a vida daquele que não deixou que a arte cristalizasse na sala de aulas ou no auditório musical elitista. Uma certa “boémia cultural” une-se a uma visão da cultura popular, para todos, não só para alguns, ideal este tão necessário também para a vida das “gentes” contemporâneas e que se encontra bem espelhado na obra de George Steiner (A Ideia de Europa, Gradiva 2005), quando ele diz que “nos cafés e nas avenidas”, aí está inscrita a ideia cultural da Europa das pessoas concretas.
4. Fernando Valente, como que à descoberta, assumiu ser precursor na área musical dos instrumentos de sopro, a coragem de “sair” (para aprender mais), correndo os ares musicais da Bélgica, Espanha, França e Holanda (Amesterdão), cidade que ficará agarrada eternamente ao seu nome no famoso Quarteto de Saxofones de Amesterdão, e que o conduzirá à criação do Quarteto de Saxofones de Aveiro (em 1993). O homem português do Jazz, José Duarte (hoje na Universidade de Aveiro), disse sobre o seu amigo que “morreu fora de mão, em transgressão, como viveu”. José Duarte fala do contra-a-corrente na promoção da cultura musical que foi Fernando Valente, num país onde ela continua tão longe de pertencer à formação dos portugueses. Que outra forma melhor para aprender matemática que pela música?!...
5. Uma região que aprecia e celebra os seus artistas reconhece a sua identidade e cresce na universalidade da cultura e na promoção dos valores fundamentais. É esse o sinal louvável levantado pela Oficina de Música de Aveiro (por ele criada a 1997) e pelo Teatro Aveirense, contando com a parceria apreciável de entidades e colectividades que de norte a sul (e também a Amesterdão) se associam. Será de 9 a 17 de Novembro, com sede no Teatro Aveirense. Participar é engrandecer a música e Aveiro. Com a sua irreverência criativa, e no “lugar” Absoluto da melodia divina, o Fernando está connosco!

Alexandre Cruz

DIAS POSITIVOS

Generosidade dos ricos Diz um princípio clássico da moral que “não basta fazer o bem; é preciso fazer o bem bem feito”. É bom lembrar este princípio, porque de vez em quando achamos que basta fazer o bem. (São Paulo dizia que pregava a propósito e a despropósito. Os tempos eram outros. Hoje, pregar a despropósito é capaz de servir mais para criar anticorpos do que para fazer o bem). Esta reflexão provocou-a uma notícia dos jornais. A Câmara do Porto ofereceu um camião de recolha de lixo à cidade da Beira, Moçambique, e esta recusou-o. E com toda a razão. Então não é que o camião tem 25 anos, precisa de muita manutenção e, ainda por cima, tem o volante à esquerda, quando em Moçambique as viaturas devem ter o volante à direita (conduz-se à inglesa)? Os moçambicanos podem ser pobres, mas não são tontos. Fez-me lembrar que em tempos a tropical Guiné-Bissau teve navios quebra-gelos, oferecidos pela União Soviética… Só lhe faltava o Pólo Norte. Navios já tinha. Como escrevia um jornal moçambicano por estes dias, alguns países da Europa parece que querem transformar a África num depósito do lixo. Esta reflexão de outras geografias pode ajudar-nos a olhar para a nossa realidade. Quando a Diocese de Aveiro dedica o seu plano pastoral aos mais pobres e muitos cristãos o assumem, não devemos esquecer que não basta ser generoso. Há uma dignidade absoluta do pobre. E é preciso saber ser generoso.
J.P.F.
In Correio do Vouga

Semana dos Seminários

DAR VIDA AO SEMINÁRIO

"Dar vida ao Seminário, implica e pressupõe a oração intensa de toda a Comunidade Diocesana, o afecto e a generosidade que as várias iniciativas pastorais e o ofertório da Semana dos Seminários sugerem, revelam e exprimem.
Na medida em que a comunidade do Seminário seja sinal vivo de Cristo que chama novos discípulos e deles faz apóstolos do Reino, o próprio Seminário ajudará as famílias, os grupos, os movimentos apostólicos, os serviços pastorais diocesanos e as Comunidades cristãs a serem, também eles, sinais de salvação para o mundo e lugar vocacional por excelência."


Nota Pastoral do Bispo de Aveiro

AÇORES: Ilha de S. Jorge

Uma sugestão de férias 



A tranquilidade quase perfeita, sob o ponto de vista físico e emocional, pode ser usufruída em Fajã do Ouvidor, na ilha de S. Jorge, Açores. Esta sugestão de férias não é, obviamente, para quem gosta de folias e de barulho, nem para quem gosta de regressar a casa mais cansado do que quando partiu para gozar um período de descanso, longe da azáfama do dia-a-dia. É para os que acreditam que a paz interior e a fuga temporária à rotina também são importante. Para barulho e canseiras temos o resto do ano.

Francisco Sarsfield Cabral no CUFC

Clicar na imagem para ver melhor



GLOBALIZAÇÃO, ECONOMIA E DESENVOLVIMENTO HUMANO
:
Francisco Sarsfield Cabral, director de Informação da Rádio Renascença e conhecido jornalista, especializado em assuntos económicos, vai estar no CUFC no dia 14 de Novembro, pelas 21 horas. Falará sobre o tema "Globalização, Economia e Desenvolvimento Humano", mas também estará disponível para responder às questões, postas pelos presentes, suscitadas pela sua intervenção.

