terça-feira, 8 de julho de 2008

Grupo Etnográfico da Gafanha da Nazaré

Mulher da seca e moço da marinha (foto de 1989)
UM QUARTO DE SÉCULO AO SERVIÇO DA CULTURA Quem tem acompanhado de perto, tanto quanto é possível, a vida do Grupo Etnográfico da Gafanha da Nazaré, não pode deixar de reconhecer o muito que tem feito em prol da cultura da nossa região. Tanto na pesquisa e estudo das nossas raízes etnográficas como nos palcos nacionais e internacionais, onde tem exibido as nossas tradições dos fins do século XIX e princípios do século XX. Com os primeiros passos andados no seio da Catequese Paroquial, em 1980/81, por sugestão do prior da Gafanha da Nazaré, Padre Miguel Lencastre, que propôs para a festa final do ano catequético umas danças e cantares dos nossos antepassados, em 1 de Setembro de 1983 o Grupo Etnográfico era já uma instituição que alimentava o propósito de pesquisar, estudar e divulgar os usos e costumes dos nossos avoengos. Num mundo marcado pela globalização, onde os interesses dominantes se inclinam para a vertente económica, presentemente a mola real da vida colectiva, só temos que louvar quantos acreditam que se torna imperioso preservar as nossas raízes, alicerces indeléveis do presente e força impulsionadora da manutenção da identidade do nosso povo. Ora é isso que o Grupo Etnográfico tem feito, oficialmente, ao longo do último quarto de século, com o reconhecimento de quantos estão atentos à riqueza do nosso passado e de todos os que apostam na importância, insofismável, da cultura, em geral, e da sua matriz popular, a tal que está impregnada, de modo indiscutível, na alma das gentes. Desde a primeira hora que esta instituição levou muito a sério a preocupação de pesquisar com verdade, de estudar os usos e costumes com rigor e de apresentar o fruto desse trabalho com exemplar dignidade, levando, no seu dia-a-dia, muitos jovens, de todas as idades, a aderirem a este desafio e a tudo o que lhe está associado na ordem cultural, social e recreativa. Garante, assim, uma continuidade que nos há-de projectar nos próximos futuros, se todos os seus membros e amigos souberem dar as mãos e criar estímulos para prosseguirem na caminhada com determinação, rumo a uma sociedade mais solidária e mais aberta ao mundo, sem perder o lema de elevar o homem todo e todos os homens. Como sinais marcantes do seu dinamismo, o Grupo Etnográfico da Gafanha da Nazaré não se tem ficado por aquilo que é mais normal numa instituição do género, ligada à Federação do Folclore Português, porque os seus anseios e iniciativas têm ido para além disso. Organiza três festivais anuais na Gafanha da Nazaré, participa em muitos outros, quer a nível nacional quer internacional, promove colóquios etnográficos, edita todos os anos uma brochura com notas referentes ao seu trabalho, administra e dinamiza a Casa Gafanhoa, pólo do Museu Marítimo de Ílhavo, preserva as marcas do passado, enfim, integra, nos nossos quotidianos, muito do que nos legaram os nossos avós. Valoriza, por esta forma, a alma e o sentir dos gafanhões e de quantos, oriundos dos mais variados recantos de Portugal e do estrangeiro, se tornaram gente nossa, perfeitamente identificada com dunas, planuras, ria, esteiros, praias, mar e horizontes a perder de vista. Fernando Martins

segunda-feira, 7 de julho de 2008

D. Manuel II e Aveiro



Uma Visita Histórica - 27 de Novembro de 1908



No livro “D. Manuel II e Aveiro – Uma Visita Histórica (27 de Novembro de 1908)”, o autor, Armando Tavares da Silva, oferece aos seus leitores pormenores curiosos, através de uma escrita acessível e de grande rigor, mas também atraente. Leva, assim, quem gosta de história a interessar-se por este assunto, o de um Rei que passou pela nossa região, suscitando manifestações de carinho. E refere, ainda, a Gafanha, como terra de passagem. A dado passo, e ao descrever o passeio fluvial, diz que próximo à ponte da Gafanha formaram alas, «mais de 800 cyclistas, perfilados ao lado das suas bicycletas e que á chegada de el-rei levantaram calorosos vivas». Nessa altura, uma comissão, “abeirando-se do automóvel real, entregou ao monarca uma representação em que pedia a revisão da «lei da contribuição sumptuaria no que respeita[va] a possuidores de velocípedes», e a suspensão do andamento dos processos em juízo”. Mais adiante, salienta que depois da volta «Pessoas de todas as classes davam vivas a El-rei, misturando as suas vozes com as notas do hymno nacional tocado pelas bandas que vinham a bordo. Na margem, uma immensidade de povo, carros, cyclistas, etc., que o tinham ido esperar á Gafanha, faziam tambem a sua volta a Aveiro». «Desde a ponte da Gafanha até ás Pirâmides, o monarcha teve um verdadeiro passeio triunphal, aclamado pela multidão, que se apinhava nas margens, com verdadeiro entusiasmo». Posteriormente, na Câmara Municipal de Aveiro, «El-Rei poz ao peito do barqueiro Antonio Roque, da Gafanha, uma medalha de merito, philantropia e generosidade, abraçando-se ambos enternecidamente».
Deste texto retiramos algumas curiosidades, que vale a pena comentar. A primeira diz respeito ao número elevado (oito centenas; é obra, há cem anos!) de ciclistas que se juntaram para saudar o rei, mas também para protestar contra um imposto que lhes estava a ser aplicado. Naquele tempo, ter uma bicicleta era um luxo, que obrigava a pagar o imposto sumptuário. Presentemente, pagamos impostos por tudo e por nada, mas, que eu saiba, não há impostos que incidam sobre riquezas sumptuárias ou sobre a ostentação de riquezas que ofendem a pobreza da maioria dos portugueses.
Depois, ficámos a saber que um gafanhão, António Roque, provavelmente o mestre que conduziu o barco real, foi homenageado pelo rei. Interessante seria saber quem foi ele e quem são os seus descendentes, porque Roques há muitos aqui na Gafanha. Haverá por aí a medalha e o respectivo diploma? Fico à espera de achegas!

FM

NOTA: As fotos desta página foram publicadas no livro que lembra a Visita do Rei D. Manuel II a Aveiro, em Novembro de 1908, da autoria de Armando Tavares da Silva. A sua publicação no meu blogue foi autorizada, como “Documento cedido pelo ANTT”. FM

