sábado, 10 de novembro de 2007

QUASE LHES PERDOO OS 80 MILHÕES



Não sei o que se passou exactamente em Fátima em 1917. Sei que os "videntes" não viram Nossa Senhora no sentido do nosso ver terreno, como quando vemos as plantas ou o céu ou as pessoas.
Embora se possa ser católico e não acreditar em Fátima - pude constatar que teólogos estrangeiros eminentes, de visita a Portugal, não manifestaram interesse em ir lá -, não me custa aceitar que tenha havido aí uma experiência religiosa, mas, evidentemente, no horizonte de compreensão próprio de crianças e no quadro de esquemas de uma religiosidade popular. Assim se explica, por exemplo, que Nossa Senhora tenha "mostrado" os horrores do inferno aos pastorinhos, o que não é uma atitude particularmente maternal, quando se pensa em crianças de 10, 9 e 7 anos. Aí está um exemplo de religião sacrificial e dolorista, como se transmitia nas pregações da altura. Isto significa que o Evangelho é que deve ser a medida crítica de Fátima e não o contrário.
Seja como for, Fátima impôs-se, e de modo impressionante, a nível nacional e internacional. Ali se congregam multidões de milhões de pessoas. A quase totalidade dos portugueses já passou por lá, e as peregrinações são diárias. Há pouco tempo, um jornalista atirou-me, provocatoriamente: "Nossa Senhora de Fátima é a maior mulher de Portugal, a mais influente." Eu diria que sim, sendo depois preciso analisar essa influência.
Em princípio, é uma influência positiva. Há excessivo sofrimento no mundo: físico, material, moral, psíquico, espiritual... E Fátima, como diz frei Bento Domingues, é o cais de todas as lágrimas dos portugueses. Ali vão buscar alguma paz, alívio, conforto, conselho, esperança. Ali desabafam as suas mágoas. Quem melhor do que "a Mãe" poderá entender o que se passa no coração dos homens e das mulheres? E aí está a razão por que, pelo menos em parte, Fátima passa ao lado do "controlo" da hierarquia. As pessoas vão lá numa relação muito íntima, pessoal e única, com Nossa Senhora e com Deus. E ninguém tem nada com isso. Ainda estou a ver na televisão: quando o cardeal Sodano começou a "revelar" o "terceiro segredo de Fátima", os peregrinos continuaram, serenos, nas suas devoções e nos seus diálogos com "a outra dimensão".Inaugurou-se no dia 13 de Outubro a igreja da Santíssima Trindade. Fui confrontado com a pergunta do escândalo: Como é possível gastar ali 70 milhões de euros (80, com os acessos)? Não há tantos pobres? (É realmente uma vergonha nacional haver dois milhões de pobres - desses, 700 mil têm de (sobre)viver com seis euros por dia).
Costumo responder que se deveria ser mais contido nos gastos. Como diz Carlos Fiolhais, os portugueses gostam de conjugar o verbo derrapar, e até em Fátima houve derrapagem de 40 para 70-80 milhões de euros.
Mas também não tenho uma visão miserabilista da existência. O Homem não vive só de pão. Depois, quem pagou são os peregrinos, que têm direito a algum conforto. Que dizer do desperdício do excesso de estádios de futebol vazios?
Acima de tudo, foram convocados artistas de renome, nacionais e estrangeiros, e o que resultou é simplesmente belo. Agora, Fátima é um conjunto harmonioso no seu todo, que alguém já comparou a um barco. Ah!, aquele Cristo crucificado no interior da igreja, meio selvagem, fixando, de olhos abertos, cada um: ele é a mensagem de convocação para a Vida e a Liberdade; aquela Virgem, finalmente uma jovem rapariga airosa, de braços abertos acolhedores; aquele grande painel do presbitério, símbolo da Jerusalém Celeste: a esperança da Humanidade com Deus e a sua glória!
Jesus foi confrontado com o luxo de uma libra de perfume de nardo puro - o seu preço correspondia a um ano de salário - que uma mulher lhe derramou sobre a cabeça. Os discípulos ficaram indignados: "Para quê este desperdício? Podia vender-se por bom preço e dar-se o dinheiro aos pobres." Jesus respondeu que não faltariam oportunidades a quem lhes quisesse fazer bem.
A religião sem a beleza é inverdadeira. Sem o gratuito - a graça -, é uma desgraça.