Na Linha Da Utopia




AS (RE)VOLTAS DA REVOLUÇÃO RUSSA

1. Foi há 90 anos que ocorreu a chamada Revolução Russa. Após uma série de acontecimentos políticos nesse ano de 1917 que marcariam decisivamente o séc. XX, resultou a eliminação dos Czares e depois do derrube do Governo Provisório (Duma), e, por fim, a instauração do poder soviético bolchevique. Os objectivos estavam conseguidos: a criação da União Soviética (que duraria até 1991), pouco tempo depois do momento marcante que abre a “globalização” (com a “ponte” de João Paulo II) da abertura do Muro de Berlim (1989). Recuperando a história, a revolução Russa (1917) teve duas fases distintas: em Fevereiro (Março no calendário ocidental), o derrube da autocracia do (último) Czar Nicolau II (1894-1917); em Outubro (Novembro no Ocidente, a chamada Revolução Vermelha), o partido Bolchevique, liderado por Lenine (1870-1924) derruba o poder provisório e impõe o governo socialista soviético.
2. As motivações da referida revolução, como no fundo de todas as marcantes revoluções ao longo da história humana, terão sido a prévia concentração dos poderes. No chamado Império Russo, até 1917, reinava a monarquia absoluta dos Czares, poder sustentado pela nobreza rural que era dona da maioria das terras cultiváveis. Com a abertura (possível) dos czares Alexandre II (1858-1881, assassinado) e Alexandre III (1881-1894) à Europa Ocidental, a Rússia monárquica acolhe um desenvolvimento industrial que cedo viria a revelar as problemáticas da exploração no mundo trabalho. Eis o terreno favorável para a criação de novas correntes políticas ocidentais que chocavam com o velho absolutismo, surgindo neste contexto, sob inspiração de Marx (1718-1783), o Partido Operário Social-Democrata Russo. Este, na sua vertente bolchevique, viria a tomar o poder instaurando a União Soviética, e legando no séc. XX páginas de indigna história totalitária (a par de outras).
3. A história não pode ser apagada. Como esta da Rússia, em tantas revoluções, o absolutismo que se derruba é o poder absoluto que se levanta pela sua própria ideologia. Trágica limitação humana habitual da imposição das ideologias que apaga a liberdade de consciência... Ainda, mudam-se os tempos e os líderes vão mudando a “cor da pele”, tantas vezes, no seu oportunismo escancarado… Ou que dizer quando líderes da “cor” afirmam claramente que «hoje, só se pode ser comunista a partir de uma rejeição profunda do que foi a herança do comunismo na URSS, que foi um projecto conspurcado, uma tragédia» (Público, 7 Nov., 4.P2). Então, afinal?! Tantas vezes a história tem sido construída não por convicção mas por reacção, uma história contraditória. E se o argumento da revolução russa foi «a injustiça social, as desigualdades na distribuição da riqueza e exploração dos homens pelos outros homens» (id), então esta mesma ideia tem alimentado tantas revoluções, mas em que esses vitoriosos e defensores da causa acabam por viver o contrário da doutrina, impedindo a verdadeira justiça e igual dignidade.
4. Uma distância entre o discurso da “ideia” e a realidade prática enferma uma evolução saudável e positiva, e tem feito das “revoluções” um cavalo de batalha mais elitista que de serviço ao bem social de todos. Que novas revoluções estarão em gérmen? E quando os cidadãos se aperceberem a sério do seu poder? E como os antigos donos da revolução vão travando a nova? Que história (humana?) esta!


Alexandre Cruz

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Diálogo inter-religioso

Para quando a convivência fraterna
entre cristãos e muçulmanos? O Papa Bento XVI recebeu no Vaticano o rei Abdullah da Arábia Saudita. Em ambiente cordial, discutiram a situação das minorias cristãs nos países islâmicos, onde não são livres de viver a sua fé e de ver respeitados os seus direitos de cidadania. No entanto, nos países ocidentais, os muçulmanos são respeitados e até ajudados a cumprir os seus preceitos religiosos. É certo que se trata de culturas diferentes, mas, mesmo assim, não gostamos de saber que na Arábia Saudita, por exemplo, reina uma ditadura islâmica, capaz de menosprezar e até de perseguir os cristãos. Por isso, espera-se que o Papa consiga sensibilizar o rei Abdullah para a urgência de pugnar pela implementação de democracias tipo ocidental nos países árabes, onde as mulheres passem a ser tratadas como seres humanos com direitos iguais aos homens. Mas também que todos os árabes possam, se e quando quiserem, aderir livremente às religiões cristãs ou outras, sem sofrerem qualquer perseguição por isso. Em Setembro, 138 teólogos muçulmanos, de quase todos os países e correntes, enviaram uma nova carta ao Papa em que aproximam as concepções teológicas e os valores das duas religiões, numa clara atitude de convite ao diálogo inter-religioso, que tarda neste mundo que prega o pluralismo em várias vertentes. E num dos pontos mais significativos dessa carta chegam mesmo a propor a vivência de uma “competição” pelo amor ao próximo, quando frisam que “cristãos e muçulmanos constituem mais de 55 por cento da população mundial, o que faz com que a relação entre estas duas comunidades religiosas seja o mais importante factor para uma paz significativa no mundo”.
FM

PORTO DE AVEIRO: Documento histórico


in “MEMÓRIA DESCRITIVA ou notícia circunstanciada do plano e processo dos efectivos trabalhos hidráulicos empregados na abertura da Barra de Aveiro segundo as ordens de S. A. R. o Príncipe Regente Nosso Senhor”.
:
Publicado pelo PORTO DE AVEIRO

REVISTA À PORTUGUESA



Ontem, no Parlamento, esteve em discussão o Orçamento de Estado, com os resultados previstos de uma vitória que conta, natural e exclusivamente, com os votos do PS, partido que sustenta o Governo. Da análise do Orçamento, os portugueses pouco ficaram a saber, porque os deputados se limitaram a dar um espectáculo bem ao jeito da Revista à Portuguesa, que criou escola lá para as bandas de Lisboa.
Como nas revistas do Parque Mayer, onde não falta nunca um quadro especial, protagonizado, como sempre, pelos actores mais cotados, normalmente cómicos, também ontem isso aconteceu. Na Assembleia da República, marcaram presença todos os tradicionais ingredientes revisteiros, a que os nossos parlamentares já nos habituaram há muito. Desta feita, Sócrates e Santana Lopes, os tais actores principais da Revista, brindaram-nos com frases bem medidas e oportunas, mas que nada tinham a ver com o Orçamento. Tinham a ver, isso sim, com o apelo às palmas acaloradas e aos risos cúmplices, de ambos os lados da contenda, para desopilar o fígado… As televisões estavam à espera para mostrar tudo, até porque o espectáculo revisteiro tinha sido bem preparado e bastante divulgado, para ninguém perder pitada. Do que interessava aos portugueses e do seu futuro, nicles!
Fernando Martins

ARES DO OUTONO


CANÇÃO DE OUTONO


No jardim deserto,
Já Novembro perto,
Desfolhei as rosas últimas a dar.
Jóias maltratadas,
Rosas desfolhadas!
Só o seu perfume vai ficar no ar.