NA LINHA DA UTOPIA

Quem debate a pobreza?
1. Começa mais uma cimeira dos oito países mais ricos do mundo, designados elegantemente de G8. Por contraditório, com tanta riqueza junta, um dos temas de fundo a debater é a pobreza no mundo actual, particularmente em África. Verifica-se que são os que menos poderiam falar que têm quase toda a palavra; um debate que, embora integre (fica sempre bem) algumas figuras dos chamados países pobres, parece cabalmente inquinado à partida. Os “exploradores” marcam agenda para reflectir alguns dias sobre como encontrar soluções para terminar com a pobreza nos países e sectores que exploram; são os principais produtores de tecnologia e energia que geram dependência do resto do mundo; países G8 que ao longo de todo o ano procuram estratégia para ter mais, subtraindo aos que menos têm que, agora, fazem a pausa simpática para “perdoar” uns “cobres” e prometer algumas medidas de boa vontade, quase tocando aquela “solidariedade egoísta” em que dá sempre jeito haver pobres… Pois, é a dureza da verdade! 2. O escândalo, hoje tornado mediático, do flagelo da miséria e da fome crescente que atravessa e agrava muitos países não se compadece com o “discurso da circunstância”. Esta realidade crua de, na generalidade, os países ricos debaterem a pobreza dos outros deixa um amargo de boca em bocas sem pão. Não está, à partida e com isenção, em causa nenhuma linhagem política nem económica; mas estão gravemente em causa todas essas forças quando elas impedem o desenvolvimento das suas sociedades ou provocam mesmo o seu próprio subdesenvolvimento. Também o mega-fenómeno das manifestações anti-globalização, que já fazem parte da tradição no acompanhamento paralelo das cimeiras, nada adiantam de especial a não ser a própria afirmação da globalização no “grito” da desordenança global. As fronteiras são ténues; mas quanto mais alguns procuram refugiar o debate da pobreza mais a multidão de pobres caminha para a rebelião… Precisamos da racionalidade. 3. As instâncias da Organização das Nações Unidas a par de dinâmicas da sociedade civil continuam a ser o fórum próprio para a questão de fundo da pobreza ser justamente debatida na óptica do desenvolvimento dos povos. Cada semana que passa o fosso riqueza / pobreza agrava-se, não numa generalidade filosófico-política mas na vida de pessoas como nós, onde a luta pela sobrevivência assume contornos dramáticos. As instâncias devidas, desfocadas e porventura comodamente instaladas, estão a receber sinais decisivos até ao clímax das mudanças sócio-políticas. A insustentabilidade do modelo de sociedade actual está bem espelhado na crise dos mais variados recursos que obrigarão ao profundo repensar dos paradigmas de desenvolvimento. Nesta procura de justiça já é muito “tarde”, e tudo fica sempre por dizer… Mas que do norte do Japão, onde ocorre a isolada cimeira do G8 com países africanos, venha “ar fresco”… Mais que ajuda económica (dar o peixe), já prometida em 2005, provenham justas condições ao desenvolvimento (ensinar a pescar). Tudo passa pela Verdade do interesse…

Festival Nacional de Folclore

Grupo Etnográfico da Gafanha da Nazaré na Polónia
É já no próximo sábado, 12 de Julho, que se realizará o XXV Festival Nacional de Folclore da Gafanha da Nazaré. Trata-se de uma organização do Grupo Etnográfico da Gafanha da Nazaré, em maré de celebrações dos seus 25 anos em prol da cultura.
Para além do grupo anfitrião, o Festival conta com a participação dos Grupos Folclórico de Melriçal (Soure), Folclórico da Região do Vouga (Mourisca do Vouga), Danças e Cantares de Perre, Associação Etnofolclórica "As Lavradeiras de Arcozelo" (Santa Maria Adelaide) e Zespol Piesni I Tanca "Vladislavia" (Polónia).
A actuação dos grupos convidados começará pelas 21.30 horas, na Alameda Prior Sardo.

PONTES DE ENCONTRO

Padre Himalaia: o sonho e a realidade! Desde os primórdios da Humanidade que o Sol sempre exerceu um enorme fascínio sobre o homem, que já o associava como fonte de vida, luz e calor. Por isso, em muitas civilizações, foi tratado com inúmeros nomes, enquanto deus pagão e mitológico. Templos foram construídos, sacrifícios foram praticados e muitas decisões de guerra, paz e pessoais foram tomadas em nome do respeito, da reverência e do temor com que era tratado. Na própria Sagrada Escritura são bastantes as referências a este astro celeste, a começar logo no primeiro capítulo do Livro do Géneses, versículo 3, enquanto primeiro elemento do Universo a ser criado pelo único e verdadeiro Deus. A própria data do Natal de Jesus Cristo – “O Verbo era a Luz verdadeira, que, ao vir ao mundo, a todo o homem ilumina.” (cf.: Jo 1,9) – a 25 de Dezembro, já adoptada, em Roma, no ano 336, foi escolhida como forma de substituir a festa pagã ao deus Sol (Natalis Solis Invictis), celebrada no Império Romano e instituída pelo imperador Aureliano (214-275), no ano de 274, e que era celebrada no Solstício de Inverno. De um modo ou de outro, o Sol, ao longo da História da Humanidade, sempre esteve associado ao passado, presente e futuro de homem e no texto que escrevi, no dia 5 de Julho, com o título “As energias renováveis e o futuro do homem”, procurei transmitir a ideia de que a estrela que temos mais perto do planeta Terra vai ter, no futuro, uma acção cada vez mais relevante, do que até aqui, na nossa forma de viver, enquanto fonte de energia renovável ao alcance de todos. A ideia do homem transformar a energia solar em seu próprio proveito, para os mais variados usos e fins, também tem sido uma constante ao longo da história humana, e alguns deles foram (e continuam a ser) pioneiros nesta busca precursora. Como português, destaco a pessoa do Padre Manuel António Gomes, nascido em 9 de Dezembro de 1868, em Cendufe, no concelho de Arcos de Valdevez. Para a história viria a ficar conhecido com a alcunha do Padre Himalaia, devido à sua elevada estatura, numa alusão óbvia à cordilheira dos Himalaias, que detém o ponto mais alto do mundo – Monte Evereste – com 8844,43 metros de altura. O Padre Himalaia é um daqueles vultos humanos que viu muito para além do seu tempo e cedo compreendeu que o desenvolvimento sustentável do planeta que habitamos depende de todos nós e das opções que fazemos. Opções estas que se vão reflectir nos comportamentos que cada um tem no seu dia-a-dia e nas consequências que provocam para a vida da Terra. É espantoso como, há mais de um século, este padre e cientista português já se interessava pelas energias renováveis, designadamente a energia solar, e pelos processos de organização e planeamento territorial, nomeadamente através de sistemas de irrigação, plantação de árvores e sistemas urbanos que antecederam, em muito, as preocupações actuais em torno do que se designa, presentemente, por questões de ecodesenvolvimento e de ecossistema, para além de muitas outras áreas científicas. Tudo isto numa altura em que o uso das energias fósseis estava em franca ascensão. Já no seu tempo, pretendia obter energia térmica para o funcionamento de motores a vapor que fossem capazes de desenvolver energia motora, nomeadamente para obtenção de electricidade e que, só agora, um grupo de estudantes do Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, desenvolveu e de que falei no passado sábado. Mesmo a área pedagógica não foi esquecida, tendo desenvolvido ideias concretas sobre processos de formação pedagógica e profissional que deveriam levar à criação de quintas escolares, possibilitando uma relação constante entre os alunos e as actividades com a natureza. Este homem teve o mundo a seus pés e a invenção do Pirelióforo (que significa “trago o fogo do sol”) foi a sua coroa de glória, tendo ganho com este invento a Exposição Mundial de Saint Louis, nos EUA, em 1904. Veio a morrer em Viana do Castelo, no ano de 1933, pobre e quase ignorado. São exemplos como este que nos dizem que sempre foi possível fazer mais e melhor e que a esperança de todos começa na confiança que cada um deposita no outro, incondicional e responsavelmente.
Vítor Amorim