5 comentários:

  1. Srº. professor,
    Já não é a primeira vez que leio os seus artigos sobre a igreja da Santissima trndade em Fatima. Mas olhe continuo um pouco baralhado, é que 70/80 milhões é muito dinheiro. Ainda á pouco tempo alguem dizia, não sei se é verdade ou não, que no seminario e na igreja do Carmo em Aveiro os padres e frades respectivamente passavam fome. Será que isto é verdade? Se for como é possivel quando se gastam 70/80 milhões em Fatima ou noutras aqui bem perto de nós? Aqui fica a pergunta. Parabens pelo blog e um abraço Rubem

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  2. Srº. professor,
    Já não é a primeira vez que leio os seus artigos sobre a igreja da Santissima trndade em Fatima. Mas olhe continuo um pouco baralhado, é que 70/80 milhões é muito dinheiro. Ainda á pouco tempo alguem dizia, não sei se é verdade ou não, que no seminario e na igreja do Carmo em Aveiro os padres e frades respectivamente passavam fome. Será que isto é verdade? Se for como é possivel quando se gastam 70/80 milhões em Fatima ou noutras aqui bem perto de nós? Aqui fica a pergunta. Parabens pelo blog e um abraço Rubem

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  3. Meu caro

    Não acredito que haja fome na igreja do Carmo em Aveiro. É a primeira vez que ouço tal.
    O facto de haver gente com fome não pode impedir-nos de avançar com projectos que levem à construção de edifícios, estádios, estradas, etc... etc...
    Hoje, como sempre, constrói-se por todos os lados. A vida exige isso. Importa é saber se o que se constrói é necessário. Quem vai a Fátima, e há milhares de pessoas por lá todas as semanas, acha, penso eu, que se justifica uma obra como esta, ao fim de 90 anos de actividades religiosas e sociais, ainda em franco crescimento. Alguns estádios de futebol, como o de Aveiro, estão às moscas. Há semanas, apenas 600 pessoas estavam a assistir a um jogo do Beira Mar.
    Julgo, no entanto, que isso não nos deve impedir de lutar para que não haja fome no mundo. Mas o problema é que todos falam dessa realidade, mas são poucos os que olham para o lado, para partilhar o seu pão com quem nada tem...
    O problema está aqui...

    Um abraço

    Fernando Martins

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  4. Eu apenas aqui deixo uma pergunta: Para quê gastar-se tanto dinheiro numa obra para a manter fechada e abri-la apenas em dias específicos?!
    A avô do meu marido foi de visita a Fátima um dia destes, com os restantes idosos do lar onde estão, e quando lá chegaram viram-se impedidos de visitar a nova basílica, pois esta "será aberta apenas em dias especiais", segundo me disse a avô.
    É que sabe, como este idosos deve haver mais que, pela lei natural da vida, acabarão por nunca lá entrar, porque o dia da sua visita não foi considerado "especial"...

    Cumprimentos,
    Daniela Felícia

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  5. Minha cara Daniela

    Eu estive lá,há dias, como referi nos meus escritos. Era dia de semana e toda a gente entrava, com toda a normalidade. Havia, até, sempre alguém a explicar um ou outro pormenor.
    Se é como diz, acho que está mal, pois uma obra daquelas, carregada de símbolismo, deve estar sempre aberta ao público...
    Penso que a Daniela pode e deve alertar o Santuário para a necessidade de toda a gente poder visitar a igreja da Santíssima Trindade, sublinhando os argumentos que expressou no meu blogue. Pode não haver, da parte dos responsáveis, sensibilidade para ver certos pormenores...
    Eu próprio tomarei a decisão de entrar, também, em contacto com o Santuário...
    Cumprimentos

    Fernando Martins

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