Recolhi os versos
– Breves universos –
Que atirara ao vento para os espalhar,
Queimei-os, rasguei-os.
Secaram-me os seios…
Só rimas e ritmos vão ficar no ar.

Saudades, lembranças
De vãs esperanças,
Fiz covais no peito para as enterrar.
Nada mais me importa.
Fechem essa porta!
Só um pó doirado vai ficar no ar.

José Régio
In “Música Ligeira”

Na Linha Da Utopia



É SÓ VIR NA TV!

1. Os instrumentos de comunicação vão ocupando o lugar referencial central. São admiráveis, mas desafiam fortemente o utilizador… que vai valorizando mais o parecer - aparecer (por isso o ter), e perdendo o SER, a essência, o essencial da própria vida. Nada de novo a que já não estejamos de tal forma habituados que já nem damos por isso. Mais que nunca, hoje, a TV põe e dispõe, constrói e destrói. Das estrelas e vedetas do mundo do espectáculo e desporto, às políticas e (des)culturas, a tudo e em tudo a televisão - hoje on-line – quer garantir uma plateia mundial em que, mesmo no meio da informalidade dos entretenimentos, procura uma formalidade que, de tanto repetir nas imagens, passa a ser mesmo “verdade”, mesmo que não o seja. A frase que tantas vezes se diz de que “veio na televisão” é o espelho cabal deste estatuto de uma ilusão infalível. Puro engano!
2. Há dias, quando da edição de duas publicações de figuras bem conhecidas da praça pública (Miguel Sousa Tavares e José Rodrigues dos Santos), alguém da área questionava para quê tanta divulgação publicitária de pessoas que já têm um palco habitual o que levaria a prescindir de tanto markting. Nessa conversa radiofónica, então, começou-se a explicar todo este gigantesco processo de bastidores que depois quer resultar na “obrigação” de o cidadão comprar o produto. E este efeito de impressão no espectador é tanto mais poderoso quanto menos visão crítica uma comunidade social tiver. Ir sempre atrás da última moda, tantas vezes (veja-se em Portugal o megacaso do telemóvel - no mundo somos dos maiores!..) será sinal de que algo de estruturante no plano cultural nos continua a faltar. Para já não dizer quando falta o dinheiro!...
3. Se ao poder da mágica TV pertence já o historial da investigação (mesmo) criminal no nosso país, lembre-se que a “ponta” de alguns novelos (como por exemplo o da Casa Pia) têm nascido das comunicações sociais, a verdade é que uma nova força denunciadora e poderosa se vai consolidando. O caso de situações de campanhas positivas ou de casos grotescos de indignidade, de saúde, mesmo a denúncia de ineficácia e incúria de instituições (públicas ou privadas) torna a televisão um meio poderoso e de delicada atenção. Em situações especialmente gritantes (como a recente da professora, em termos de saúde, claramente incapaz de leccionar) os cidadãos descobriram na TV um aliado especial que também “precisa” dessas notícias… As autoridades responsáveis da devida tutela ganham visibilidade pela negativa, e claro, como há que rapidamente acalmar as águas, a situação tem solução rápida. Do mal, o menos! Mas…nas sociedades ditas de desenvolvidas não é uma questão de TV mas de humanidade diária…

Alexandre Cruz

terça-feira, 6 de novembro de 2007

O VULCÃO DOS CAPELINHOS

António Rego
    Foi difícil o nascimento da última ilha de Portugal. Durante mais de um ano o vulcão expelia lamas, fogo e cinzas, a terra tremia, os homens fugiam. E foi nascendo uma pequena ilha. Do medo, fez-se espectáculo, dos rolos de nuvens negras mistério, das areias em permanente tempestade se antecipou a paisagem lunar.
    Passados cinquenta anos sobre este fenómeno que abalou a ilha do Faial nos Açores e surpreendeu geólogos e turistas, restam as dúvidas sobre o significado dum cataclismo, as formas estranhas como a terra evolui, as perguntas que geralmente se fazem a Deus sobre a criação, a harmonia, a evolução inteligente da natureza e dos seres.
    Cada qual responde com as razões que tem à mão. Muitas delas nada têm de científico. Muitas recusam enquadrar um fenómeno deste género no projecto inteligente de Deus. Ciência, razão e fé, entrecruzam-se nas explicações, ora unindo-se ora digladiando-se. Só a meio da escalada se percebe que não é o amontoado de razões que nos aquieta a alma, mas a razão profunda do nosso ser e a lógica cerrada da nossa fé firmemente ancorada na sabedoria silenciosa de Deus.
    No terramoto de Lisboa, Voltaire, como muitos, irritou-se e com Deus. Rousseau, homem insuspeito nestas matérias, lembrou-lhe que não tinha nada que se revoltar contra Deus. Se Lisboa, disse, fosse um conjunto de casinhas bem distribuídas, sem roubar lugar a rios e riachos, com o Tejo respeitado por inteiro, nada de grave teria ocorrido em 1755.
    Mas nem filósofos nem geólogos explicam os grandes cataclismos do Norte ou do Sul, as mortes de inocentes, o desaparecimento e destruição de cidades inteiras. Nem sequer os Gulagues, Auschewittz, ou Jardins de S. Cruz. A história, desde os tempos da Arca de Noé, Caim e Abel, está recheada de acontecimentos que só um olhar do alto, de fora do tempo e do espaço imediato pode projectar luz sem ser absurdo. Chamemos simplesmente Fé à chave de todo este imbróglio. Chamemos Deus ao ser de suma sabedoria que, face ao nosso desenquadramento do conjunto, nos tolera perguntas a mais, isto é, sorri das nossas arrogantes questões, os nossos olhos baços, presos ao quadrado sectário, sem altura nem horizonte.
    Desprezo pela razão? Pelo contrário, respeito por ela que tem direito a não ser iludida por dimensões parcelares e viciadas que são sempre as nossas. Humilhação para a ciência? Pelo contrário, glória a ela que se sente entrelaçada por fios mais que visíveis.
    O povo tem razão. No meio do vulcão das incertezas volta-se para a grande certeza de Deus que vê donde nós não vemos, projecta com sabedoria inalcançável e nos tranquiliza o coração como mais ninguém sabe fazer. Por isso, nos despojos da dor o crente sabe onde pode encontrar refúgio e em que ombro pode chorar de súplica e agradecimento. Feliz quem possui o dom da fé sempre escorado na faculdade superior da razão.