domingo, 6 de julho de 2008

NA LINHA DA UTOPIA

Cultura humanista
1. Ter uma visão de conjunto da história permite-nos a necessária distância crítica para melhor compreendermos o tempo presente. Não que a história se repita, mas que algumas ideias-força possam ter “semelhanças” com outras épocas, nomeadamente sobre o balançar da experiência humana que ora vai pelos patamares mais técnicos (ordem mais da matéria, estruturalismo – que podemos personalizar nos clássicos em Aristóteles), ora pelas vias mais humanas (ordem tendencialmente do espírito, humanismo – representado por Platão). Certamente que os estudiosos da historiografia, filosofia ou os antropólogos saberão ter a noção mais exacta, da justa medida, em que estes pêndulos podem mesmo significar as duas ideias-força que ao longo dos séculos têm andado a puxar os fios condutores da história, sucedendo-se uma à outra…(?) Neste sentido procurador, perguntar faz bem… 2. Temos assistido na história da humanidade, na sua linhagem marcadamente ocidental (somos escritores da história de nós próprios o que nem sempre acaba por resultar justo), a momentos de forte impulso de desenvolvimento científico-económico e depois à sua crise e progressiva maturação. O progresso científico-técnico traz consigo a “desmontagem” de determinadas concepções de vida que passam a ser qualificadas de tradicionais, vindo também propor uma visão estruturalista, metodicamente organizada, da vida, onde todos os rigores da surpreendente ciência seduzem a ponto de não haver fronteiras para esse admirável mundo novo, e onde o patamar humaníssimo e ético acaba por ficar na prateleira. Com o acalmar do “pó”, verificando que as euforias dos novos conhecimentos também geraram muitas fracturas, e diante do desencanto humano e da “falta de sentido”, retorna a procura da fonte originária da Humanidade, surgindo um Humanismo que venha dar “ar fresco” e ânimo ao tempo histórico da vida pessoal e social. 3. No primeiro momento (quase nesta dialéctica do progresso), a ciência e técnica afirmam-se como auto-suficientes; no segundo momento, Humanista, é o retorno de todos os saberes como serviço à “casa comum”. Neste contexto da procura de um “método” para o futuro, vale a pena partilhar uma opinião, no âmbito dos três anos de pontificado de Bento XVI (17-04-2008), em que Guilherme d’Oliveira Martins destaca que «o Papa utiliza um método todo inovador e muito promissor, que é o de citar textos e autores profanos, em confronto com textos da Igreja, para melhor ilustrar as ideias e reflexões propostas. Este procedimento, inédito até este pontificado, abre horizontes novos, uma vez que põe o pensamento religioso em diálogo com o mundo e as ideias contemporâneas, em nome do enaltecimento da razão e da compreensão dos seus limites (a invocação de autores como Adorno e Horkheimer é, neste sentido, muito curiosa e significativa.» Prossiga, em tudo, esta racionalidade dialogal. 4. Neste método dinâmico da aprendizagem com a diversidade do outro pode estar o retorno de um Humanismo sadio que reponha no seu lugar o “humano” acima de todas as realidades e coisas. Aqui haverá SER humano capaz de reencontrar o sentido pleno da Vida, este que supera todas as dicotomias e divisões da história. Ressurja uma cultura verdadeiramente humanista: esta garantirá a preservação do bom senso, em tudo e em todos!

TECENDO A VIDA UMAS COISITAS - 85

VESTUÁRIO E CALÇADO Caríssima/o: Ora aqui está um assunto que muito nos interessava. Sabeis porquê? Nem sei se vos diga: grande perigo para o equilíbrio das nossas crianças, pois, quando começava o jogo do botão, a roupa tinha valor pelos botões que nos disponibilizava para continuarmos a pôr na doca... Como as «felpas» se resumiam ao indispensável, não admirava que usássemos a mesma camisola nas quatro estações... e sem reforço no inverno. Faz lembrar aquela cena do índio que afirmava “ser cara no corpo todo”! As calças eram uma amostra de vários bocados de flanela que iam tapando os buracos que as nossas brincadeiras lhes provocavam... e as joelheiras eram uma necessidade e uma prevenção: não foram elas e os nossos joelhos onde estariam? Lembro-me que as meninas usavam muito a chita, nos vestidos, nas saias e nas blusas... Roupas interiores, consideradas um luxo, iam aparecendo conforme as posses e as sobras dos ganhos dos pais. Não sendo um filme de ficção e não pretendendo “injuriar” a juventude, estes simples apontamentos ajudarão a sentir a evolução e praza que a um ou outro interrogue sobre o respeito a estas necessidades básicas. E na cabeça? Raramente bóina ou boné que se perdiam deixados no primeiro bengaleiro a jeito. Nos pés, solas grossas por andarem nus. Muitos viam os primeiros sapatos na comunhão ou no exame da quarta: sapatilhas de lona, azuis, castanhas ou brancas. Talvez fossem precisas umas meias mas, sinceramente, não me recordo de nenhumas que tivesse calçado. Agasalhos para o inverno estavam à mão de semear nos sacos de serapilheira que dobrados a preceito nos protegiam das chuvas e dos frios. Enfim, cenas de outro mundo poderiam surgir e fariam a nossa delícia... Como quando foi preciso tirar a fotografia para o bilhete de identidade e se usou a camisola do irmão mais velho ... que estava rota nos cotovelos... Manuel

sábado, 5 de julho de 2008

Mycarlo: o gosto pela música

Tinha na minha agenda, há muito, uma visita ao Mycarlo, de seu nome Carlos Alberto Sarabando. Por ser um bom amigo e por curiosidade em conhecer, ao vivo, o seu gosto pela música, que o levou a coleccionador de discos e de instrumentos musicais, um pouco de toda a parte. Calhou hoje, tarde de sábado, fazer essa visita. 
Entrei numa sala de música com LPs e instrumentos que me desafiavam a fazer, através deles, uma viagem ao mundo, tendo o Mycarlo por cicerone. Não um cicerone vulgar, daqueles que querem despachar o visitante o mais depressa possível, por haver mais gente à espera de entrar, mas um cicerone que esquece tudo com o entusiasmo que põe na história de cada instrumento e de cada disco.
O Mycarlo nasceu na Venezuela, filho de emigrantes portugueses. Há muito que veio para Portugal, trazendo o gosto pela música, que bebeu no seio familiar. O pai, tocador de acordeão, foi o primeiro a despertar no meu amigo a paixão que continua a cultivar. 
O Mycarlo não sabe música, mas nem isso o impediu de participar em alguns grupos musicais, quer como cantor, quer como percussionista. E também foi responsável por alguns programas radiofónicos dedicados à música, de vários estilos e épocas. Mas hoje eu fui essencialmente para conhecer a sua colecção de instrumentos, com mais de 200 exemplares de vários naipes. 
Nasceu-lhe esse prazer em casa de um amigo, há uns 35 anos. A partir daí, nunca mais parou. E a colecção continuará, não faltando, de quando em vez, a generosidade dos seus amigos, que lhe conhecem este entusiasmo que não esmorece. 
Nas paredes e em mesas, em estantes e no chão, tudo bem acomodado, o visitante pode apreciar instrumentos de cordas e de sopro, de percussão e outros, dos países mais diversos. Balalaica russa, Banjos, Bandolins e Cavaquinhos, mais Violas e Guitarras portuguesas, Quadros venezuelanos, Koras senegalesas, Zitner grega, kissanje de Angola, Zimbre marroquino, Marimbas guineenses, Percussões do Zaire, Moçambique, Angola e Marrocos, Flautas de Pan do Peru, Chile, Bolívia e Martinica, Berimbau do Brasil, Flautas clássicas, o Violino, o Contra-baixo, o Apito do comboio, Rouxinóis e Joaninhas, entre muitos outros. 
Uns instrumentos foram adquiridos pelo Mycarlo e outros foram oferecidos, sendo certo que muitos passaram por trabalhos de restauro, a cargo do próprio coleccionador. Mas o meu amigo não tem somente instrumentos musicais. Na sua sala da música, como ele a baptizou, há uma colecção de discos, LPs, com décadas de vida. São cerca mil, em excelente estado, que o Mycarlo faz questão de exibir, com carinho, e de pôr um ou outro na sua aparelhagem de som, para eu me deliciar. Aqui, o Mycarlo, não resiste e reclama a minha atenção para pormenores que só ele conhece com o seu ouvido privilegiado: “Ouça estes sons que estão por detrás; os baixos e os graves; é lindo, lindo, lindo!”
Ao som da música, trauteada pelo meu amigo, ele corre a pegar nas matracas, agita-as como que a oferecer à melodia um ritmo mais cadenciado… “é lindo, lindo, lindo”, sublinha o Mycarlo, para meu encanto. O meu amigo coleccionador não se fica pela contemplação do seu mundo. Os seus instrumentos já foram expostos um pouco por todo o lado. E em escolas já exerceram o seu papel pedagógico, onde o Mycarlo ensinou os alunos a construírem os seus próprios instrumentos musicais, a partir de material cujo destino seria o lixo. E depois, não faltaram as orquestras em que construtores viraram executantes. 
O Mycarlo defende que “toda a música é bonita, mas acha que toda a gente precisa de cultivar o ouvido”. “Ninguém – sublinha ele – nasce com o prazer da música, embora o ritmo seja inerente ao ser humano.” Também acredita que há opções por outras sensibilidades artísticas, mas não deixa de afirmar que, para si, a rainha da artes é a música. No seu dizer, “a música é um código universal, com as suas sete notas a serem compreendidas por todos os intérpretes do mundo”. E frisa que é possível “criar melodias e ritmos para todos os gostos, para todas as idades e para todas as sensibilidades”. Músicas de alegria e de tristeza, de euforia e de revolta. Música de escravos e de homens livres, adiantou. 
Quando cheguei, o meu amigo estava a ouvir jazz. Quando o deixei, ficou com um LP de arranjos musicais de Tim Crosse. Um LP com Bach, Mozart, Beethoven e outros. Uma gravação com mais de 25 anos. Ao ouvi-lo, Mycarlo ia salientando os instrumentos que lhe davam corpo, pormenores imperceptíveis para mim e para muitos. A arte encanta qualquer ser humano sensível. A música, essa arte sublime, eleva-nos a mundos de sonhos! 