António Rego

PRAXIS - Homenagem a D. António Marcelino



A PRAXIS, revista científica do ISCRA (Instituto Superior de Ciências Religiosas de Aveiro), acaba de sair com um número duplo, todo ele dedicado a D. António Marcelino, Bispo Emérito de Aveiro. Trata-se de uma homenagem oportuna, em jeito de reconhecimento pelo trabalho multifacetado que D. António desenvolveu entre nós, como Bispo Coadjutor e depois Residencial, durante um quarto de século. O que continuará a fazer, agora como Bispo Emérito, ficará para depois.
Esta edição da PRAXIS fará um pouco de história do que foi a acção notável desenvolvida por este cristão apaixonado pela sua missão, enquanto bispo e enquanto homem que nunca virou a cara aos desafios que a sociedade humana e as comunidades cristãs lhe suscitaram. Amigos, colegas do episcopado, sacerdotes, leigos e colaboradores testemunharam e reconheceram os méritos de um homem inquieto e determinado, participativo e voluntarioso, mas também o cristão de fé comprometida e o bispo apostado em alargar o Reino de Deus.
A directora da revista, Maria Armanda Saint-Maurice, lembra, em “… só duas palavras”, que “Os leitores encontrarão ao longo destas páginas referência a muitos aspectos privilegiados da acção eclesial de D. António Marcelino e muitos nomes que a sublinham, tanto de clérigos como de leigos, tanto de figuras nacionais como de figuras de destaque em Aveiro”.
Por sua vez, D. António Francisco dos Santos, actual Bispo de Aveiro, frisa que “Tudo e sempre na vida de D. António Marcelino teve a marca da profecia e a audácia da doação”, sendo visível que “As diversas missões e múltiplas responsabilidades a que a Igreja o chamou permitiram-lhe abrir novos caminhos nas mais variadas frentes do anúncio do Evangelho, da renovação da Igreja e do diálogo com o mundo”.
Algumas ilustrações e fotografias de D. António Marcelino, do tempo do seminário, do padre, do bispo e em família, com dados pessoais, valorizam esta edição da PRAXIS.

Fernando Martins

Gafanha do Carmo



PARÓQUIA EM FESTA

A Gafanha do Carmo celebra hoje, com uma missa solene, às 20.30 horas, e uma exposição, a criação da paróquia, o que aconteceu em 6 de Novembro de 1957. Completa, portanto, meio século de vida. A criação de freguesia teve lugar, porém, três anos depois, em 17 de Setembro de 1960.
No “site” da Escola Básica dos 2º e 3º Ciclos da Gafanha da Encarnação, pode ler-se: “A Gafanha do Carmo é um local aprazível e simpático para viver. As pessoas são acolhedoras, generosas e traduzem o espírito natural e bruto de uma aldeia em desenvolvimento mas que não consegue esquecer os traços do seu passado e as marcas rígidas e pouco instruídas dos seus antepassados históricos. Pode-se afirmar que quase metade da população desta Gafanha está emigrada, como reflexo das carências de trabalho e de vida social que outrora esta povoação sofreu.”

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Na Linha Da Utopia



UMA TOLERÂNCIA HUMANIZADA

1. Na noite de última terça (30 de Outubro) uma notícia abalou a Itália. A agressão mortal de um imigrante romeno contra uma mulher italiana, Giovanna Reggiani, tem feito correr muita tinta, tanto pelo cruel e condenável acto em si como pelos seus efeitos sociais. De urgência, o governo reuniu e fez aprovar um decreto-lei que permite a expulsão de estrangeiros dentro da União Europeia que cometam crimes considerados graves. Dessa forma, expulsa-se o criminoso e tudo ficará resolvido… (?). Resta saber se os crimes cometidos por cidadãos naturais de Itália merecem algo de semelhante… Ou será o crime em Itália exclusivamente cometido por imigrantes?!
2. Não haja dúvida que a medida do governo cai bem, é popular. Na busca de segurança, não se sabendo como, começa-se a olhar em volta e nada como afastar os que chegaram há pouco tempo, esses que (muitas vezes vítimas de governos ditatoriais de seus países) fazem os trabalhos pesados que as sociedades do luxo já não querem fazer… Satisfeito pela cómoda solução encontrada, desabafa o líder Romano Prodi: ”Fizemos o que devíamos fazer…”; só faltaria acrescentar: que vão para outro lado desde que não matem em Itália!...
3. A vítima de 47 anos tinha prestígio, era esposa de um capitão da marinha, facto que dá nas vistas, pois continua a haver uns mais iguais que outros. Quanto ao faminto jovem romeno Romulus Nicolae Moilat está preso (haverá alguma coisa do Rómulo, fundador de Roma, nisto?!... Significado do ponto a que chegaram as sociedades e a ineficiência humanizadora dos Estados europeus? Certamente que não!...). Em Itália, os ecos estendem-se e os sentimentos são de exclusão da comunidade romena. Na imprensa italiana e europeia, surgem perguntas sintomáticas como “a Europa acede a uma nova era de intolerância?” (The Independent).
4. As sociedades da razão cómoda estão a ser grandemente interpeladas por acontecimentos deste calibre. E se muitas vezes se pergunta sobre “o que fizemos” para que este ou aquele facto ocorresse, melhor seria que perguntássemos sobre “o que fazemos efectivamente” por uma justa distribuição dos bens. Quantas explorações dos europeus ao longo dos séculos têm sido a estratégica manutenção do subdesenvolvimento dos “outros”... Um novo realismo tolerante deverá caminhar a par das estratégias como busca de soluções globais; crime tanto o pode fazer o imigrante como o autóctone. À condenação veemente do horrendo crime, responder de forma intolerante agrava a ferida e multiplica a intolerância. Diante de problemática tão complexa importará ir às raízes e aí repensar a tolerância como factor de humanização da própria humanidade. A montante e a jusante; o futuro precisa, não há alternativa.