Fernando Martins

A VIOLÊNCIA DOS PACÍFICOS

Crescem os sinais de um mundo violento, de sociedades amedrontadas, de grupos étnicos e religiosos em sobressalto e sob pressão, de famílias destroçadas e em pânico, de pessoas ameaçadas em convicções e haveres. Estes sinais contrastam radicalmente com as aspirações profundas do coração humano, com os dinamismos da convivência social em harmonia, com a vontade genuína e autêntica de tantos movimentos pacifistas, com os propósitos generosos de construtores da paz assente no respeito pela dignidade dos outros e pelo reconhecimento dos bens a que têm direito, com a esperança consistente e mobilizadora das comunidades eclesiais, com a seiva vitalizante da mensagem cristã que Jesus Cristo nos deixa como “marca de estilo” de quem é seu discípulo e testemunha. Este contraste é sinal do desequilíbrio em que se encontra a escala de valores que “comandam” a consciência humana, pessoal e colectiva: o interesse individual acima de tudo, o patamar social superior às posses reais, a cultura do brilho ainda que efémero, a intensidade das emoções mesmo que espezinhem as convicções, a preferência pelo que dá prazer e pela reacção “à flor da pele”, o adiar continuo dos apelos éticos que brotam da interioridade humana, o esquecimento voluntário da relação que a todos irmana na mesma humanidade e no ideal comum de uma vida feliz para cada um. Jesus vem ensinar-nos a repor o equilíbrio, fazendo propostas de humanização integral. Face à confusão geral provocada pelo sistema legal – havia 613 mandamentos! –, deixa claro que só o amor pleno dá sentido à vida. Perante a ânsia de ter em abundância bens e outros valores efémeros, lembra que é mais importante ser humano e progredir constantemente em humanidade solidária. Ante o recurso à força para repor o direito ou vingar ofensas, exorta à reconciliação benevolente, à reparação justa e, se necessário, ao perdão incondicional. Face à auto-suficiência exorbitante e descabida, aconselha a simplicidade da verdade e o reconhecimento das limitações. Diante de quem se menospreza e amesquinha a si mesmo, exorta ao apreço e à consideração que lhe advém da sua condição humana e filiação divina. Jesus apresenta a força do seu exemplo como testemunha do ser humano a que todos estamos chamados. "Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração". E do exemplo da sua vida brota uma energia, suavemente forte e violenta, que actua a partir de dentro de cada pessoa e a transforma. É uma violência que corresponde à intensidade da resistência humana e, progressivamente, a vai reduzindo e reencaminhando. É uma violência que acalma ânimos exaltados e eleva espíritos abatidos para os situar de novo no patamar da sua dignidade. É uma violência posta ao serviço da verdade que liberta e abre caminhos novos de humanização integral. Georgino Rocha

O que tem de ser tem muita força

Embora a cair em desuso aos fins-de-semana e em tempos de lazer, a verdade é que a gravata faz parte, quase obrigatória, no dia-a-dia de certas profissões. Cá para mim, o uso da gravata, entre nós, está para as relações sociais como o tratamento de doutor está para a afirmação na sociedade e na profissão. Por tudo e por nada, de gravata ou sem ela, há quem pense que sem doutor nada feito. Não seria tempo de restringirmos o uso da gravata e do doutor?

HERMENÊUTICA FEMINISTA DAS RELIGIÕES E SEUS TEXTOS

Convidado para intervir no Congresso Feminista, na Gulbenkian, na semana passada, comentando intervenções sobre "Mulheres e Religiões", tentei apresentar alguns princípios de hermenêutica feminista das religiões e dos seus textos. Pressuposto essencial é, evidentemente, a compreensão de que os textos sagrados não são ditados de Deus, tornando-se, pois, claro que, sem interpretação, eles se convertem, inevitavelmente, em textos fundamentalistas. Os textos sagrados têm de ser lidos de modo crítico e situados no seu contexto histórico. Um livro sagrado, por exemplo, a Bíblia, só tem validade última e só encontra a sua verdade adequada enquanto todo e na sua dinâmica global. A argumentação com fragmentos pode por vezes tornar-se inclusivamente ridícula. Assim, princípio hermenêutico essencial e decisivo das religiões e dos seus textos é o do sentido último da religião, que é a libertação e salvação. O Sagrado, Deus, referente último do religioso, apresenta-se como Mistério plenamente libertador e salvador. É, pois, à luz desta intenção última que as religiões e os seus textos têm de ser lidos, concluindo-se que não têm autoridade divina aqueles textos que, de uma forma ou outra, se apresentam como opressores e discriminatórios. Então, não sendo normativos, deverão ser evitados nas celebrações religiosas. É claro que a hermenêutica feminista tem de ser uma hermenêutica da suspeita. Não é de suspeitar que religiões orientadas por homens e textos que têm homens como autores maltratem as mulheres, lhes sejam pouco favoráveis e as tornem invisíveis, as considerem inferiores e as coloquem em lugares subordinados? Ela é também uma hermenêutica da memória. Lembra as vítimas, todas as vítimas. Exige, portanto, uma leitura da História no seu reverso, que é a História dos vencidos. Normalmente, o que aparece é a História dos vencedores, onde, por isso, não cabem as mulheres nem as vítimas do sistema. Mas, como escreve Juan Tamayo, "a memória das mulheres vítimas do patriarcado é já em si um acto de reabilitação, de devolução e reconhecimento da dignidade negada". Na reconstrução da História, é preciso encontrar o papel das mulheres, activo e criador, mas oculto e silenciado. A leitura feminista dos textos sagrados faz-se a partir dos movimentos de emancipação da mulher e, portanto, dentro da luta pelos direitos humanos, que, sendo indivisíveis, exigem sociedades que ponham termo a todo o tipo de discriminação, sem esquecer que as estruturas discriminatórias da mulher são múltiplas e multiplicativas, como bem viu E. Schüssler Fiorenza. A hermenêutica feminista está particularmente atenta ao funcionamento sexista da linguagem. Atente-se, por exemplo, ao prurido auricular de expressões como: a bispa do Porto, a cardeal de Lisboa. Utilizando normalmente o genérico "homem" e "homens", nos textos sagrados, nas celebrações litúrgicas, na catequese, as mulheres são inevitavelmente invisibilizadas, esquecidas e marginalizadas. Essa hermenêutica é particularmente crítica com as imagens patriarcais de Deus. De facto, se Deus é masculino, o homem acaba por ser divinizado. Realmente, a maior parte das imagens usadas nas religiões e nas teologias para se referirem a Deus são expressão do domínio patriarcal e acabam por legitimar religiosamente o poder dos homens. Entre as mais comuns: Pai, Rei, Juiz, Senhor, Soberano, Criador do Céu e da Terra, Omnipotente. Segundo Tamayo, a crítica feminista deve desconstruir estas imagens, porque estão associadas ao poder dos homens e geram atitudes de submissão e dependência, não fomentando uma relação interpessoal. A teologia feminista mostra-se especialmente crítica com a imagem de Deus "Pai", por tratar-se de uma imagem que leva "directamente à obediência e à submissão, de que a religião autoritária abusa". Quer recuperar imagens que têm a ver com a vida, a amizade, o amor, a clemência, a compaixão, a compreensão, a generosidade, a ternura, a confiança, o perdão, a solicitude... E o que é que pode impedir os crentes de se dirigirem a Deus como Mãe? Anselmo Borges In DN

PONTES DE ENCONTRO

As energias renováveis e o futuro do homem Diz o provérbio popular, e com toda a razão, que “a necessidade aguça o engenho.” A pensar já no que o futuro, não muito distante, nos reserva, uma equipa de estudantes do Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, desenvolveu, há pouco tempo, aquele que poderá ser, segundo os seus autores, o sistema de energia solar mais eficiente do mundo, tendo em conta o seu baixo custo. Trata-se de um disco côncavo de concentração solar com 3,7 metros de largura, construído com uma leve armação de finos tubos de alumínio e coberto com espelhos. É capaz de concentrar a luz do Sol mil vezes mais num único feixe, criando calor suficiente para fundir uma barra de ferro. No centro do disco, que faz lembrar uma antena parabólica, há um tubo, em forma de serpentina. No interior deste tubo, circula água que se transforma instantaneamente em vapor, que irá, accionar uma turbina de um gerador de energia eléctrica, que será fornecida, localmente, a qualquer habitação, desde que esta esteja preparada para tal. Se juntarmos a esta tecnologia, já testada, mas ainda em fase de aperfeiçoamento, outras que estão em desenvolvimento ou já em funcionamento pleno, tais como os colectores solares térmicos, que captam a radiação solar, transformando-a em vapor que depois é convertido, pelo mesmo processo do MIT, em energia eléctrica; os painéis solares fotovoltaicos, que convertem directamente a luz solar em energia eléctrica, para muitos especialistas, considerada uma das mais promissoras formas de aproveitamento da energia solar; as miniturbinas eólicas, que produzem energia solar através da acção do vento e que poderão reduzirem a factura energética entre 50 e 90 por cento; os sistemas de aquecimento a biomassa, a partir do aproveitamento da matéria orgânica (resíduos das florestas, agricultura e combustíveis) e que, quando usados no aquecimento doméstico, podem representar importantes ganhos económicos e ambientais ou ainda as bombas de calor geotérmico, que aproveitam o calor do interior da terra para o aquecimento dos lares, temos razões para irmos tendo esperança, no que a esta parte energética diz respeito. Há que não esquecer, também, a energia das ondas. Pelo que se verifica, muitas destas formas de energia dependem da luz solar (o que, actualmente, é uma limitação) e nenhuma, só por si, é auto-suficiente, funcionando em modo de complementaridade, a que se juntam a energia hídrica e, para quem a tiver, a nuclear. Dinamizar a investigação e descobrir outras formas de energias renováveis é uma necessidade prioritária e o tempo não pára, para se terem descuidos ou faltas de empenho. Já não se pode pensar em termos da duração do petróleo, assunto sobre o qual existem várias opiniões, mas que este é (agora) muito caro e a transição é inevitável. O conceito de serem só os cidadãos a receber energia eléctrica de rede pública também tem que ser alterado, passando estes a injectarem energia na rede eléctrica, sempre que o consumo nas suas moradias for inferior às suas necessidades. Ainda não estamos em nenhum oásis; longe disso. Muitos interesses políticos e económicos irão surgir, e nem sempre pelas melhores razões. O preço do petróleo continuará a transformar o modo de vida da generalidade das pessoas, até que o reequilibro energético pós-petróleo seja possível de atingir e não dependamos, como até aqui, de uma minoria de países teocráticos ou onde a democracia muito deixa a desejar (excepção para a Noruega), como acontece, presentemente. O sector dos transportes também sofrerá profundas alterações, não só com a introdução dos carros híbridos, que já vão circulando um pouco por todo o lado, mas, também, dos veículos eléctricos e a hidrogénio (uma área onde há muito a investigar), ainda que o sector ferroviário, moderno e eficaz, deva ser o privilegiado, no transporte de pessoas e bens. Fora disto, não há alternativas, a não ser que o homem prefira, no caso de não querer ou não saber vencer a gravíssima crise energética actual, deixar que seja esta a derrotá-lo, definitivamente!
Vítor Amorim

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Jacinta encanta no Centro Cultural de Ílhavo

Após o sucesso no Aveirense, na apresentação do seu novo trabalho denominado "Convexo", numa homenagem a Zeca Afonso, com o público a aplaudir de pé a cantora de jazz Jacinta, o mesmo aconteceu no Centro Cultural de Ílhavo. 500 pessoas assistiram a uma autêntica “aula” de jazz, com Jacinta a cantar os clássicos, passando pelos blues até ao mais puro dos improvisos vocais e instrumentais, com especial incidência no diálogo com o saxofonista, que, por momentos, fez lembrar o célebre Omette Coleman, ao imprimir, na consistência do improviso, toda uma técnica e um registo que fez o público, mesmo timidamente, bater com os pés, fazendo ouvir o estalar dos dedos. Paulo de Carvalho mostrou que a idade não conta, já que continua “a ser músico com a sua voz”, como gosta de afirmar, e o “diálogo“ com Jacinta foi deslumbrante, o que também aconteceu no início do espectáculo com o acordeonista. Jacinta continua no caminho que a poderá levar ao estrelato da música de jazz, desde que saia desta país, é claro, e a sua voz quente e possante, aliada à capacidade de transmir ao público as emoções que o jazz permite a quem o canta ou toca e a quem o ouve, deixando-se embalar por essa expressão musical que, segundo José Duarte, não se aprende nas escolas, nasce com as pessoas. No final Jacinta foi aplaudida carinhosamente, não fosse ela também da Gafanha da Nazaré!

 Carlos Duarte

Liberdade tranquila

O amor
INGRID: Amor à vida, sem ódios As reportagens televisivas sobre a chegada de Ingrid Betancourt à liberdade mostraram uma mulher feliz, mas tranquila. Sem raiva, sem ódios, sem acusações e no céu. Onde os seus filhos, que a receberam como quem recebe alguém que ressuscitou, são a sua lua e as suas estrelas. Agradeceu a Deus e aos homens que tornaram possível o seu regresso à liberdade e à vida e pediu que se não esquecessem dos que continuam presos às mãos e às armas dos guerrilheiros colombianos. A minha referência a esta atitude marcada “pela positiva”, de uma mulher que se limita, no fim de um cativeiro desumano, a respirar, serenamente, o ar da liberdade, vem precisamente por causa desse exemplo raro nos dias que correm. Palmas para Ingrid pelo seu testemunho de amor à vida, sem ódios… e tristeza pelos que não são capazes de condenar os métodos dos guerrilheiros da Colômbia

A HERA em acção em Eixo

Protecção do Forno Romano
e requalificação da Ponte da Balsa
A HERA - Associação para a Valorização e Promoção do Património convida todos os seus amigos e todos os apaixonados pelas marcas do passado, para participarem na inauguração da primeira fase da protecção do forno cerâmico romano de Eixo, Aveiro, e da requalificação da Ponte da Balsa, na mesma localidade. Será no próximo domingo, dia 6, a partir das 10.30 horas, em Eixo. Estas iniciativas representam um momento histórico para a HERA, pois o processo de valorização do forno, que levou ao projecto final de cobertura e valorização, começou e foi acompanhado pela associação, representando o seu primeiro projecto, denominado ARQUEOLARIA. O empenho da HERA, associado à confiança e apoio da Junta de Freguesia de Eixo, fizeram com que o "sonho" de valorização duma importante parte da história de Aveiro se tornasse realidade.
Neste mesmo dia, serão feitas algumas comunicações sobre importantes mudanças na direcção da HERA.