Alexandre Cruz

INSENSIBILIDADES

O CASO DA FUNCIONÁRIA QUE TEVE DE REGRESSAR AO TRABALHO SEM QUASE SE PODER MEXER Vi e li, na comunicação social, mais um caso de insensibilidade protagonizado por uma Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações. Uma funcionária autárquica foi obrigada a regressar ao trabalho, não obstante a sua real situação de incapacidade física. Quem assim decidiu vê mal, pelos vistos. Ou então, deduziu, inexplicavelmente, a meu ver, que a funcionária estaria a fingir que estava doente O ministro das Finanças mandou reapreciar o caso e disse, na televisão, que situações destas não podem repetir-se. Neste meu espaço de partilha já disse, mais do que uma vez, que o Estado é uma entidade sem alma e sem sentimentos. As pessoas têm-nos, disso ninguém duvida, mas na prática, face a leis cegas, também os julgadores ficam cegos, muitas vezes. É triste sentir que no dia-a-dia é tal como digo. Na Gafanha da Nazaré já tivemos uma situação dramática. A Manuela Estanqueiro, professora bem conhecida entre nós, foi vítima da insensibilidade de uma Junta Médica. Cancerosa em último grau, foi também obrigada a regressar ao trabalho. Morreu pouco tempo depois. Mas a denúncia da cegueira da Junta Médica foi divulgada pela comunicação social, o que gerou grande revolta entre quem a conhecia. Novos casos surgiram à custa da sua morte, o que levou o Governo a reformular a lei, cuja aplicação tarda. Será preciso que outros funcionários morram? Infelizmente, parece que sim. Somos o País que somos, com os legisladores que temos.

Grupo Etnográfico da Gafanha da Nazaré

JANTAR DE CONVÍVIO

O Grupo Etnográfico da Gafanha da Nazaré programou um jantar para convívio e angariação de fundos. Será no dia 17 de Novembro, pelas 20 horas, no restaurante Clássico, esperando-se a participação de muitos amigos deste grupo que tem por missão descobrir e mostrar as nossas tradições etnográficas. Penso que esta vai ser uma boa oportunidade para conviver à volta da mesa, ouvindo e cantando modas antigas. Inscrições junto dos membros do grupo.

domingo, 4 de novembro de 2007

CAPITAL DO PANTANAL




O Pantanal, região paradisíaca do Brasil, tem mesmo paisagens de sonho. E as suas gentes, segundo penso, devem ser pessoas puras, como puros são os horizontes que encantam os nossos olhos. Amigo radicado no Brasil teve a gentileza de me sugerir que apreciasse este recanto brasileiro. Já apreciei. Aqui fica a minha partilha.
:
Para ver mais, clique PANTANAL

Na Linha Da Utopia


O REGRESSO AOS VALORES

1. Têm crescido as notícias, de norte a sul, que nos mostram a insegurança em que vivemos. Das ruas públicas às escolas de todos, também esse “medo” vai registando casos de preocupante violência gratuita, a que poderemos juntar a marginalidade e como causas a desestruturação de muitas famílias, a ociosidade e a pouca esperança (espelhada nas médias de separações…) que paira mesmo sobre as novas famílias. Uma novíssima configuração social vai emergindo, mais ao sabor das pragmáticas urgências diárias que de um “plano” sonhado e idealizado que rasgue no horizonte uma sábia esperança que sabe aprofundar e amadurecer as convicções de VIDA em que se alicerçar.
2. Aos “vazios” que, mais dia, menos dia, sempre geram descompromissos e instabilidades nas sociedades, as respostas dos sistemas sociais estão aí. Estão a ser “hoje” multiplicadas as legislações em todos os quadrantes, dos estatutos e regulamentos às normativas legais decretadas; para alunos, professores, trabalhadores, condutores; na rua, na estrada, na praça, no hospital, na escola… Há dias veio da OCDE mais um daqueles relatórios europeus que nos deixa a pensar; a infeliz conclusão é que somos os mais desconfiados da Europa. Afinal, toda esta carga de legislação fiscalizante (que alternativa?) acaba por ser a confirmação dessa desconfiança. E como se mais legislação fosse sinal de mais estabilidade!
3. Se as respostas sociais são marcadamente no plano das consequências (do mal já feito ou do mal a evitar), eis que só poderá estar mesmo a chegar o tempo em que apostemos na iluminação POSITIVA de tudo, pois é na raiz da árvore que estará a garantia do bom fruto. Fale-se mais do regresso aos (e dos) Valores Humanos, das atitudes pessoais e comunitárias que nos realizam como pessoas e cidadãos; fale-se, pela positiva, dos deveres humanos como plataforma sustentável dos direitos; vença-se o “tanto faz” e perca-se o receio de proclamar os princípios e os valores fundamentais e estimulantes sobre os quais dar raiz e sentido à vida a ao bem comum; veja-se o compromisso, a responsabilidade, a ética, o “dever”, a pontualidade, o rigor…como elementos bons, gratificantes e óptimos para o SER e para rumarmos ao futuro melhor que sempre desejamos (mas pouco alimentamos).
4. Só os Valores Humanos, apreciados, apre(e)ndidos e acolhidos darão os frutos de uma sociedade mais segura, mais confiante e mais esperançosa, porque mais humana. Os valores serão essa aposta no “cavalo certo” da raiz; as leis e codificações, necessárias como regulação…, mal vai quando elas se tornam importantes demais. É sinal de que os valores da liberdade andam meio perdidos... Regressemos a essa fonte original dos valores, reconhecendo e promovendo o valor dos Valores. Valorizam-se as (necessárias) normativas legais… e a correspondente aposta (essencial) nos Valores? (Falamos dos Valores Humanos dignificantes, daqueles que vencem o subjectivismo, que em todo o tempo e lugar são o princípio e a sustentabilidade da vida, da sociedade, de tudo!)