A Net oferece-nos coisas interessantes!

O cariz internacionalista
do povo português é peculiar:
: - Se tem um problema para ultrapassar... diz que se vê grego;
- Se alguma coisa é difícil de compreender... diz que é chinês;
- Se trabalha de manhã à noite...diz que é um mouro;
- Se tem uma invenção moderna e mais ou menos inútil... diz que é uma americanice;
- Se alguém mexe em coisas que não deve... diz que é como o espanhol;
- Se alguém vive com luxo e ostentação... diz que vive à grande e à francesa;
- Se alguém faz algo para causar boa impressão aos outros... diz que é só para inglês ver;
- Se alguém tenta regatear o preço de alguma coisa diz que é pior que um marroquino;
- Mas quando alguma coisa corre mal... diz que é à PORTUGUESA!!! Texto enviado pelo Ângelo Ribau

Ana Moura canta o fado

Um bom fado tem sempre lugar em qualquer parte. Este é mesmo para os que gostam.

TRANSMISSÃO E PROFISSÃO DA FÉ, UM PROBLEMA EM ABERTO

Muita gente da Igreja parece não ter entendido ainda que esta está posta perante um desafio que não a pode deixar indiferente: a opção inadiável dos cristãos por uma fé consciente, esclarecida e socialmente comprometida. Gerações de católicos portugueses, hoje adultos às portas da velhice ou já entrados nela, receberam a fé num contexto pacífico e normal; o da família cristã tradicional que a transmitia, bem como a hábitos religiosos, consciente de que era esse um seu dever em relação aos filhos, ao lado de outros igualmente indiscutíveis. Já vai tempo em que muitas famílias deixaram de o fazer, conservando, porém, alguns desses hábitos, hoje já frequentemente vazios de conteúdo religioso, mas com cargas sociais, pouco ou nada consequentes na vida do dia a dia. Assim se passa ainda, um pouco por todo o lado, em relação ao baptismo, à primeira comunhão, ao casamento, ao funeral, à festa do padroeiro e a outras tradições religiosas locais. De há tempos para cá verifica-se, porém, que muitas crianças já não são baptizadas, muitos jovens baptizados deixam de casar na igreja, as festas dos santos se foram paganizando, alguns costumes religiosos desapareceram e que apenas resta, como preocupação familiar que se defende a todo o custo, o funeral com padre. Também a prática dominical regular foi diminuindo para gente mais nova e o denominado preceito pascal já não passa de uma piedosa recordação dos mais velhos. Verifica-se que a vida se organiza à margem da fé ou de qualquer influência religiosa e que o compromisso cristão não tem nada de vinculativo no dia a dia para muita gente que ainda se afirma como tal. Acresce que foram surgindo na sociedade focos de laicismo agnóstico e mesmo de ateísmo militante, gozando de pelouros de informação e de acção, que os tornam mais influentes do que o são por força própria. Alguns deles se vão encarregando de dar publicidade aos problemas da Igreja e à incongruência dos cristãos, para daí tirarem proveito para as suas posições e ideologias. A verdade, porém, é que, na Igreja Católica, mormente depois do Vaticano II, não têm faltado iniciativas válidas que procuram a renovação dos seus membros, grupos e comunidades, quer no sentido de esclarecerem e motivarem as suas opções, quer de se abrirem para uma presença e acção válidas e eficazes na sociedade. É verdade que o mundo mudou e continua sujeito a mudanças sociais e culturais. Os cristãos, como cidadãos deste mundo, não estão imunes às influências emergentes, nem podem viver com gente instalada e sem projectos. O que aparece mais urgente neste contexto e antes de mais é transmitir uma fé esclarecida que se exprima numa adesão livre e comprometida, a nível pessoal e comunitário. Ao longo da história tanto os cristãos como a Igreja, comunidade de crentes que mantêm viva a sua consciência de missão, nunca tiveram vida pacifica, embora em tempos e lugares concretos, as suas vidas tenham gozado de algum descanso e conforto. Esses tempos, porém, acabaram e hoje o convite é estarem acordados e vigilantes como as sentinelas, e activos como quem assumiu um compromisso de vida do qual vai depender a vida de tantos outros. Cada vez mais a catequese ou a formação cristã das crianças, jovens e adultos é um ensinamento para a vida e não uma ilustração doutrinal religiosa, ainda que também seja esta. Não se compadece com ser administrada por gente imatura ou não preparada, mas exige cada vez mais educadores da fé que sejam, ao mesmo tempo, testemunhas vivenciais da fé que professam e do valor vital do ensinamento doutrinal que propõem. Tudo na Igreja deve ser ensinamento para a vida dos crentes e proposta séria para todas pessoas de boa vontade que procuram caminhos consistentes e abertos para a sua vida e que são muitos milhares. Por isso, a Igreja tem de viver um processo contínuo de conversão evangélica. A sua natureza e identidade, assim como a sua missão permanente e singular, assim lho pedem e exigem, e não faltam pessoas de todos os quadrantes que esperam dela uma palavra viva. António Marcelino

PONTES DE ENCONTRO

O país do copo meio cheio ou meio vazio No programa “Prós e Contras”, da RTP1, emitido no passado dia 30 de Junho, o assunto proposto para debate dava pelo título “Que estratégias para Portugal”. Presente o Ministro da Economia, um Deputado do PSD, economistas e empresários. Como sempre, nestes tipo de programas, fazer perguntas não é garantia alguma de obter uma resposta precisa e clara e, muitas das vezes, quando esta é dada, nada tem a haver com a pergunta formulada, inicialmente. Estamos habituados a isso há imensos anos e, de algum modo, este tipo de atitudes faz parte do jogo das regras da argumentação democrática, desde que não se use e abuse deste expediente, como é, infelizmente, o comportamento de muitos políticos da nossa praça. Desde o início do programa, creio que foi evidente para os espectadores que o Ministro Manuel Pinho e o Deputado do PSD (de que não me recordo o nome) estavam a fazer marcação “homem a homem”, procurando cada um deles tirar os melhores proveitos possíveis em benefício do Governo e do PSD, respectivamente. A dado passo, entram os empresários no debate e, entre estes, há um que, virando-se para os dois políticos, diz-lhes, preto no branco: “Nós não temos tempo para ser enganados e o que se tem passado aqui é só retórica!”, para logo acrescentar que “o país está em campanha eleitoral permanente, na vez de o gerirem.” Ao mesmo tempo que o continuava a escutar, lembrava-me da baixíssima formação da generalidade dos empresários portugueses, a nível empresarial e de gestão, uma realidade que é reconhecida nacional e internacionalmente e que ajuda a explicar, em muito, a baixa produtividade dos trabalhadores portugueses, no seu próprio país, e a alteração, para bem melhor, quando estes vão trabalhar para empresas no estrangeiro, onde são respeitados e considerados pela sua dedicação ao trabalho. Absorvido com estes meus pensamentos e com as palavras que escutava, oiço, de repente, esta frase: “Os empresários portugueses precisam de um choque!” (sic), para logo dizer que: “Eles [os empresários portugueses] não podem querer ter lucros rápidos. Têm que ter paciência e organização”, dando a entender que o lucro rápido e fácil é o principal factor que mais contribui para a fragilidade de qualquer empresa. De facto, estas declarações fugiam ao discurso típico do miserabilismo e das lamentações, tão ao jeito de alguns empresários portugueses, que, sempre que possível, lá estão a pedir mais um subsídio a qualquer Governo, prestando-lhe vassalagem e usando o chamado tráfego de influências. Mas, afinal, quem é este empresário? É português, filho da pai húngaro e de mãe de ascendência inglesa e portuguesa. Chama-se Peter Villax e é o administrador da empresa Hovione. Naturalmente, fui procurar o que era a Hovione e logo descobri que é uma empresa portuguesa de topo, “especializada na área da ciência da saúde”, que investiga e fabrica produtos farmacêuticos de base de última geração, ou seja as substâncias activas que constituem os medicamentos. A Hovione é o maior investidor em Investigação e Desenvolvimento (I&D) na indústria farmacêutica portuguesa detendo 400 patentes no mundo inteiro. Com uma facturação anual, em 2006, de aproximadamente 93.7 milhões de dólares, a nível mundial. Mais palavras para quê? Ao contrário do que muitos pensam, não é preciso andar nas bocas do mundo para fazer parte da elite e da excelência. O que é preciso é saber trabalhar, investir, desenvolver e organizar, em equipa. Como dizia Peter Villax, nós somos um país do tipo “copo meio cheio ou meio vazio,” e não há nada pior do que isto, para dizer tudo e nada sobre a mesma coisa e fomentar a incerteza e a estagnação. É pena que Portugal tenha tão poucos empresários com esta visão e dimensão, porque não é fatalismo nem nenhum fado que nos torna piores do que os dos outros países desenvolvidos. A não ser, como dizia um dos economistas presentes: “O que os portugueses gostam é de serem bem enganados!”. Será mesmo assim ou já aprendemos a que não façam de nós uns permanentes distraídos, se não mesmo uns idiotas?
Vítor Amorim

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Um livro de Armando Tavares da Silva


D. Manuel II e Aveiro
– Uma Visita Histórica (27 de Novembro de 1908) 

Em curta conversa que mantive com Armando Tavares da Silva, professor catedrático aposentado da Universidade de Coimbra, percebi que se trata de um apaixonado pelos temas relacionados com a nossa História. O livro que teve a gentileza de me oferecer, “D. Manuel II e Aveiro – Uma Visita Histórica (27 de Novembro de 1908)”, reflecte isso mesmo. Mas também fiquei a saber que há outros trabalhos em carteira, que virão a lume com marcas da mesma sensibilidade e rigor com que cuidou de me oferecer este.
Li-o com gosto. Reli passagens que me despertaram mais curiosidade e apreciei, com redobrada atenção, as muitas fotografias da época da visita, quase a completarem um século. Em jeito de quem tenta descobrir nos rostos retratados sinais das nossas gentes.
Depois do regicídio, em que foram baleados D. Carlos e seu primogénito, D. Luís Filipe, impunha-se que o novo rei de Portugal, D. Manuel II, se aproximasse mais do povo, levando-o a acreditar e a identificar-se com a Monarquia. A visita foi memorável e disso nos dá conta, neste trabalho, Armando Tavares da Silva, pessoa de certo modo identificada com a nossa região, ou não tivesse casa na Praia da Barra.
Curiosamente, o autor, que sublinha a importância histórica da visita do rei, que Aveiro preparou com simpatia e carinho, acorrendo as suas gentes a vê-lo e a aplaudi-lo, também não ignora, neste seu escrito muito bem conseguido, os protestos dos republicanos descontentes, no exercício de uma liberdade que nunca lhes foi negada, tanto na autarquia aveirense como nos jornais. Por exemplo, enquanto “O Campeão das Províncias” e o “Districto de Aveiro” davam honras de primeira página à visita do rei, com textos laudatórios e fotos, “o Democrata” considerava, também na primeira página, sem qualquer ilustração, a visita de D. Manuel II como “Real bambochata”. Escusado será dizer que o autor buscou nas melhores fontes da época, a comunicação social, os reflexos da presença do rei em Aveiro, sem descurar a informação rigorosa de quantos muito se debruçaram sobre esse período da História de Portugal, com uma monarquia que não soube dar os passos certos para incrementar a democracia e para desenvolver o país. Daí que a República caminhasse a passos largos para acabar com um regime que construiu Portugal com rasgos de génio, desde os seus fundamentos. Com altos e baixos, obviamente. Sobre este acontecimento não se tem falado muito entre nós. Talvez a implantação da República, em 5 de Outubro de 1910, dois anos depois de D. Manuel II ter estado em Aveiro, tenha ofuscado aquela visita.
Como é próprio do povo, que reage com emoção inúmeras vezes pondo de lado a razão, frequentemente deixa-se manipular pelos políticos. Os mesmos que aplaudiram D. Manuel II, voltaram-se pouco tempo depois para o outro lado, para vitoriarem a República, como sublinha o autor. E com razão. Tal como aconteceu com o 25 de Abril. Muitos que batiam palmas a Salazar e a Marcelo Caetano acorreram em massa para saudar e cantar a revolução dos cravos, ao som da Vila Morena.
"D. Manuel II e Aveiro - Uma Visita História (27 de Novembro de 1908)" é um livro para ler e para guardar. As fotografias que o ilustram constituem uma mais-valia para curiosos e estudiosos. São de proveniências diversas, com destaque para Aurélio da Paz dos Reis e Joshua Benoliel. Ainda da Imagoteca da CMA e de outros arquivos.

 Fernando Martins

NB: Mais considerações e fotos, sobre o livro, num dia destes, onde a Gafanha da Nazaré também estará presente. Há curiosidades que vale a pena conhecer.

NA LINHA DA UTOPIA

Sentar à mesa
1. Os cenários socioeconómicos da actualidade continuam a merecer os mais variados comentários dos mais diversificados quadrantes. Todos observam a crise, e alguns até na sua estratégia carregam na tecla crisófila dizendo que ela continua para ficar e agravar; a lucidez das soluções é que parecem tardar, facto que também se comprova pela ausência de plataformas de encontro e entendimento a partir da realidade. Da União Europeia os ziguezagues, demonstrativos de um fosso em que os cidadãos estão e parecem querer estar (longe), reflectem a incerteza e indecisão de contornos históricos. E nestes contextos de transformação planetária são bem mais as mesas habituais da analítica comentada que as da procura das soluções a partir das práticas. 2. Não é fácil vislumbrar caminhos de saída da encruzilhada do mundo presente, e futurologia é tarefa que os humanos não dominam. Mas talvez o descortinar a justa medida do “copo meio cheio” precise de despertar aquelas mesas que podem apontar caminhos. Depois da II Guerra Mundial foi o tempo histórico da criação das grandes plataformas de encontro e da estruturação das grandes organizações que marcaria o tempo da qualificada modernidade: nesta a preocupação consistente pela Humanidade em geral foi uma imagem de marca, e daqui derivaram toda a multiplicidade de organismos enraizados na ONU – Organização das Nações Unidas. Entretanto verificámos em 1989 a queda do Muro de Berlim, que assinalou a abertura total da era da globalização já na pós-modernidade (esta mais individualista e indiferente) previamente esboçada. 3. Uma quantidade e qualidade de transformações sucedem-se (até no panorama da revolução internet), a que não é alheio o simbólico 11 de Setembro de 2001. A nova complexidade de relacionamentos planetários a par do emergir dos povos orientais como potências desmonta as “mesas” antigas, despertando para novas urgências sócio-político-educativas. O facto de quase tudo hoje ser transnacional, o que entre nós se reflecte no “país que se decide em Bruxelas”, torna clarividente que as respostas antigas agora colocadas seriam como «remendo novo em pano velho». O tecido social está todo em ebulição; não é efectivamente um mal (como por vezes se diz), é uma realidade nova que obriga ao reajustamento. Assistimos a grandes mudanças; não se trata de começar de novo (ninguém começa nada de novo), tratar-se-á de compreender para melhor agir… 4. Um dos principais sintomas da crise é a objectivação explícita que, muitas vezes, os variados sectores sociais têm andado a puxar uns para cada lado. Erro tremendo que se reflecte em tantas propostas sociais irrealistas e inconsequentes em relação à crua realidade. O flagelo da fome já é o julgamento da história pela incapacidade de entreajuda político-económica dos vários actores em cena. Há novas mesas a reinventar, há novos conhecimentos a joeirar e potenciar nessa causa decisiva da sobrevivência, o mesmo é dizer, do autêntico serviço à casa da humanidade. Inadiável!