Alexandre Cruz

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 45

Egas Moniz


A GRADE DE OURO E A FONTE

Caríssima/o:

Certamente que vais ler e não tens qualquer reacção; é normal, mais lenda menos lenda...
Então vamos à leitura que no final contextualizo esta introdução:

«Decerto que Avanca – rica em episódios protagonizados por mouras encantadas, bruxas e lobisomens – é a freguesia do concelho de Estarreja onde se notam mais as marcas das tradições lendárias. Mesmo assim é a pátria de um dos espíritos científicos mais destacados deste país, Egas Moniz, Prémio Nobel da Medicina em 1949.

sábado, 3 de novembro de 2007

DIA MUNDIAL DO HOMEM

O HOMEM É REI
DE QUASE TUDO
NA NOSSA SOCIEDADE


Não sei se sabem, mas hoje celebra-se o Dia Mundial do Homem, segundo reza a minha agenda. Confesso que não sabia de tal celebração. Mas se há dias para quase tudo e todos, nomeadamente, da Mulher, da Criança, da Mãe, do Pai, dos Avós, também fica bem celebrar o Dia do Homem. Não que ele precise, assim tanto, na nossa sociedade, que se fale dele, que do homem se fala sempre e a toda a hora, ou não fosse ele o rei de tanta coisa, na política, no desporto, nas religiões, nas empresas, etc... etc, mas porque haverá, e há de certeza, homens muito esquecidos e até menosprezados. Por isso, valerá a pena falar do homem.
Eu disse que na nossa sociedade o homem ainda é rei de quase tudo... tal como nas sociedades árabes. Mas noutras civilizações, noutras culturas, estou em crer que os homens precisam de quem deles se lembre, para que haja mais justiça, mais respeito pelos direitos do ser humano, onde o homem deve estar em pé de igualdade com a mulher, pese embora as diferenças a tantos níveis que os distinguem e os tornam complementares.
Aqui fica, então, recordado o Dia Mundial do Homem, numa perspectiva de todos lutarmos pela dignificação do homem e da mulher neste mundo pautado por tantas injustiças. Afinal, os dias celebrativos servem tão-só para isso, isto é, para que recordemos, no dia próprio, quem se pretende enaltecer.

FM

PORTAL DE ZAQUEU

A cena ocorre em Jericó, cidade relativamente rica e próxima de Jerusalém. Jesus com o seu grupo está de passagem. O comentário corre veloz, dando origem a um certo alvoroço popular. A curiosidade apodera-se dos habitantes. Querem ver o acontecimento. Também Zaqueu, homem rico e influente, se sente “tocado” e não resiste: corre para ganhar distância, sobe a uma árvore, observa a movimentação dos caminhantes e fixa-se, sobretudo, em Jesus de Nazaré. Há nele um impulso irresistível: A curiosidade faz-se expectativa e esta abre horizontes à esperança.
Jesus acompanha os movimentos de Zaqueu e capta os seus sentimentos. Por isso toma uma iniciativa ousada e faz-se seu convidado. Quer ficar em sua casa, ser seu hóspede, sentar-se à sua mesa, partilhar a sua intimidade, acolher as suas preocupações. E fá-lo com tal mestria que o diálogo provoca uma alteração completa na vida do chefe dos publicanos da cidade.
Zaqueu, dando largas à sua alegria, põe-se de pé e, com a maior das simplicidades, abre o coração e exclama: Vou redistribuir os meus bens. Aos pobres darei metade do que possuo e, a quem defraudei, restituirei quatro vezes mais. Jesus aprova decisão tão generosa e garante, com notável firmeza, que a salvação havia entrado em casa de Zaqueu.
A sobriedade deste episódio oferece-nos a riqueza do seu sentido, constituindo uma espécie de “portal” onde se visualiza uma compreensão integral do ser humano e das suas múltiplas relações. Dela resulta uma antropologia que dá consistência e abre horizontes às antropologias de todos os tempos, sobretudo actuais.
O ser humano é “habitado” por uma apetência divina e sente-se chamado a ir ao seu encontro, a buscá-la sem temer comentários nem reacções caricatas. Não lhe basta a satisfação efémera, ainda que necessária. Anseia sempre mais. A medida do seu coração é a da Infinito que, em Jesus de Nazaré, se revela em plenitude. É a Ele que se entrega em aliança de amor que, na terra, se celebra em gestos e sinais, e na eternidade se contempla e vive sem qualquer restrição.
A esta luz, como são redutoras as perspectivas de correntes culturais como o relativismo, o subjectivismo, o materialismo, o hedonismo.
Do encontro com Jesus, Zaqueu apreende uma nova dimensão da vida. Ele não se isola nem contemporiza com atitudes egoístas. Abre-se aos outros, considerados na sua dignidade. Revê comportamentos incorrectos. Não se fica pelo cumprimento da lei. Os outros são pessoas como ele. Reconhece os direitos do pobre e quer respeitá-los.
Este reconhecimento é fundamental para a segurança do nosso crescimento pessoal e para a humanidade da nossa convivência. Sem ele, somos sempre estranhos uns aos outros e tendemos para a inevitável desconsideração das capacidades alheias. O reconhecimento é a afirmação valorativa da nossa comum humanidade e da urgência de implementar atitudes pessoais, regras sociais e medidas legislativas adequadas.
O portal de Zaqueu faz convergir toda a narrativa para a função dos bens: o modo como são adquiridos, administrados e consumidos; a rede de distribuição e de comercialização; os preços e as margens de lucro; enfim, a economia “pura e dura”. Sem bens suficientes, não há possibilidades de atender às necessidades humanas fundamentais de todos e de cada um. Sem produção, não pode haver distribuição. Sem trabalho para todos, não é legítimo acumular empregos. A partilha, antes de ser uma forma de escoar as sobras, tem de proporcionar o acesso pelo emprego ao “banco do trabalho”, às actividades socialmente úteis, às iniciativas de que necessita todo o ser humano e o realiza, embora não sejam remuneradas. Esta visão evangélica, embora apenas esboçada, constitui uma autêntica novidade na área económica e pode contribuir imenso para humanizar as relações comerciais hegemónicas.
Visto do portal de Zaqueu, o nosso mundo pode ser mais humano com o reforço do Evangelho.