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Cruzeiros da Gafanha da Nazaré

A propósito dos Cruzeiros da Gafanha, o Padre João Vieira Rezende diz, na sua "Monografia da Gafanha", que o primeiro de que há memória “deveria ter existido em 1584, ‘perto da ermida de Nossa Senhora das Areias’ em S. Jacinto”, segundo reza um alvará régio, com data de 20 de Maio daquele ano. E acrescenta, talvez para espanto de alguns, que considera S. Jacinto, “por muitos motivos, pertencente à região da Gafanha”, porque “era-o realmente antes da abertura da Barra em 1808”.
Sobre os Cruzeiros da Gafanha da Nazaré, leia mais em Galafanha

Figueira da Foz – A Esplanada Silva Guimarães

Casa das Conchas Castelo Engenheiro Silva
Quem vai à Figueira da Foz ou ali passa férias, sobretudo no Verão, não resiste a ver o mar, com praia abundante e a perder de vista. A Esplanada Silva Guimarães, construída na década de 50 do séc. XX, é local obrigatório para passear e conversar por entre o tagarelar, de línguas várias, de quem deambula ao sabor do nada fazer. Dali avista-se quem teima em manter a linha, caminhando ou andando de bicicleta, mais em baixo, na marginal, onde cabe muita gente. Mas na esplanada, com bancos para o merecido repouso de quem caminhou muito, há três edifícios que reclamam a nossa atenção: a Casa das Conchas, com marcas da Arte Nova, bem patente nos azulejos decorativos de motivos vegetais; o Antigo Edifício do Turismo e o Castelo do Engenheiro Silva, que formam um belo contraste com a demais arquitectura envolvente. Para além de sugerir uma visita ao Bairro Novo, onde a presença da Arte Nova se faz sentir com mais acuidade, como marca de uma certa burguesia endinheirada, não posso deixar de lamentar o estado em que se encontra o Castelo do Engenheiro Silva. Há anos que o vejo com alguns sinais de obras para breve, que nunca avançam. Na realidade a decadência e o abandono empobrecem aquela esplanada.
FM

Peregrino do saber

José Leite de Vasconcelos,
nos 150 anos do seu nascimento O EXPRESSO evocou esta semana, no seu su-plemento "ACTUAL", o universalista José Leite de Vas-concelos, para celebrar os 150 anos do seu nascimento. O sábio que foi médico, mas que nunca desejou exercer tal profissão, dedicou-se, com paixão, à filologia, à etnografia e à arqueologia, viajando constantemente, porque defendia que “Nada nos educa e ilustra como viajar!”. Ao ler esta evocação, em textos de Mário Robalo, ocorreu-me sublinhar, neste meu espaço, que, nas suas fre-quentes andanças pelo País, José Leite de Vasconcelos também esteve na Gafanha, em 1919, onde colheu algumas informações que publicou na sua obra “Geografia tradicional das Beiras”. Posteriormente, esses apon-tamentos foram enriquecidos com outros que recebeu do Dr. José Pereira Tavares, seu antigo aluno na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, na altura professor do Liceu de Aveiro, onde veio a ser reitor distinto. Segundo Leite de Vasconcelos, o seu antigo aluno era pessoa que conhecia bem a localidade e escritor erudito, o qual “o obsequiou com incessantes informações, e de mais a mais lhe ofereceu a parte por ora impressa da ‘Monografia da Gafanha’, do Rev. João Vieira Resende”, conforme leio na sua “Etnografia Portuguesa”, volume III. Leite de Vasconcelos diz, citando a referida “Monografia da Gafanha”, que antes de 1677 devia ter havido alguns cultivadores da Gafanha, e que, por esses tempos, continuavam a fazer-se “colonizações rurais”. Em 1813, fala-se, diz o sábio, “de uma fazenda que constava de casas, currais, palheiros, terras de pão, pinheiros e juncais”. “Grande porção do antigo areal adaptou-a pois o homem assim sucessivamente a cultura, com trabalho e suor, e os adubos que a Ria lhe ministrava”, refere, citando o geógrafo Amorim Girão. E como curiosidade, depois de frisar a cultura de batata, feijão, milho, centeio e algum vinho, diz: “Dá-se tal apreço à batata gafanhense, que no mercado todos a preferem à de outros sítios.”
FM Nota: Voltarei ao assunto.

NA LINHA DA UTOPIA

A inteligência das emoções
1. Sente-se (e justifica-se) que em certa medida exista uma desconfiança das emoções. Mas está estudado que são estas que comandam a vida e o mundo. As razões para o preconceito e não integração das emoções e afectos prendem-se mais com a história dos séculos passados que com a realidade presente. Especialmente desde o princípio da modernidade do séc. XVI as emoções dominaram as razões a tal ponto que originaram páginas de precipitação intolerante baseadas mais em intuições emocionais que em razões lógicas. Mas já desde os tempos clássicos que, no esforço de compreensão “organizada” do ser humano, se considerou que ele é corpo e espírito. Os séculos racionalistas acentuariam a objectividade material e experimental; os tempos mais voltados para as componentes espirituais sobrevalorizaram a face das ideias desprestigiando as noções terrenas. Agravaram-se algumas dictomias (ou uma coisa, ou outra) a ponto de haver nos quadros do pensamento quase (imaturas) incompatibilidades. 2. Para quem vive “preso” à história, neste terreno da profundidade humana as razões fundamentam os medos e, consequentemente, a prudência aconselha à desconfiança. Para quem vive nesses paradigmas do passado (cartesiano), mesmo nos terrenos científicos da maior vanguarda do conhecimento, esta fronteira é ténue, e prefere-se o rigoroso separar das águas entre corpo e espírito. Fala-se de progresso humano mas tem-se medo de incluir nele todas as formas de conhecimento; sabe-se que os grandes problemas da humanidade actual não têm solução tecnológica (mas sim humana), mas sobrevaloriza-se e exalta-se o patamar da ciência tecnológica, cortando asas aos horizontes das ciências filosóficas, humanas e religiosas, dos clássicos como das artes. No fundo, pelo arrastar desse passado histórico (que continua) de graves incompatibilidades, temos medo de no presente incluir em diálogo (transdisciplinar) todos os conhecimentos… 3. E, assim, verifica-se que quando o mundo designado de intelectual abandonou as razões de possibilidades desta harmonia “mente sã em corpo são”, então esta abordagem da unidade psico-somática transitou para a lógica, muitas vezes, da irracionalidade… Que o digam todos os exoterismos e misticismos que, em palcos não iluminados pela ordem razoável do ser, fazem o seu falacioso caminho. Talvez seja mesmo preciso, urgentemente, resgatar a pluri-unidade dos conhecimentos para um patamar da justa racionalidade, isto é da inteligência emocional. Obras como a de António Damásio (os estudos da neurobiologia da consciência) derrubam essa dictomias antigas, como se o ser humano fosse um encaixotado de gavetas frias. E tudo quando se sabe que as emoções lideram o mundo. Ou a presente crise internacional não demonstra cabalmente que: 1. temos de superar as limitadas abordagens metodológicas da história; 2. temos dialogado muito pouco em rede com os vários conhecimentos; 3. que as publicitadas “expectativas” que comandam as bolsas de valores e os preços do petróleo são o novo nome da “inteligência das emoções” (= do sentir). 4. Sabemos que estas são águas profundas, mas são elas que em novos paradigmas de abordagem podem oferecer o justo equilíbrio a uma desejada humanidade humana; tudo diante dos desafios / oportunidades da globalização.

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