Georgino Rocha

O MISTÉRIO DA MORTE E O SEU DEPOIS

Neste domínio, há um pudor que nos habita. Peço, pois, a compreensão benevolente do leitor.
Quando os meus pais morreram, olhei - era o fim de um mundo! - e constatei que o que deles restava não eram eles e lembrei-me daquela pergunta lancinante que Tolstoi coloca na boca de Ivan Ilitch moribundo: onde é que eu estarei, quando cá já não estiver?
Sempre que passo pela terra que me viu nascer, faço uma visita ao cemitério e, ali, diante dos seus túmulos, ouço as palavras do anjo às mulheres diante do túmulo de Jesus : "Não está aqui!"
Diante da morte, fazemos a experiência do mistério pura e simplesmente. A morte é o absoluto, sem relação. O absoluto tem uma dupla face: a morte e Deus. Daí, tudo quanto dizemos sobre a morte e sobre Deus sentirmo-lo como nada que nos convoca para o silêncio, segundo o preceito de Wittgenstein: "Sobre aquilo de que se não pode falar deve-se calar."
Para onde vão os mortos? O que é morrer e o que é a morte? Depois, o quê?
Impressionou-me em extremo a declaração do teólogo J. I. González Faus sobre o pai, que lhe transmitiu a fé e que considera "uma grande personalidade": "Terminou a sua vida derrotado e duvidando de Deus como quase todos os humanos."
A morte e o seu depois constituem para nós uma tenaz: impensáveis que nos obrigam a pensar. Impensável que tudo acabe como impensável qualquer depois. Lá está Pascal: "Incompreensível que Deus exista, e incompreensível que não exista; que a alma seja com o corpo, que não tenhamos alma; que o mundo seja criado, que o não seja, etc."
O filósofo ateu E. Bloch é modelar nestas perplexidades. A mim perguntou-me ironicamente onde é que meteria tantos milhares de milhões de seres humanos, se houvesse ressurreição dos mortos. Um dia, em Viena, disse que, se houvesse ressurreição, as galinhas estoirariam a rir. Mas, na juventude, admitiu a reencarnação. Na maturidade, teorizou sobre "o núcleo do Humanum extraterritorial à morte".
Bloch casou com Else von Stritzky, uma cristã de Riga, e a relação que entre os dois cresceu foi a de um amor como há poucos. Ela morreu jovem, e o filósofo foi fixando no Diário a sua dor, aliviada pela esperança do reencontro "do Outro Lado" (Drüben), "no Além" (Jenseits).
O teólogo J. Moltmann contou-me que, poucos dias antes da morte, lhe perguntou como reagia a esse desafio, tendo ele respondido: "Estou curioso" - note-se, porém, a força da palavra alemã "neugierig", com o sentido de ansioso por novidades. Moltmann também escreveu que "na véspera de morrer, ao entardecer, ele escutou mais uma vez a sua música mais querida, a abertura de Fidelio, de Beethoven, com o sinal das trombetas para a libertação dos cativos no final". Essa passagem, que associava à Primeira Carta de São Paulo aos Tessalonicenses, 13, 16: "Quando for dado o sinal, à voz do arcanjo e ao som da trombeta de Deus, o mesmo Senhor descerá dos céus e os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro", sempre o comovera. É que, como escreveu, "em Beethoven, pré-anuncia-se a chegada de um Messias. Erguem-se desde as masmorras sons de liberdade e de recordação utópica. O grande momento chegou, a estrela da esperança cumprida no aqui e agora".
Depois da morte, é a eternidade: a eternidade do nada ou eternidade de Deus. Mas não se tratará da dupla face da mesma eternidade, como diriam, no limite, os místicos? Não será a pergunta - para onde foram os mortos?, onde estão os mortos? - que é mal formulada? Porque os mortos não foram nem estão: a pessoa dos mortos é.
Por mim, nos dias 1 e 2 de Novembro - os dias em que as nossas sociedades científico-técnicas, que fizeram da morte tabu, permitem a visita dos mortos -, coloco um CD com o Requiem Alemão de Brahms e outro com o Requiem de Mozart no leitor de CD, em homenagem aos meus pais, amigos e todos os mortos - poderão ser uns cem mil milhões. A música diz-nos o indizível: o que é existir simultaneamente no tempo e fora dele.
In Diário de Notícias de hoje

Etiquetas

A Alegria do Amor A. M. Pires Cabral Abbé Pierre Abel Resende Abraham Lincoln Abu Dhabi Acácio Catarino Adelino Aires Adérito Tomé Adília Lopes Adolfo Roque Adolfo Suárez Adriano Miranda Adriano Moreira Afonso Henrique Afonso Lopes Vieira Afonso Reis Cabral Afonso Rocha Agostinho da Silva Agustina Bessa-Luís Aida Martins Aida Viegas Aires do Nascimento Alan McFadyen Albert Camus Albert Einstein Albert Schweitzer Alberto Caeiro Alberto Martins Alberto Souto Albufeira Alçada Baptista Alcobaça Alda Casqueira Aldeia da Luz Aldeia Global Alentejo Alexander Bell Alexander Von Humboldt Alexandra Lucas Coelho Alexandre Cruz Alexandre Dumas Alexandre Herculano Alexandre Mello Alexandre Nascimento Alexandre O'Neill Alexandre O’Neill Alexandrina Cordeiro Alfred de Vigny Alfredo Ferreira da Silva Algarve Almada Negreiros Almeida Garrett Álvaro de Campos Álvaro Garrido Álvaro Guimarães Álvaro Teixeira Lopes Alves Barbosa Alves Redol Amadeu de Sousa Amadeu Souza Cardoso Amália Rodrigues Amarante Amaro Neves Amazónia Amélia Fernandes América Latina Amorosa Oliveira Ana Arneira Ana Dulce Ana Luísa Amaral Ana Maria Lopes Ana Paula Vitorino Ana Rita Ribau Ana Sullivan Ana Vicente Ana Vidovic Anabela Capucho André Vieira Andrea Riccardi Andrea Wulf Andreia Hall Andrés Torres Queiruga Ângelo Ribau Ângelo Valente Angola Angra de Heroísmo Angra do Heroísmo Aníbal Sarabando Bola Anselmo Borges Antero de Quental Anthony Bourdin Antoni Gaudí Antónia Rodrigues António Francisco António Marcelino António Moiteiro António Alçada Baptista António Aleixo António Amador António Araújo António Arnaut António Arroio António Augusto Afonso António Barreto António Campos Graça António Capão António Carneiro António Christo António Cirino António Colaço António Conceição António Correia d’Oliveira António Correia de Oliveira António Costa António Couto António Damásio António Feijó António Feio António Fernandes António Ferreira Gomes António Francisco António Francisco dos Santos António Franco Alexandre António Gandarinho António Gedeão António Guerreiro António Guterres António José Seguro António Lau António Lobo Antunes António Manuel Couto Viana António Marcelino António Marques da Silva António Marto António Marujo António Mega Ferreira António Moiteiro António Morais António Neves António Nobre António Pascoal António Pinho António Ramos Rosa António Rego António Rodrigues António Santos Antonio Tabucchi António Vieira António Vítor Carvalho António Vitorino Aquilino Ribeiro Arada Ares da Gafanha Ares da Primavera Ares de Festa Ares de Inverno Ares de Moçambique Ares de Outono Ares de Primavera Ares de verão ARES DO INVERNO ARES DO OUTONO Ares do Verão Arestal Arganil Argentina Argus Ariel Álvarez Aristides Sousa Mendes Aristóteles Armando Cravo Armando Ferraz Armando França Armando Grilo Armando Lourenço Martins Armando Regala Armando Tavares da Silva Arménio Pires Dias Arminda Ribau Arrais Ançã Artur Agostinho Artur Ferreira Sardo Artur Portela Ary dos Santos Ascêncio de Freitas Augusto Gil Augusto Lopes Augusto Santos Silva Augusto Semedo Austen Ivereigh Av. José Estêvão Avanca Aveiro B.B. King Babe Babel Baltasar Casqueira Bárbara Cartagena Bárbara Reis Barra Barra de Aveiro Barra de Mira Bartolomeu dos Mártires Basílio de Oliveira Beatriz Martins Beatriz R. Antunes Beijamim Mónica Beira-Mar Belinha Belmiro de Azevedo Belmiro Fernandes Pereira Belmonte Benjamin Franklin Bento Domingues Bento XVI Bernardo Domingues Bernardo Santareno Bertrand Bertrand Russell Bestida Betânia Betty Friedan Bin Laden Bismarck Boassas Boavista Boca da Barra Bocaccio Bocage Braga da Cruz Bragança-Miranda Bratislava Bruce Springsteen Bruto da Costa Bunheiro Bussaco Butão Cabral do Nascimento Camilo Castelo Branco Cândido Teles Cardeal Cardijn Cardoso Ferreira Carla Hilário de Almeida Quevedo Carlos Alberto Pereira Carlos Anastácio Carlos Azevedo Carlos Borrego Carlos Candal Carlos Coelho Carlos Daniel Carlos Drummond de Andrade Carlos Duarte Carlos Fiolhais Carlos Isabel Carlos João Correia Carlos Matos Carlos Mester Carlos Nascimento Carlos Nunes Carlos Paião Carlos Pinto Coelho Carlos Rocha Carlos Roeder Carlos Sarabando Bola Carlos Teixeira Carmelitas Carmelo de Aveiro Carreira da Neves Casimiro Madaíl Castelo da Gafanha Castelo de Pombal Castro de Carvalhelhos Catalunha Catitinha Cavaco Silva Caves Aliança Cecília Sacramento Celso Santos César Fernandes Cesário Verde Chaimite Charles de Gaulle Charles Dickens Charlie Hebdo Charlot Chave Chaves Claudete Albino Cláudia Ribau Conceição Serrão Confraria do Bacalhau Confraria dos Ovos Moles Confraria Gastronómica do Bacalhau Confúcio Congar Conímbriga Coreia do Norte Coreia do Sul Corvo Costa Nova Couto Esteves Cristianísmo Cristiano Ronaldo Cristina Lopes Cristo Cristo Negro Cristo Rei Cristo Ressuscitado D. Afonso Henriques D. António Couto D. António Francisco D. António Francisco dos Santos D. António Marcelino D. António Moiteiro D. Carlos Azevedo D. Carlos I D. Dinis D. Duarte D. Eurico Dias Nogueira D. Hélder Câmara D. João Evangelista D. José Policarpo D. Júlio Tavares Rebimbas D. Manuel Clemente D. Manuel de Almeida Trindade D. Manuel II D. Nuno D. Trump D.Nuno Álvares Pereira Dalai Lama Dalila Balekjian Daniel Faria Daniel Gonçalves Daniel Jonas Daniel Ortega Daniel Rodrigues Daniel Ruivo Daniel Serrão Daniela Leitão Darwin David Lopes Ramos David Marçal David Mourão-Ferreira David Quammen Del Bosque Delacroix Delmar Conde Demóstenes

Arquivo do blogue